Como aprender a escolher vinhos – o guia definitivo
O caminho é longo. Pode começar num bom papo com um sommelier na loja de vinhos ou no wine bar, atravessar eventos, jantares harmonizados e chegar ao estudo – para aprender o básico ou se profissionalizar.
Está lá você no meio de um perrengue: vai receber gente bacana, mas que não conhece direito (ainda tem um crush no meio). Quer impressionar com a arrumação da casa, as comidas, a playlist, a iluminação, o astral do encontro. E os vinhos? Como não dar mancada e servir o que combina com o jantar, com a proposta da noite, com o estilo das pessoas que quer encantar – tudo dentro do seu orçamento?
Você dá um google em busca de salvação e cai numa matéria que promete ensinar a escolher vinhos em cinco passos. Lê, até acha que já está meio bamba no assunto, vai ao supermercado ou à adega e continua na mesma, sem saber se aquele espanhol de rótulo colorido é mais apropriado do que o francês de jeitão clássico. No fim das contas, tem vontade é de mandar para o inferno a influencer que te fez outra promessa, tão corriqueira quanto vã: “Vamos descomplicar o vinho”.
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“O vinho é bebida que pede uma conversa, espera que algo aconteça, pode mudar depois do primeiro gole. É para ir com calma, deixar a vida corrida e a rede social de lado, prestar atenção. Não dá para descomplicar o que pede sua atenção”, filosofa a sommelière, consultora e palestrante Márcia Alpães.
Em que nível de relacionamento com o vinho você pretende chegar?
Vamos dar um desconto. Simplificar o vinho, no linguajar influencer, pode significar bebê-lo descompromissadamente, levar o rosezinho refrescante ao piquenique, divertir-se com as últimas fofocas, fazer umas fotos fofas para o feed e apreciar os seres vistosos que flanam pelo parque. Ora, isso todo mundo faz. “Não há nada de errado em beber por beber, bater papo e ficar feliz”, diz Márcia.
Agora, se você quiser aprender a escolher vinhos por conta própria, chegar a uma adega repleta de rótulos e decifrar o que cada um representa (ou pretende representar), o caminho não é suave. Tampouco breve. Exige muito mais do que cinco ou sete passos. “Seguir esse trajeto requer interesse e esforço. É preciso estudar. O mundo do vinho é muito complexo, você aprende a avaliar as coisas devagar. É como um relacionamento, em que vamos conhecendo a outra pessoa aos poucos. A vantagem é que nossa relação com o vinho só melhora com o tempo”, diz a sommelière.
Clos Wine Bar. Foto: Divulgação
Se não é possível simplificar, como alardeia a instagrammer sorridente, podemos traçar um plano de ação que parte do problema básico: “Quero aprender a escolher bons vinhos. O que faço?” Há vários níveis de solução e de satisfação para o seu dilema – basta definir a que etapa pretende chegar:
– quero conhecer especialistas que me deem boas dicas de vinhos, para diversas ocasiões.
– quero conhecer estilos diferentes e provar coisas novas, para saber escolher melhor.
– quero ter uma noção ampla do mundo dos vinhos, saber diferenciar Austrália de Itália, Bordeaux de Borgonha, Rioja de Rías Baixas.
– quero me tornar profissional do vinho.
Os caminhos são muitos e mostramos algumas das direções que se pode tomar.
Lojas para quem quer fazer boas escolhas guiadas – para beber cada vez melhor
Se você não entende pouco ou nada de vinhos, não tenha vergonha. Há profissionais que estudaram para orientar justamente quem não sabe o que escolher ou quer se abrir a novas perspectivas. Chamam-se sommeliers e estão em lojas, importadoras, adegas, supermercados, restaurantes, wine bars e outros estabelecimentos que têm a inteligência de contratar seus serviços. Chegue e conte seus problemas na lata, sem rodeios.
Esqueça as compras virtuais nessa etapa. O papo presencial é sempre mais proveitoso, especialmente para quem dá os primeiros passos no mundo do vinho. “O sommelier deve desvendar a percepção, o paladar das pessoas, saber que vinhos você já tomou, quais gostou, quais não suporta, o que gosta de comer. Procuramos fazer uma leitura do cliente e, para isso, é preciso franqueza e transparência das duas partes”, diz Danilo Camargo, sommelier e sócio do wine bar Notre Vin, em São Paulo.
