Tudo o que você precisa saber sobre o vinho laranja
Antes restrita a um círculo de iniciados, a bebida de cor âmbar está conquistando cada vez mais fãs. Saiba como são feitos, o que esperar deles e onde provar bons vinhos laranja por aí.
Vinho laranja é bom? O que eles colocam no vinho para ficar dessa cor? O que ele tem de diferente? Tem gosto de laranja? Leva laranja mesmo? De que uvas são feitos esses vinhos? Será que eu vou gostar?
Sommeliers e especialistas em vinho têm sido cada vez mais desafiados a responder de maneira rápida e precisa essas e outras perguntas sobre vinhos laranja. Antes restrita a rodinhas de enófilos, a oferta desses rótulos tem crescido em cartas de restaurantes, adegas e portfólios de produtores e importadores do mundo, Brasil incluído. Apesar de já serem mais conhecidos do que eram há 10 anos, muita gente ainda tem dúvidas e, às vezes, nem se arrisca a pedi-los.
“A curiosidade e o interesse pelos laranjas aumentam, mas nem sempre há tempo ou clima para dar uma palestra no restaurante e fazer com que as pessoas entendam o que eles são”, diz Ricardo Santinho, sommelier do Grupo Vila Anália. “A resposta mais imediata é dizer que são vinhos de uvas brancas macerados com as cascas.”
Quem manja de vinificação mata a charada na hora: vinhos laranja são brancos encorpados, de cor e sabor mais intensos. A explicação sucinta, porém, não acaba com o mistério na maioria dos casos. “Muita gente não sabe que a cor do vinho vem das cascas das frutas e há quem nem saiba como de fato é feito o vinho”, diz a sommelière Irma Ferreira, especialista em vinhos de baixa intervenção.
Para descomplicar a parada, nossos especialistas nos ajudaram a montar uma aulinha sobre o assunto. Segue a thread (se já sabe do babado todo, é só pular essa parte):
Tinto, branco, rosé, laranja
– O vinho é fruto da maceração e da fermentação das uvas. A prensagem das frutas forma um sucão (mosto) que será fermentado pelas leveduras, microorganismos que devoram o açúcar das frutas, transformando-o em álcool. (Lembrando que essa é uma explicação bastante básica, tá? Entre a colheita e o engarrafamento, o vinho pode passar por mil e um processos diferentes).
– Vinhos tintos são macerados com as cascas (ou películas) de uvas tintas, que ficam em contato com o mosto durante um bom tempo. São as cascas que dão a cor rubra aos tintos. (Há uvas tintureiras, cuja polpa também dá cor ao vinho, mas são poucas as variedades e isso é papo de nerd do vinho.)
– Os vinhos brancos “normais”, a que fomos submetidos durante toda a existência, são macerados sem as cascas, por isso são clarinhos. As uvas não necessariamente precisam ser brancas. Se você tira as cascas das uvas tintas antes da maceração, consegue fazer vinho branco com elas. Há quem diga “ai, que loucura”, mas você já deve ter bebido muito espumante branco feito com Pinot Noir, a tinta mais célebre da região de Champagne e da Serra Gaúcha.
– Os vinhos rosé, por sua vez, ficam entre os brancos e os tintos. Se um produtor quer um rosé claro, deixa as cascas das uvas tintas em contato com o mosto por pouco tempo. Se quer um rosado bem intenso, deixa as películas boiando ali por um período mais longo.
– E o que tudo isso tem a ver com vinho laranja? Ele é um vinho feito com uvas brancas, macerado com as cascas. Por isso, de maneira geral, tem cor mais intensa do que os brancos tradicionais. Ele é tão vinho quanto os outros, resultado da maceração e da fermentação das uvas. Só que o contato do mosto com as cascas pode fazer muita diferença.
Taí a palestrinha meio longa de se fazer no salão de um restaurante e que explica algumas das questões lá de cima. Já sabemos que eles não têm laranja na composição, mas seus matizes vão muito além dos 50 tons. Há quem considere o termo “laranja” equivocado, por não dar conta de toda a variedade de perfis que a técnica possibilita. Algumas pessoas os chamam de vinhos âmbar ou vinhos brancos de maceração, como prefere Ricardo Santinho. Certos produtores os rotulam como vinhos brancos mesmo. O que aumenta um pouco a confusão na hora de escolher um rótulo sem ajuda do sommelier.
Como surgiu o vinho laranja?
Vinhos brancos macerados com as cascas são feitos há pelo menos 8 mil anos, de acordo com achados arqueológicos na Geórgia. Até a primeira metade do século 20, ainda eram produzidos vinhos assim na Europa, antes do estilo “branco total” se impor como padrão de beleza e requinte.
