Taxa das blusinhas: tudo sobre a nova cobrança e o que está por trás da discussão para a moda nacional
Novas regras da famosa taxa das blusinhas passam a valer em 1° de agosto sobre as compras de importados em plataformas estrangeiras, encarecendo produtos quase pela metade e barateando outros de valor elevado.
No próximo dia 1° de agosto, entra em vigor a nova tributação que incide sobre produtos importados – a famosa taxa das blusinhas. A partir dessa data, itens que custam até 50 dólares serão taxados em 20% sobre o valor da compra.
Shein, Amazon, AliExpress e Shopee serão diretamente afetadas pelas novas regras, mas não são as únicas. Todo o mercado de moda está sujeito ao regramento. O nacional, aliás, pode até se beneficiar. E enquanto peças abaixo do preço limite estabelecido pela lei ficam mais caras, as acima podem chegar por aqui menos custosas.
Mas vamos com calma, porque o assunto é polêmico e complexo.
O que é a taxa das blusinhas?
A taxa das blusinhas, como ficou conhecida, faz parte do Projeto de Lei 914/2024, o PL Mover (Programa Mobilidade Verde e Inovação). Ele nasceu para instituir benefícios ao setor automotivo para uma transição para a economia verde. No entanto, a tramitação abriu uma brecha para reverter a isenção fiscal de produtos de até 50 dólares. A inclusão de pontos alheios à proposta central é o que se chama de jabuti, no jargão político.
A medida é um meio termo entre a isenção total de impostos para a importação de produtos nessa faixa de preço (até 50 dólares) e os 60% cobrados para todas as encomendas de até 3 mil dólares.
A taxa zero sobre o valor da compra de importados passou a valer em 2023 para sites cadastrados no programa Remessa Conforme – projeto que surgiu para regular as compras que muitas vezes chegavam ao Brasil burlando a fiscalização.
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Antes, o cliente finalizava a transação online e rezava para que, quando o item passasse batido pela alfândega. Pequenos objetos raramente eram taxados, porque, além de insignificantes do ponto de vista da importação, os vendedores estrangeiros se passavam por pessoas físicas para não configurar um negócio comercial.
Essa prática, além de ter feito o país perder bilhões em impostos ao longo dos anos, fazia a encomenda demorar meses até ser entregue ao comprador, entupindo os galpões do serviço postal brasileiro e causando transtornos para toda a cadeia logística. Com a criação do Remessa Conforme, as plataformas inscritas passaram a embutir o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) na compra. Assim, geram dividendos aos estados, e o desembaraço aduaneiro ocorre de forma mais ágil.
Atualmente, há nove sites cadastrados no programa Remessa Conforme, de acordo com uma atualização divulgada na quarta-feira (18.07) pela Receita Federal: Shein, Amazon, AliExpress, Shopee, Mercadolivre, Magazine Luiza, Temu, Sinerlog Store e 3 Cliques. Outras onze estão em processo de validação, entre eles Wish, USCloser, Cellshop e LifeOne.
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Estima-se que, no ano passado, os brasileiros despenderam 6,42 bilhões de reais em 210 milhões de encomendas internacionais. A maioria entrou no país isenta de impostos de importação devido à faixa de preço abaixo dos 50 dólares.
De acordo com a Confederação Nacional do Comércio de Bens e Serviços e Turismo (CNC), o consumo de itens importados nessa faixa de preço pelos brasileiros cresceu 23% no ano passado em relação a 2022, com a China no topo do ranking de maiores vendedores, com 51,8% da fatia. Em segundo lugar estava a Argentina, com apenas 6,2%.
Como funciona a taxa das blusinhas?
A cobrança de 17% do ICMS continuará valendo e, por ora, se mantém nesse patamar. Esse imposto incide no valor do produto e do frete, por isso, a nova taxa de 20% será aplicada em cima deste já existente. Como se trata de um tributo que incide “por dentro” do custo repassado ao cliente na compra, os 17% de ICMS, na prática, são 20,48%.
Façamos o cálculo:
Uma blusinha de 100 reais que chegava ao país isenta do imposto de importação por 120,48 reais, agora custará 144,58 reais, 44,58% a mais em relação ao valor sem nenhum tributo. Fora do escopo do programa Remessa Conforme, se for aplicada a taxa de 60% sobre o valor da compra acrescido do ICMS, a mesma blusa de 100 reais custaria 192,76 reais, quase o dobro do valor original.