O winebar Notre Vin. Foto: Divulgação
Franqueza pode começar com um “não entendo nada de vinho” e com um orçamento definido de quanto se pretende gastar. Um bom profissional, num bom estabelecimento, tem repertório para apresentar soluções – às vezes inesperadas – para seus problemas. “Com base no perfil da pessoa, posso indicar um vinho da Calábria, coisa que ela talvez nunca tenha pensado em provar”, diz Danilo.
Taí a grande vantagem de conversar com sommeliers: saímos do lugar comum e aumentamos nosso repertório sensorial. Muitas vezes, nem gastamos tanto mais, pois outro engano é achar que vinho em supermercado é sempre mais barato do que em lojas especializadas. O elegante Emporio Fasano, em São Paulo, tem vinhos de R$ 70 a R$ 35 mil. “Estamos prontos para atender, com qualidade, públicos com orçamentos bem distintos”, diz o sommelier Renato Brasil, que fez a seleção de rótulos da casa.
Lojas de grandes importadoras contam com profissionais que entendem do riscado e têm uma faixa bastante elástica de preços, dos rótulos de entrada aos de altíssima gama. Acredite: dá para comprar vinhos de excelente relação custo-benefício diretamente de quem importa. Se dinheiro não é problema, elas também têm grandes rótulos. Em São Paulo, algumas lojas bacanas de importadoras são Cellar Vinhos, Decanter, Grand Cru, Mistral, World Wine, Adega Alentejana (especializada em Portugal), de la Croix (especializada em França).
Divinho, loja que reúne rótulos de várias importadoras. Foto: Divulgação
Os estabelecimentos “multimarcas”, que trabalham com vinhos de vários produtores e importadoras, também entram na dança. Descubra quais têm as equipes mais simpáticas e pacientes. Além do Emporio Fasano, uma boa lista paulistana inclui 5 Wine List, Adega Central (que também é wine bar), Bacco’s, Confraria Queijo e Vinho, DiVinho, Empório Frei Caneca, Encontre Vinhos, La Cave du Sommelier, Le Bon Vin, Oka Caburé (um casarão onde rolam muitas feirinhas de vinhos naturais), Toque de Vinho (com um fundo de quintal charmoso para degustações), Vino Mundi, Wine2Go, WinePRO, e as lojas físicas dos grandes sites Evino e Wine. Supermercados com serviço de sommelieria também são uma boa: Santa Luzia, St. Marché e algumas lojas (não todas) do Pão de Açúcar.
Pronto: você “aprendeu” a escolher vinhos sem esquentar a mufa, apenas conversando com quem estudou para facilitar sua vida.
Wine bars são bons lugares para aumentar seu repertório sensorial
Em São Paulo parece febre: não passa uma semana sem que se descubra um wine bar do qual não tínhamos conhecimento. A moda é ótima para quem quer um lugar agitadinho e charmoso para papear. Mas esses bares também podem servir como escolas preparatórias para quem quer começar a traçar seus planos de voo na galáxia dos vinhos. “Quando se tem a possibilidade de provar vários vinhos diferentes, servidos em taça, abrem-se muitos caminhos”, diz Danilo.
Se você quer aprender mais, aproveite essas oportunidades como aulas práticas. Peça dicas diferentes aos sommeliers, saia do comum e do automático. “O que fez você gostar ou não de um vinho? Preste atenção ao que você percebe dele. Dê uma olhada na cor, na tonalidade, sinta os aromas, tente identificar alguns. Dê um gole, deixe a boca se acostumar com aqueles sabores. Vá devagarinho, porque a bebida pode mudar, evoluir na taça. O vinho é feito de detalhes”, ensina Márcia.