No final do século passado, vinicultores da Geórgia, da Eslovênia e da Itália (com destaque para o produtor Josko Gravner, na região do Friuli) resgataram a tradição perdida de macerar uvas brancas com cascas e inspiraram vinhateiros no mundo todo. A moda pegou e hoje tem vinho laranja em tudo quanto é canto, da Califórnia à Patagônia, da Nova Zelândia a Portugal.
Houve frisson quando esses vinhos começaram a chegar ao Brasil, seguido de um certo deboche por parte dos fãs das bebidas convencionais – acusaram a onda laranja de “modinha passageira”. Mas o estilo se firmou, sobretudo entre produtores de filosofia natural, orgânica, biodinâmica e de baixa intervenção. É uma turma que não gosta de usar aditivos e fazer correções para deixar os vinhos no modo padrãozinho da grande indústria. Alguns enólogos naturebas nem filtram o vinho, que fica com aspecto turvo, por causa dos sólidos que sobram do processo de vinificação.
Com que uvas se faz um vinho laranja?
Com todas as uvas brancas que se possa imaginar e com várias delas misturadas também. A cor do vinho vai depender de diversos fatores: o tipo de uva, o tempo que as cascas ficam em contato com o mosto, a quantidade de cascas usadas (há produtores que não colocam 100% das películas na fermentação) e outras escolhas enológicas.
Há brancos de maceração tão clarinhos quanto os brancos “tradicionais”. Alguns têm aspecto alaranjado mesmo, outros são lindamente douradões, alguns mais puxados para o âmbar ou para o acobreado, e existem até os rosadinhos (algumas uvas brancas de casca rósea ou acinzentada causam essa impressão visual).
Quais as características do vinho laranja?
Pelas informações acima, já dá para perceber que vinho laranja não é tudo igual – vinho bom sempre começa com uva de qualidade. Mas a técnica de macerar com as cascas traz algumas particularidades. “As películas das uvas brancas têm taninos, assim como as das tintas, e fazem com que o vinho laranja tenha mais corpo, mais adstringência (a sensação de ‘pegação’ na língua), maior estrutura e, em certos casos, mais longevidade”, explica Irma.
Certos rótulos podem trazer alguma nota oxidativa, aromas menos familiares, adstringência mais marcada, às vezes algum amargor. Vinhateiros naturais também curtem fermentar com leveduras selvagens, aquelas presentes na própria fruta e na natureza ao redor, em vez de aplicar levedos industriais. É mais ou menos como comparar o pão de fermentação natural, tipo levain, com pão feito com fermento de supermercado.
A fermentação selvagem, o nome já diz, é menos obediente que a industrial. Quando descontrolada, pode resultar em aromas (pum) e sabores (vinagre) desagradáveis. Se bem sucedida, é capaz de revelar todo o esplendor de uma uva em seu terroir. Os laranjas bem feitos (e todos os bons naturais de baixa intervenção) costumam mostrar essa verdade, ora de modo delicado, ora de maneira opulenta. Aí é de dar água na boca.
Tudo isso pode bugar os sentidos de quem se apega ao convencional, embora a grande indústria também tenha se aproximado do interesse, da curiosidade e da demanda pelos laranjas, lançando produtos mais “palatáveis” e acessíveis ao grande público. “Já começa a haver uma massificação do vinho branco de maceração, com produtos de menor qualidade, que fogem da pegada gastronômica que os bons laranjas propõem”, diz Santinho.
Vinho laranja harmoniza com que pratos?
A Laranja Mecânica, rótulo da vinícola Fitapreta: amigo do polvo. Foto: Divulgação
Falando em pegada gastronômica, ponto para os laranjas: eles costumam ser mais elásticos no quesito harmonização. “São mais amplos. Um branco de maceração com mais taninos e complexidade pode fazer par com um prato mais pesado ou gorduroso, até com carnes vermelhas. Mas não derruba um crustáceo”, diz Santinho. Dependendo da variedade da uva e do tempo de contato com as cascas, um laranja pode vir encorpadão, mas mantendo o frescor e a acidez naturais da fruta.
E, afinal, vinho laranja é bom mesmo?
Depois desse papo todo, a pergunta de um milhão de dólares – “será que eu vou gostar”? – fica fácil de ser respondida. “É como qualquer vinho. Se você já provou tintos, brancos, rosés e espumantes maravilhosos ou decepcionantes, o mesmo vai acontecer com os laranjas. Você vai amar alguns, ficar indiferente ou não gostar de outros”, diz Irma.
