Arquiteta Mariana Schmidt abre apartamento com peças de designers e artistas que admira

A arquiteta Mariana Schmidt, do escritório MNMA, revela um pouco de si em cada canto do seu lar, um apartamento de 250 m² situado na região central de São Paulo.


Arquiteta Mariana Schmidt abre apartamento com peças de designers e artistas que admira.
Living do apartamento paulistano da arquiteta Mariana Schmidt, do MNMA. Foto: Fran Parente



A luz que toma os ambientes do apartamento da arquiteta Mariana Schmidt conta uma história: o passar do tempo. Assim como todos os móveis e objetos que habitam aquele espaço. Para ela, a casa é um lugar para construir narrativas, relatar capítulos da trajetória de alguém, acolher as memórias de uma família.

Mariana está à frente do MNMA, um estúdio que vem colecionando prêmios nos últimos anos, como o Prix Versailles, em 2020, com o projeto para a loja de sapatos artesanais Selo, e o Paris Design Awards, em 2021, mérito da obra desenvolvida para o Dois Trópicos, um espaço multifuncional que reúne gastronomia, arte, botânica e aulas de ioga.

O norte do escritório é trabalhar uma arquitetura que deve servir à vida, às pessoas que habitam e usufruem do espaço projetado. “Acho brilhante quando o arquiteto se coloca a serviço da humanidade.”

Arquiteta Mariana Schmidt.

Arquiteta Mariana Schmidt e a mascote Bethânia posam ao lado de mesa Esferas, de Etel Carmona para a Etel e poltronas de Hans Wegner. Foto: Fran Parente

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Mariana eliminou uma série de paredes e reconfigurou toda a planta do apartamento de 250 m², localizado em um edifício da década de 1950, na região central de São Paulo, para o qual se mudou no início de 2020.

“Eu queria abrir espaço para encontrar um certo silêncio, o vazio. E precisava que esse novo lugar desse direção ao uso de algumas peças que fazem parte da minha história”, conta.

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Roscas de moinhos de engenho do século 19, de Minas Gerais, convivem com a cadeira original do Sesc Pompeia, desenhada por Lina Bo Bardi, neste canto do living. Foto: Fran Parente

Quando começou a desenhar, imaginou a sala de estar em frente às janelas com as melhores vistas, uma solução óbvia nos projetos em geral. Mas, diante de suas necessidades, fez sentido que o cenário mais privilegiado ficasse em seu quarto, no espaço em que também trabalha e passa a maior parte do tempo.

O quarto da filha foi alocado do outro lado, mais isolado, atendendo ao pedido de privacidade da adolescente. Uma saleta ensolarada entre os dois cômodos foi reservada para sua mascote, a cadela Bethânia, tornando-se um dos cantos preferidos também de Mariana. A arquitetura serve, assim, ao melhor desfrute do cotidiano.

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Na entrada para a suíte, obra de Celeida Tostes. Foto: Fran Parente

Em seu trabalho, a profissional prefere apostar em elementos naturais, por isso optou por um piso de concreto pigmentado organicamente. Paredes e tetos não receberam tinta, mas uma areia projetada com espátula, processo realizado manualmente por uma empresa especializada.

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Mesa mineira com encaixes de madeira, do século 19, apoia pedras garimpadas pelo mundo. Foto: Fran Parente

Apesar dos tons claros e de certa monocromia, o resultado está longe da assepsia encontrada em cubos brancos. “Eu gosto de encapsular o espaço com um tom, mas deixar um ruído, uma imperfeição. Isso ajuda a quebrar o meu silêncio.”

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Mesa de apoio Vidro, de Guilherme Wentz, e poltrona Commander, de Jorge Zalszupin. Foto: Fran Parente

Assumir essas “falhas” e abraçar as inevitáveis transformações e o envelhecimento dos materiais é quase um ato de resistência, um aspecto importante de sua assinatura. No Dois Trópicos (um espaço feito basicamente com terra), essa ideia é bastante clara, e Mariana se encanta ao ver a vida acontecendo ali, o espaço se transformando, as paredes sendo tomadas por musgo.

Arquiteta Mariana Schmidt abre apartamento com peças de designers e artistas que admira.

Foto: Fran Parente

“A gente busca a perfeição de forma absurda e isso é brutal na nossa construção de sociedade. Os clientes me perguntam: ‘Isso vai durar?’, ‘Isso vai estragar?’. E eu respondo que o tempo vai passar e aquelas coisas vão sofrer sua ação. Não precisamos lutar contra isso. Muito pelo contrário”, reflete.

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Arquiteta Mariana Schmidt abre apartamento com peças de designers e artistas que admira.

Poltrona caipira e sofá desenhado pelo MNMA Studio. Foto: Fran Parente

Para fazer companhia e ajudar a contar seu percurso até aqui, Mariana preencheu a casa com peças que a fazem voltar para algum momento histórico – do mundo ou de seu universo particular. “Tudo o que está aqui tem uma relação muito pessoal comigo”, afirma. Em seu quarto, uma obra de Nino Cais, um dos seus melhores amigos, convive com a cama desenhada por Donald Judd, um dos artistas que ela mais admira. Na sala, as poltronas de Jorge Zalszupin vieram depois que Mariana participou de uma expografia em homenagem ao legado do arquiteto e designer, na casa onde ele viveu por 50 anos – hoje transformada no espaço cultural Casa Zalszupin.

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No living, destaque para a obra da série Tempo breve em relação ao outro, de Brisa Noronha (na parede, à esq.). Sofá desenhado pelo escritório de Mariana, vaso ampulheta, de Willy Guhl, da Bossa Furniture, e cadeira da série Tipologia de uma segunda vida, de Rodrigo Silveira. Foto: Fran Parente

No mesmo ambiente, peças de um engenho de Minas Gerais (estado onde ela viveu parte da infância e adolescência), uma poltrona do contemporâneo Rodrigo Silveira, a obra da série Tempo breve em relação ao outro, de Brisa Noronha, que a própria artista instalou para a arquiteta, sua amiga pessoal, e o banco que Lina Bo Bardi desenhou para o Sesc Pompeia (o grande xodó de Mariana) figuram ao lado de itens que a moradora vai recolhendo em viagens, como pedras ancestrais vindas do México (carregadas em sua mala), e obras de Zé Bezerra, da Ilha do Ferro, em Alagoas. “Eu já trouxe coisas muito improváveis em avião e tenho uma fama péssima entre meus amigos. Todo mundo que viaja comigo já vai tenso”, confessa.

A pureza da materialidade, a apreciação do passar do tempo e a admiração pela cultura popular e pelo desenho nascido nas raízes brasileiras, com doses de um improviso altamente refinado, ditam o ritmo do enredo que, com sua morada, Mariana constrói para si mesma. Dentro de seu silêncio, ecoam as vozes de grandes designers e artistas deste e de outros tempos, que, como ela, colocam suas criações a serviço do ser humano.

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