A busca por esses detalhes pode estar na rota de quem frequenta os wine bars de São Paulo – com propostas, pegadas, ambiances, públicos e seleção de vinhos bem diferentes. Bardega é um lugar legal pelos quase 100 rótulos em taça, disponíveis nas máquinas self-service Enomatic, que jorram doses de 30, 60 ou 120 ml. É a chance de provar um tiquinho de alguns rótulos mais caros sem escangalhar as finanças.
Enomatic no Bardega. Foto: Divulgação
Alguns bares têm uma seleção bem democrática de estilos e oferta rotativa de vinhos em taça. São assim o Notre Vin de Danilo Camargo, o Saída de Emergência (no andar superior do restaurante Incêndio), o Elevado Bar, o Huevos de Oro, o Vinho no Boteco, as quatro unidades do Vino! (Paulista, Pinheiros, Jardins e Higienópolis). Um traço comum a todas essas casas é o cuidado com a gastronomia. Aulas de harmonização? Também temos aqui.
A oferta de bares dedicados aos vinhos naturais, orgânicos e de baixa intervenção explodiu colorido nos últimos anos. A Enoteca Saint VinSaint, dos sommeliers Lis Cereja e Leonardo Reis, é a grande embaixada dos naturebas – mais do que wine bar, é restaurante e adega. Clos Wine Bar e Bistrô conta com todo o portfólio da importadora Vinho Mix e a cozinha delicada da chef Elisa Fernandes. Cool e minimalista, o Beverino também tem pegada gastronômica, com sugestões de menus harmonizados. Baco Dvino, Plou e Clementina (que mais parece uma rave, de tão cheio) são outros lares dos vinhos naturais.
Fachada do Paloma. Foto: Divulgação
No centro da cidade, além do Elevado, há opções bacanas como Enoteca Nacional (no Bixiga, só com vinhos brasileiros), Prosa e Vinho (uma joia escondida na Galeria Metrópole) e o moderninho Paloma (no Edifício Copan). Dê um rolê, não pare num wine bar só. Diversidade é o caminho.
Feiras, jantares harmonizados, degustações e outros eventos para engordar sua cultura
O mundo do vinho fervilha em São Paulo e em outras cidades brasileiras. Nunca houve tantos eventos, para diversos estilos e bolsos (alguns são gratuitos). Há aulas focadas em um país ou uma região, feiras que reúnem várias importadoras ou produtores, degustações guiadas por profissionais, degustações livres (quando cada um escolhe os vinhos que quer provar, na ordem que desejar), lançamentos de guias, jantares harmonizados, workshops de harmonização e outros babados. Tem até feirinha com cashback, em que parte do valor do ingresso pode ser revertida em compras.
Para conhecer mais sobre vinhos, vale a pena se jogar. Se o intuito é o estudo, Márcia recomenda que se faça a lição de casa antecipada. “Pesquise quem vai expor, para ter ao menos uma base de conhecimento antes de provar.” Assim, você não fica que nem barata tonta, especialmente se a feira for enorme ou coalhada de gente, o que costuma acontecer.
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Dicas de quem já rodou muito em feiras e eventos. Não tenha a ilusão de que se pode provar tudo. Deguste menos taças, mas com calma e atenção. A maioria das pessoas quer provar os vinhos mais famosos, mais caros e pontuados – as grandes marcas. Beleza. Só que, nos estandes menos concorridos, há chances de se fazer provas mais tranquilas, sem sair com o braço roxo de tanta cotovelada e conversar melhor com produtores, enólogos e sommeliers. Descobrimos ótimos vinhos nos estandes calminhos e aprendemos bastante também. Por fim, cuspa o vinho. Há cuspideiras em todas as mesas e devem ser usadas por quem não pretende se embebedar. Não é feio cuspir. Feio é sair do pavilhão trançando as pernas. (Tá. Pode engolir aquele Chablis fenomenal. O Franciacorta também, vai.)
Alguns dos grandes eventos anuais voltados para o público final são Feira Naturebas (reunindo produtores de vinhos naturais do mundo todo), Wine Weekend (com importadores e produtores), Vinho na Vila (voltado para a produção brasileira), Vinhos de Portugal, Guía Descorchados (para vinhos da América do Sul), lançamentos de guias da revista Adega (Portugal, Espanha) e tantos mais.