RÓTULOS DE VINHOS LARANJAS PARA PROVAR
Para variados perfis e bolsos, Irma Ferreira, Ricardo Santinho e a reportagem da ELLE Brasil indicam alguns rótulos disponíveis no nosso mercado. Vale lembrar que vinhos de pequenos produtores têm produção limitada – às vezes um rótulo some por um tempo, mas você passa para o próximo enquanto não vem uma nova safra ou mais uma importação.
BONS E BÁSICOS (entre R$ 110 e R$ 145)
Voo livre, laranja da Serra Gaúcha: boa porta de entrada. Foto: Divulgação
Voo Livre / Chardonnay (Brasil)
Irma Ferreira considera o Voo Livre, da vinhateira artesanal Vanessa Medin, um laranja didático: “É um vinho fácil. Quem não tem paladar para vinhos diferentes prova e acha uma delícia”. Filho da Serra Gaúcha, é leve, fresco, frutado e moderado nos taninos. À venda na The Blend Wines.
Krasno Orange / Rebula, Malvasia e Sauvignonasse (Eslovênia)
Laranja esloveno de sabor e preço gostosos da região de Goriška Brda, feito por uma das maiores vinícolas do país. De cor acobreada, tem mineralidade, toques herbais e um sedutor amendoado no paladar. O leve amargor no retrogosto não chega a incomodar. À venda na Casa da Bebida.
Bizarra Extravaganza Naranja / Gros Manseng e Petit Manseng (Uruguai)
Bizarra é a linha de vinhos naturais de Santiago Deicas, elaborada dentro do conceito de mínima intervenção. Bizarra Naranja é dourado-alaranjado, bem frutado, com presença de maçã e mel no aroma e no paladar. Não filtrado, é um vinho fácil de beber e de gostar. À venda na TodoVino.
Faccin Malvasia Bianca, outro bom laranja nacional. Foto: Divulgação
Faccin Laranja Riesling Itálico (Brasil)
Riesling Itálico é bastante usada no Rio Grande do Sul para a produção de espumantes. A Faccin vinifica a uva em laranja, sem filtragem ou adição de sulfitos. Tem presença de pêssego, boa acidez e toque funky. Outro bom rótulo da casa é o Faccin Laranja Malvasia Bianca. À venda na Beba Bem em Casa.
El Salvaje Orange Style / Chardonnay e Torrontés (Argentina)
Outra boa porta de entrada para conhecer os laranjas, da vinícola Casa de Uco. As uvas são cultivadas em altitude no Vale de Uco, o que garante frescor à fruta. A acidez, que faz salivar, não se dissipa após o período de 14 meses de envelhecimento em carvalho francês. À venda na Wine Lovers.
Glup Naranjo / Moscatel (Chile)
A linha Glup, do projeto Longaví, do chileno Julio Bouchon, é dedicada ao público jovem. Bebedores “sérios”, porém, encantam-se com esse Moscatel cheio de aroma, frutas brancas polpudas e alegre acidez. Passa por quatro meses de envelhecimento em carvalho. À venda na World Wine.
NO CAMINHO DO MEIO (entre R$ 240 e R$ 290)
Pheasant’s Tears Khikhvi (Geórgia)
Da região de Kakheti, é uma boa pedida para quem busca coisas diferentes. A uva autóctone georgiana Khikhvi (pronuncia-se ri-rui) traz nuances de castanhas, tâmaras e uma acidez discreta, porém presente. Leve, seco e feliz, um vinho fácil de ser amado. À venda na Europa Importadora.
Lammidia Bianco Carbo / Trebbiano, Cococciola e Passerina (Itália)
“100% uva e basta”, slogan da vinícola Lammidia, de Abruzzo, define o caráter de seus vinhos: fermentação espontânea, mínima intervenção e zero sulfitos. Este laranja de maceração carbônica traz frutas tropicais e cítricas, flor de camomila, especiarias e refrescância. À venda na Vinhomix.
Bojador: fermentado em talhas de barro. Foto: Divulgação
Bojador Vinho de Talha Branco / Perrum, Roupeiro, Rabo de Ovelha e Manteúdo (Portugal)
A vinificação em talhas de barro, tradição ancestral na região do Alentejo, antecipa os preceitos de mínima intervenção de produtores modernos. A técnica consiste em fermentar as uvas na talha e lá deixá-las, para que o vinho se faça. Este Bojador é fresco, elegante e mineral. À venda na Wine Lovers.
Loxarel Penedès Xarel-lo / Xarel-lo (Espanha)
Um vinho de maceração bem clarinho, já que apenas 20% das cascas vão para a fermentação em ânforas. Da região de Penedès, elaborado com uma das uvas tradicionais dos cavas, é muito leve, seco, salino e com um toque amendoado no aroma e na boca. Pede frutos do mar. À venda na Belle Cave.
