Em mostra, Humberto Campana fala sobre vida a partir de materiais essenciais

Humberto Campana anda mais provocativo, desconcertante e vanguardista do que nunca em seu universo lírico, repleto de sonhos, que às vezes tocam o surreal. Agora, acaba de inaugurar a mostra "Eu Escuto", na Luciana Brito Galeria.


Humberto Campana abre nova exposição em São Paulo, na Luciana Brito.
Coração Coroado, de Humberto Campana. Foto: Fernando Laszlo



Humberto Campana ainda se emociona ao lembrar do irmão Fernando, morto em novembro de 2022. De certa forma, a exposição Eu Escuto, em cartaz na Luciana Brito Galeria até 20 de dezembro, rende homenagem à história da dupla, ao início lúdico, em Brotas, que injetou altas doses de irreverência e lirismo ao espírito dos dois, movidos desde lá atrás pelo anseio de desbravar territórios desconhecidos a fim de criar novos mundos.

Na infância, Fernando queria ser astronauta, Humberto, indígena. Viraram designers de prestígio internacional graças à inigualável capacidade de voar alto. “Essa mostra veio de memórias e da minha reconstituição como artista”, conta Humberto. “Me vi sozinho, me confrontando com a melancolia, o medo da depressão, e a mostra me fez reconectar com a vida.”

Humberto Campana: totem

Totem de cerâmica e ferro, de Humberto Campana. Foto: Fernando Laszlo

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Les enfants terribles, cada um ao seu modo, ou yin e yang, como Humberto costuma dizer, justamente por conta do temperamento esfuziante que Fernando exibia e do seu, sereno, mas sereno só na superfície, saiba. No interior, um vulcão prestes a entrar em erupção. Seu cérebro não, nunca. Ao encontrá-lo pela primeira vez, você meio que espera que, de alguma forma, a fama tenha influenciado o seu jeito de ser. Logo na primeira conversa, porém, essa névoa se desfaz e uma nova impressão ganha nitidez.

Humberto bem poderia ter vindo de alguma das estrelas que mirava no céu deitado no topo do observatório de madeira construído pelos irmãos no sítio da família, em Brotas, lugar onde fica o recém-inaugurado Parque Campana, um complexo que abraça ideais de sustentabilidade, arte e educação.

Humberto Campana: estante Faquir

Estante Faquir, de Humberto Campana. Foto: Fernando Laszlo

Artistas genuínos, como ele, não precisam se esconder atrás de subterfúgios. Podem se dar ao luxo de expor toda a simplicidade (nada simplória), autenticidade e sensibilidade sem perder força nem brilho. Há algo de divino na forma como Humberto pensa, fala, cria, age, se inspira e é.

Eu Escuto fala de dor, mas também de vida, esperança, luz e cura a partir de símbolos fortes: a terra batida, que remete às piscinas de argila feitas por ele no rio em Brotas; o bambu, também usado na infância para criar cabanas na árvore e arco e flecha; o ferro, a série de cadeiras Desconfortáveis, do fim dos anos 1980.

Humberto Campana: poltrona Raízes.

Poltrona Raízes, de Humberto Campana. Foto: Fernando Laszlo

“Eu quis manter essa conexão com o passado, com o Fernando”, diz. “Sou o que sou, me sofistiquei, mas não mudei, sei da onde eu vim.” Forte, inteiro, hoje Humberto fala abertamente da tristeza de perder o irmão e parceiro criativo. “Pensei até em largar tudo e me refugiar em um mosteiro budista na Índia em busca do silêncio, que é um estado sublime.”

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Por sorte, não foi adiante. Ficou por aqui, em casa com a sua pet Dora, se conectando com seus sonhos e desejos, se reconectando como artista. A perda o ajudou a amadurecer, a administrar melhor o turbilhão de ideias que o nutrem diariamente, a sair do caos criativo. “No início, eu queria ter a força da Lina Bo Bardi, Lygia Clark, Burle Marx e dos Mutantes. Hoje eu tenho”, reflete. “A morte do Fernando me conectou com sutilezas, intensificou a minha sensibilidade, também estou mais assertivo.”

Humberto Campana: anel Capacho.

Anel Capacho, de Humberto Campana. Foto: Fernando Laszlo

Humberto mantém as colaborações com as grandes marcas de luxo, como a Louis Vuitton, e com renomadas galerias de design mundo afora, mas deseja reavivar a ideia primordial de reaproveitar e ressignificar materiais e a linguagem genuinamente brasileira que os tornou conhecidos.

“Essa mostra resgata o início, o simples, o fazer manual, o sagrado”, explica. “Os totens são bocas que gritam de tristeza, de medo do futuro, e, ao mesmo tempo, são altares para oferendas a Deus, a espíritos benévolos, uma ode à esperança.”

Já os desenhos, impressos também nas tapeçarias, representam uma viagem do artista por um universo imaginário de estruturas celulares. Estimulado por Fernando, ele começou a desenhar freneticamente tempos atrás. Agora, resolveu mostrar a produção ao mundo. “Ando mais despudorado”, fala, sorrindo.

Campana, Eu Escuto – até 20 de dezembro de 2024, na Luciana Brito Galeria, na Avenida Nove de Julho, 5162, Jardim Europa, São Paulo. Às segundas, das 10h às 18h, terça a sexta, das 10h às 19h e aos sábados das 11h às 17h. Entrada gratuita.

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