Feira Naturebas, no pavilhão da Bienal do Ibirapuera. Foto: Divulgação
Grandes importadoras costumam fazer encontros periódicos, mostrando boa parte de seu portfólio. É a chance de conhecer vinhos famosos trazidos por Decanter, Grand Cru, Qualimpor, World Wine, Mistral, Chez France e outras boas casas do ramo. Degustações de menor porte, íntimas e tranquilas, acontecem pontualmente nas importadoras ou lojas independentes.
Se quiser ficar por dentro do que acontece, assine todas as newsletters que puder e siga importadoras, lojas, wine bars, restaurantes e profissionais do vinho nas redes. O perfil Vinho na Cidade, no Instagram, é mão na roda, faz um bom apanhado de eventos, degustações, feiras e jantares em São Paulo.
Cursos rápidos e longos para aprofundar seus conhecimentos sobre vinho
Quando nos apaixonamos por vinhos (e nos damos conta de que investimos um bom dinheiro nisso), pode vir o desejo de organizar a informação. Aí não tem jeito: vamos queimar pestanas. “Sempre defendo a ideia de que o vinho tem de estar no nosso dia a dia, na nossa mesa, não precisa ser algo pomposo. Mas não podemos mentir que estudar vinho é fácil. Não é vendo vídeo de 30 segundos no YouTube que se aprende. É preciso ir fundo com boas leituras, boas referências e litragem”, diz Danilo.
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Quando se diz que alguém tem boa litragem, quer dizer que já provou um bom bocado de vinhos. Só que, voltando ao que Márcia disse lá em cima, há diferença entre beber e degustar. Degustar é beber com atenção, analisando as características do vinho, suas possíveis interações com a comida, conhecendo as peculiaridades da região em que nasceu, suas técnicas de elaboração. É um cenário que se transforma o tempo todo, ao sabor de descobertas de novos terroirs, de tendências de consumo e também das mudanças climáticas, que balançam o coreto da produção mundial de vinhos. Tudo isso se aprende na escola.
Elevado Bar. Foto: Divulgação
A educação do vinho também cresce no Brasil e é possível fazer cursos e aulas livres que vão mostrar conceitos mais básicos ou partir para o estudo profissionalizante. A Associação Brasileira de Sommeliers (com unidades em várias cidades) tem cursos de diferentes matizes. Introdução ao Mundo do Vinho, em dois módulos, é a pedida para quem quer ter uma noção geral e fazer melhores escolhas. A Formação de Sommeliers Profissionais, o nome já diz, é para quem pretende trabalhar no mercado de vinhos. Puxado: dura três anos, com aulas presenciais semanais. Depois dele, há outros cursos de especialização.
A escola Ciclo das Vinhas, da sommelière Alexandra Corvo, oferece diversos módulos rápidos, como o Curso Básico de Vinhos em Três Aulas Para Curiosos e Apressados. Há várias outras aulas avulsas: harmonização de queijos e vinhos, o básico do básico da Europa, masterclasses sobre Bordeaux, Borgonha e Montalcino, Riesling, Piemonte, rosés etc. Para quem quer ir mais fundo, Alexandra também dá um curso parrudão de sommelieria, com 34 aulas semanais.
A escola Eno Cultura é a única no Brasil homologada para ministrar os quatro níveis do curso WSET (Wine and Spirit Education Trust), sediado em Londres e disseminado pelo mundo. Há também o FWS (French Wine Scholar), estudo aprofundado da França e suas diversas regiões. Ou intensivos para aprender técnicas de degustação e várias aulas temáticas, que podem ser feitas online, sobre regiões, uvas e estilos de vinho. Importante lembrar que essas escolas costumam receber produtores, enólogos e sommeliers estrangeiros para masterclasses específicas sobre seus vinhos e seus métodos de elaboração.
Faltou falar das viagens. Uma das melhores maneiras de aprender sobre vinhos é prová-los em seus lugares de origem. Mas esse é assunto para outras conversas. Quem sabe no próximo jantar falemos sobre isso, bebendo os ótimos vinhos que você aprendeu a escolher.
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