Mulheres na história: quem foi Hipólita Jacinta Teixeira de Melo

No dia 21 de abril, o Brasil relembra Tiradentes. Mas uma mulher também teve um papel importante na Inconfidência Mineira.


hipólita jacinta teixeira de melo
Arte: Gustavo Balducci, com detalhe da obra A bandeira dos Inconfidentes, de Carlos Oswald / Wikipedia Commons



O filme Ainda Estou Aqui, que conquistou milhões de espectadores e rendeu ao cinema nacional o Oscar de melhor filme estrangeiro este ano, despertou a atenção para uma mulher que, por sua trajetória pessoal, tornou-se um ícone em defesa da justiça, da liberdade e da democracia. O resgate da história de Eunice Paiva é parte do reconhecimento do Brasil às suas heroínas que, de alguma maneira, contribuíram efetivamente para a construção de um país melhor.  

Assim como Eunice Paiva, personagem da protagonista Fernanda Torres no filme, outra mulher, há mais de dois séculos, dedicou sua vida em defesa da liberdade no Brasil: a mineira Hipólita Jacinta Teixeira de Melo, considerada a única mulher com participação efetiva no movimento da Inconfidência Mineira, ocorrido no século 18 com o objetivo de libertar a colônia brasileira de Portugal.

Em janeiro deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei 15.086/25, que inscreve o nome de Hipólita no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, que fica no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, em Brasília. A mineira estará ao lado de nomes como Anita Garibaldi, Maria Quitéria, Chico Mendes, Zumbi dos Palmares, Machado de Assis, Chico Xavier, Alberto Santos Dumont e Zuzu Angel.

A sanção do presidente Lula reconhece a importância de Hipólita ao participar ativamente da Conjuração Mineira, cujo líder mais célebre é o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, conhecido nos livros de História como o Mártir da Inconfidência. Tiradentes, por sinal, foi o primeiro nome registrado no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, criado na década de 1990. Em 1999, a Medalha da Inconfidência já havia sido concedida de forma póstuma a Hipólita Jacinta. Em 2023, seu nome foi inscrito no Panteão da Inconfidência, em Ouro Preto (MG).

Leia também:
Conheça as vencedoras do prêmio para mulheres na ciência e seus projetos

Hipólita Jacinta Teixeira de Melo nasceu em 1748, no berço de uma família tradicional de fazendeiros e políticos em Prados, interior de Minas Gerais. Seu pai, Pedro Teixeira de Carvalho, era o capitão-mor na vizinha Vila de São José Del Rey, atual Tiradentes, hoje um importante polo turístico e cultural de Minas Gerais.

Fato curioso: a atriz Alice Wegmann, que atualmente interpreta a personagem Solange no remake da novela Vale Tudo, é descendente de Hipólita, de acordo com o pesquisador Douglas Fazolatto, membro do Colégio Brasileiro de Genealogia. Fazolatto revelou a informação (que a própria Alice desconhecia, como comentou em seu stories, no Instagram) à coluna do jornalista Ancelmo Gois, no site do jornal O Globo.

Voltando ao século 18: educada, culta e de personalidade forte, Hipólita casou-se com Francisco Antônio de Oliveira Lopes, companheiro de Tiradentes e membro ativo do grupo de inconfidentes. A amizade entre os dois nasceu quando serviam no Regimento dos Dragões de Minas, em Vila Rica, atual Ouro Preto.

Hipólita apoiava o movimento. A fazenda herdada dos pais e onde morava com o marido tornou-se uma “célula” dos inconfidentes, graças à localização estratégica: ficava próxima à Estrada Real, facilitando a comunicação entre os conjurados das cidades próximas, como São João Del Rey, Prados e Vila Rica, então capital da província.

“Transformaram sua casa em ponto de encontro de outros descontentes. Ali compareciam os heróis da Inconfidência Mineira. Só não sabiam que, entre eles, um sobrinho por afinidade de Francisco Antônio, chamado Joaquim Silvério dos Reis, viria a ser um delator, um traidor, pois não lhe conheciam a falta de caráter”, diz o historiador Ronaldo Simões Coelho no livro Hipólita – A Mulher Inconfidente.

“Hipólita foi a única mulher que efetivamente participou da Inconfidência”, explica o historiador André Figueiredo Rodrigues, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp). No seu livro A fortuna dos inconfidentes, Rodrigues mostra que Hipólita teve um papel significativo, facilitando a comunicação entre os inconfidentes e contribuindo financeiramente para o movimento.

“Sua casa serviu como ponto de encontro para reuniões subversivas e ela instigava outras pessoas a lutar pela liberdade da capitania de Minas”, diz Rodrigues. “Seu exemplo é uma inspiração para lembrar das muitas mulheres que lutaram pela liberdade e democracia no Brasil”, completa o professor.

Outro episódio que demonstra o envolvimento ativo de Hipólita foi o fato de proibir o marido de entregar ao então governador de Minas, o Visconde de Barbacena, uma carta-denúncia delatando o movimento. A carta, que seria entregue pessoalmente por Francisco Antônio para tentar diminuir sua pena por participar da Conjuração Mineira, foi queimada por Hipólita, que também destruiu outros documentos que pudessem delatar os revolucionários.

Leia também:
“Eles estão pagando pela guerra. Por que não podem pagar pela paz?”, diz presidente do Planetary Guardians

Mesmo assim, ela tentou de tudo para salvar o marido, preso e enviado ao Rio de Janeiro junto com os outros inconfidentes, após a repressão ao movimento pela Coroa. Durante o processo, mandou confeccionar um cacho de bananas de ouro maciço, em tamanho natural, ofertado à rainha de Portugal, dona Maria I, para obter o perdão do cônjuge. A oferenda, porém, jamais chegou ao destino. Francisco Antônio e os outros conjurados foram degredados para a África, onde morreram. Tiradentes foi o único a receber a pena de morte.

Apesar de os autos da devassa registrarem apenas o julgamento e as penas dos integrantes masculinos da conjuração, Hipólita sofreu os efeitos da derrota dos inconfidentes. Durante anos, lutou para reaver os seus bens, confiscados pela Coroa. Inconformada, escreveu ao secretário do Ultramar, dom Rodrigo de Sousa Coutinho, em Lisboa, solicitando a restituição de boa parte do patrimônio sequestrado em Minas Gerais, alegando ser herança paterna.

“A estratégia deu certo, pois ela conseguiu recuperar a fazenda Ponta do Morro, onde morava, e alguns bens, como objetos de casa e de mineração, móveis e escravos”, diz o historiador Rodrigues, que destaca a importância da inscrição de Hipólita Jacinta no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria:

“Elevá-la ao status de heroína foi um passo essencial para garantir a visibilidade das diversas vozes que contribuíram para a construção da nossa História, incluindo as das mulheres. Abre novas possibilidades para entendermos a importância da presença feminina em lutas sociais”, diz Rodrigues. Hipólita morreu aos 80 anos, em 1828, na mesma fazenda onde nasceu, viveu e lutou por um Brasil melhor.

Leia também:
Mulheres na ciência: 3 projetos no TikTok para acompanhar e aprender

Para ler conteúdos exclusivos e multimídia, assine a ELLE View, nossa revista digital mensal para assinantes