Para balancear a diferença brutal entre 20% e 60% na cobrança do imposto para itens mais caros – e, assim, tentar manter a aderência das empresas ao programa Remessa Conforme –, a nova regulamentação criou um desconto fixo de 20 dólares sobre o valor total das remessas entre 50,01 e 3 mil dólares.
Portanto, a blusinha de 51 dólares que passaria a custar 98,30 dólares, já com o ICMS mais os 60% de importação, sairá por 78,30 dólares. Em reais, na cotação atual de 5,58 ante a moeda estadunidense, o preço final, que seria de 548,51 reais, diminui para 436,91 reais.
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Sentiu o impacto? O nível mais alto do guarda-roupa, como calças, bolsas e camisas, além de perfumes e eletrônicos, podem ficar mais baratos nesses sites.
Contudo, não são todas as compras que entram nas novas regras. Uma portaria do Ministério da Fazenda definiu que a alíquota de 20% até 50 dólares e o desconto nos valores maiores serão apenas para os sites cadastrados no Remessa Conforme. Ou seja, as remessas internacionais podem ter alíquotas distintas entre 20% e 60%, a depender do método de envio, sendo o do programa federal o mais baixo deles.
O de cima sobe e o debaixo desce
Num mercado como o de moda, em que uma centena de reais faz toda a diferença, o alívio no bolso teria o poder de estimular a compra de itens antes mais caros. Essa é uma das críticas feitas à volta da taxação de produtos até agora isentos de impostos de importação. O argumento é de que a nova lei supostamente beneficiaria a classe média e jogaria a carga tributária nas costas de pessoas com poder aquisitivo menor.
Como fica para as empresas estrangeiras?
As empresas estrangeiras, claro, usaram esse discurso, defendido pelo governo federal, para manter a isenção. Os dados, porém, vão na contramão do levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), cuja avaliação foi de que apenas 18% das pessoas que ganham até dois salários mínimos fazem compras internacionais na internet. Já na faixa com mais de cinco salários, esse percentual é de 41%.
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Uma pesquisa encomendada à consultoria Ipsos pela Shein vai pelo mesmo caminho das constatações da CNI. No primeiro trimestre deste ano, 88% da clientela brasileira da fast fashion chinesa era composta pelas classes C, D e E – sendo metade só dos últimos dois estratos.
E para as brasileiras?
Alberto Serrentino, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo, afirma que a taxação das blusinhas é importante para o mercado porque salvaguarda as empresas de moda. Na média, diz ele, até 30% do que é vendido já é importado da China e não seria justo taxar os importadores e o consumidor final. “O pleito dos empresários pela taxação é lícito e justo, porque o que foi arbitrado pelo PL, algo em torno de 40%, nivela o que incide no produto brasileiro”, explica.
Para Serrentino, que também é fundador da consultoria Varese Retail, o cross-border, fenômeno que conectou produtores a compradores finais de forma direta e agilizada, não é uma onda passageira e precisa ser encarado como uma janela de oportunidade para o varejo nacional. “As mesmas plataformas que criam a competição entre os produtos nacionais e internacionais têm estratégia de recrutar sellers locais. A Temu, que chega neste semestre com força no Brasil, tem a estratégia local para local. Então, isso tudo vai se misturar.”
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O Magalu já misturou. Começará nas próximas semanas a parceria entre a varejista e o site AliExpress. Ambos passarão a vender produtos anunciados nas plataformas concorrentes. Analistas apontam que, do lado da brasileira, aumentará o mix de produtos de moda, beleza e itens de menor valor. Para a chinesa, abrirá as portas para o comércio de bens duráveis, como geladeiras, fogões e eletroeletrônicos existentes na malha logística da empresa brasileira.
Produzir moda no Brasil, sabe-se, nunca foi tarefa fácil. Mas Thiago Hering, o CEO por trás da marca de “blusinhas” mais famosa do país, tem uma ideia clara sobre como o mercado deveria reagir à discussão: apostando na roupa. “Num ambiente de jogo limpo e competição saudável, a proposta de valor tem de prevalecer. Trata-se de oferecer um preço condizente com o produto e um nível de serviço alto. Esses deveriam ser os atributos que o consumidor busca e o que as grifes deveriam se preocupar.”
Sobre as novas regras de importação e a concorrência com estrangeiros, o executivo no comando da Hering diz que se preocupa “menos com o regramento e mais sobre o que estamos fazendo para impulsionar os negócios de moda do país. As discussões sempre ficam nessa ponta [da taxação], em tratar a dor aguda do mercado e esquecer da dor crônica, que é sobre como facilitar o ambiente de negócios e eliminar as entropias que freiam o desenvolvimento”.
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