Orsi San Vito Posca Bianca Cuvée / Pignoletto, Alionza, Albana e Malvasia (Itália)
De agricultura biodinâmica e fermentado à moda selvagem, passa pelo processo perpétuo, em que vão sendo adicionados, no mesmo tanque, vinhos de safras de diversos anos. Mescla o frescor frutado dos vinhos novos com a madurez de amêndoas dos líquidos antigos. À venda no Magazine Luiza.
Domaine de La Pinte Sav’Or / Savagnin (França)
Um vinho bem complexo, com notas de frutas cítricas confitadas, maçã cozida, um toque picante, outro tanto de umami, lembrando cogumelos. Quase um bosque engarrafado. Representa a versatilidade do estilo, podendo harmonizar com pratos leves e carnes de caça. À venda na Vinhomix.
CATEGORIA LUXO (de R$ 340 a R$ 1.000)
Jusqu’ici Tout Va Bien / Grenache Blanc, Vermentino e Ugni Blanc (França)
Mineral, muito floral, com um toque sutil de amargor no final do trago. Um vinho complexo e cheio de delicadeza, elaborado na microrregião de Cévennes (Languedoc Roussillon) com fermentação selvagem e sem aditivos. Indicado para quem gosta de bebidas aromáticas. À venda na Irma Ferreira.
Foradori Fuoripista / Pinot Grigio(Itália)
Este vinho da Piana Rotaliana confunde a visão: a casca da Pinot Grigio leva a cor rosada à bebida. “Temos a impressão de beber um grande rosé, mas é um branco de maceração”, diz Ricardo Santinho. Sedoso, fresco, com um quê terroso, é uma bela experiência. . À venda na Vinhomix.
Era dos Ventos Peverella (Brasil)
Uma das grandes referências em vinhos laranja no Brasil, feito a partir da variedade Peverella, trazida por imigrantes italianos. Exuberante em frutas secas e confitadas, boa concentração de taninos, notas terrosas. Dizem os sommeliers que não se pode morrer sem prová-lo. À venda na Wine Store.
FitaPreta A Laranja Mecânica by António Maçanita / Fernão Pires, Arinto, Verdelho, Antão Vaz, Roupeiro, Alicante Branco e Trincadeira-das-Pratas (Portugal)
A coletânea de uvas desse rótulo do Alentejo anuncia exuberência. Um vinho laranjão, encorpado, com notas de laranja cristalizada e frutas amarelas em compota. Potente, de encher a boca, mas sem perder em frescor, encara um banquete da entrada ao javali. À venda na Evino.
Domaine Athénaïs-Béru Amphore Maceration / Chardonnay (França)
A delicadeza e a extrema elegância do Chardonnay de Chablis com o corpo que a maceração das cascas leva ao vinho. Afinado por 19 meses em ânforas, ele chega com grande frescor, típico da região, mas com a suave adstringência que seus irmãos brancos não têm. À venda na Vinhomix.
Porcellànic Xarel-lo Orangebi / Xarel-lo (Espanha)
Outro Xarel-lo de Penedès, só que bem mais potente, feito com frutas de um vinhedo de 1953. Tem toques defumados, de mel, jasmim, frutas cristalizadas e mais um monte de percepções. Lindamente engarrafado em cerâmica, é o laranja de luxo que todos queremos ter. À venda na Vinhomix.
ONDE BEBER VINHO LARANJA
Clos Winebar: carta oferece cerca de 30 rótulos de vinhos laranja. Foto: Divulgação
Clos Winebar
Instalado numa charmosa casinha da Vila Madalena, em São Paulo, o Clos serve cerca de 30 rótulos de vinhos laranja e mais uma cornucópia de vinhos naturais de diversas procedências, a maioria do portfólio da importadora Vinhomix. Taças e garrafas podem harmonizar com as comidas delicadas e apetitosas da chef Elisa Fernandes, com base no frescor e na sazonalidade.
Enoteca Saint VinSaint
A casona dos sommeliers Lis Cereja e Leonardo Reis é o templo do vinho natural em São Paulo. A carta de laranjas costuma reunir cerca de 40 rótulos e todos podem ser pedidos em taça, o que facilita o passeio por vários estilos. A cozinha é sazonal, com ingredientes colhidos na própria horta da Enoteca ou selecionados de pequenos produtores locais.
Beverino
Outro ponto sacudido do vinho natural em São Paulo, o Beverino, do sommelier Bruno Bertolli, oferece mais de 30 opções de laranjas de vários países. Para provar em taça, é preciso perguntar que rótulos estão abertos no dia, mas é comum que haja algum laranja interessante nos finos menus harmonizados que a casa propõe. A culinária também é sazonal e orgânica.
Preços pesquisados em abril de 2023 e sujeitos a alteração.
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