Como o vestido envelope virou um hit nas mãos de Diane von Fürstenberg
Há 50 anos, o vestido envelope alçou a designer belga ao topo da moda americana.
No verão parisiense de 1968, Diane von Fürstenberg admirava as bailarinas de collant, que visitavam a loja de sapatilhas Repetto. Meses depois, a economista recém-formada começou a estagiar na fábrica de tecidos e estampas de Angelo Ferretti, na Itália. A combinação dos dois lugares lhe permitiu chegar a sua versão mais bem sucedida do vestido envelope.
Apesar de ter sido uma criação da estilista americana Claire McCardell, na década de 1930, o vestido envelope, ou wrap dress, entrou para a história da moda, mesmo, nas mãos da designer belga. O modelo original nasceu como alternativa ao terno, para as mulheres que, cada vez mais, passavam a trabalhar fora de casa.
Difícil de amassar e fácil de fechar (com uma amarração), a peça era uma opção prática sem zíperes ou botões, além de elegante, com punhos e colarinhos, e sexy, ajustada ao corpo. “Simplicidade e sensualidade: é tudo o que as pessoas querem”, afirma Diane von Fürstenberg, hoje aos 77.
Com Furstenberg, o vestido ganhou versão em jersey, estampas mais chamativas e um decote em V. O item se provou no desafio do tempo e, neste semestre, celebra 50 anos com direito a uma coleção cápsula da marca homônima de Diane. Chamada de “The First Woman”, a linha foi lançada no início de março com 16 peças, seis releituras da silhueta e duas estampas. O primeiro padrão é de cobra, uma referência à estampa que apareceu na casa pela primeira vez, em 1975. Já o segundo print é de palavras-cruzadas, com um desenho de David Kwong, o mágico estadunidense que criou as famosas cruzadinhas do New York Times.
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“O vestido me ensinou tudo que sei sobre moda, vida, mulheres e confiança”, afirma a estilista. A peça teve o seu apogeu de popularidade entre 1974 e 1978, e alçou a sua criadora para o panteão da moda americana, ao lado de nomes como Calvin Klein, Geoffrey Beene, Halston, Norma Kamali, Ralph Lauren e Stephen Burrows, que definiram o visual da década de 1970.
O best seller se manteve constante no catálogo da marca, mas foi atualizado a cada estação. “É mais do que um vestido, é um estado de espírito. As cores, o tecido e as estampas – tudo é pensado para adicionar mais confiança à linguagem corporal das mulheres”, explica a estilista.
Vestido envelope: tramas de sucesso
Diane soube que tinha um hit em mãos, desde o momento em que viu o vestido envelope em movimento e circulando em diferentes ambientes com Diana Vreeland e Bianca Jagger. Na última década, ele foi usado por Amy Winehouse, Kate Middleton, Michelle Obama e Paris Hilton. No cinema, foi eternizado por Cybill Shepherd, em Taxi Driver (1975), e Amy Adams, em Trapaça (2013); na televisão, vestiu Jennifer Aniston em Friends (1994) e Sarah Jessica Parker em Sex and The City (1998).
A peça virou um símbolo e, a marca, sinônimo de guarda-roupa que funciona e está sempre a favor da rotina da mulher. Diane levou muito em consideração que, assim como ela, o público da DVF também equilibra trabalho, maternidade e casa. Na época em que viu o boom sobre o seu vestido acontecer, Diane, que estava divorciada do Príncipe Egon von Fürstenberg, vivia em Nova York com os filhos Alexandre e Tatiana.
O item se conecta à ideia dos quimonos japoneses e das togas gregas, em que o vestuário tem uma finalidade em si. Para o pesquisador de moda francês Nicolas Lor, o êxito de Diane foi unir beleza e simplicidade: “Ela é uma designer no campo da moda, e não uma designer de moda, porque produz em escala industrial uma peça prática, confortável, que pode ser usada de dia e noite e responde a algumas necessidades humanas – ou seja, carrega a essência do design”.
Antes de assumir a curadoria de exposições do Fashion and Lace Museum, em Bruxelas, Lor trabalhou como arquivista da Chanel, Chloé, Dior e Margiela. O seu primeiro projeto no novo emprego, em 2021, foi justamente a exposição (aberta até janeiro deste ano) e o livro “Woman Before Fashion”, publicado pela editora Rizzoli, em setembro de 2023.
Elaborado em 18 meses, o projeto resgata a trajetória da peça quinquagenária. O pesquisador passou 10 dias na casa de Diane, em Connecticut, andando como uma sombra atrás dela e mergulhando em seu acervo para selecionar 50 vestidos para a mostra. A quantidade de variações de estampas o surpreendeu, e um dos prints mais inesperados era o de um modelo com tinta espalhada à la Jackson Pollock.
“A carreira de Diane é especial no mundo da moda. Na década de 1970, ela não tentava inventar uma nova silhueta ou estilo avant-garde. Ela se perguntava: o que eu usaria?”, ele explica. Conforme avançava na pesquisa, Lor percebeu uma ausência de artigos acadêmicos dedicados à estilista, então convidou três historiadoras de moda – a libanesa Lydia Kamitsis, a belga Karen Van Godtsenhoven, e a americana Alexis Romano – para analisarem temas intrínsecos ao seu trabalho, como a relação com a natureza, o feminismo e o sonho americano.
Mesmo nascida em Bruxelas e filha de pais judeus sobreviventes do Holocausto, Diane von Fürstenberg está carimbada na história da moda dos Estados Unidos. Mas tendo a disputa cultural pós Segunda Guerra Mundial como pano de fundo de seu trabalho, a sua estética não ganhou a mesma atenção que outras: “Depois da década de 1940, os americanos representavam o sportswear e o ready to wear, enquanto a Europa seguia como o centro da moda. Por isso, ela não fez tanto barulho quanto os outros estilistas de propostas mais complexas, como os Seis da Antuérpia que apresentaram uma nova visão através do minimalismo.”
Adicione a isso o fato de que, após a sua estreia arrebatadora, a DVF chegou em baixa, nos anos 1980. Afinal, o corte ajustado ao corpo não combinava com os contornos maximalistas da época. Para além da queda das vendas, más decisões nos negócios levaram a estilista a aceitar licenciamentos que enfraqueceram o seu nome. Foi necessário quase uma década para reajustar a rota.
Em 1991, ela criou uma collab com a QVC, canal de compras na televisão, e em apenas duas horas, faturou U$1M. A coleção do retorno da fundadora ao controle da empresa foi apresentada na loja Saks Fifth Avenue, em setembro de 1997. Em dois anos, o lucro das vendas do vestido envelope ultrapassou U$20M.
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Na virada dos anos 2000, a marca voltou a crescer, mas Diane saiu do cargo de designer de sua própria etiqueta. Em 2006, tornou-se presidente do CFDA, cargo ocupado durante 13 anos. Ela foi sucedida por Tom Ford, em 2019. Ao lado do segundo marido, o fundador da Fox, Barry Diller, criou o DVF Awards, que há 14 anos homenageia lideranças femininas. A advogada Amal Clooney, a atriz Emma Thompson e a primeira presidente mulher da Câmara dos EUA, Nancy Pelosi, estiveram na última edição.
Ainda ativa no dia a dia da empresa, a fundadora se prepara para passar o bastão para a neta, Talita von Fürstenberg, de 25 anos. Desde 2019, ela cria coleções especiais para a marca, inspiradas em seu lifestyle jet setter. A herdeira foi estagiária da campanha de Hillary Clinton à presidência dos EUA, em 2016, e se formou em negócios da moda na New York University. Talita segue os passos da avó ao personificar e apresentar o DNA da marca para a geração Z.
Leia mais: A história do vestido envelope.
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