Djamila Ribeiro no Roda Viva: “Trabalhamos para que as próximas gerações possam sonhar”

Colunista da ELLE Brasil, Djamila Ribeiro foi a convidada do programa "Roda Viva", da TV Cultura, na segunda-feira (9.11).


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Nesta segunda-feira, nossa colunista
Djamila Ribeiro foi a convidada do programa “Roda Vida”, da TV Cultura, e foi entrevistada por uma bancada composta por
Joice Berth, também colunista da ELLE Brasil, Ad Júnior, da Trace Brasil, Mafoane Odara, do Instituto Avon, Cris Bartis, do podcast Mamilos, e Fernanda Diamant, da revista Quatro Cinco Um.

A filósofa e escritora, também uma das quatro capas da nossa primeira edição impressa, abordou temas que passaram por racismo estrutural, a importância de se apoiar candidaturas de mulheres negras nas próximas eleições municipais, os ruídos das redes sociais e também a recente eleição de Joe Biden e
Kamala Harris, como presidente e vice-presidente dos EUA.

Djamila Ribeiro usa blazer azul marinho e blusa preta no programa Roda Viva
Djamila Ribeiro foi a convidada do “Roda Vida”, na segunda-feira (9.11).Reprodução

Djamila é autora best-seller no Brasil, com seus livros
Pequeno Manual Antirracista, Quem Tem Medo do Feminismo Negro? e Lugar de Fala, que fazem sucesso no país ao explicar temas complexos de forma acessível. “Se eu for escrever de um modo que só pessoas que estudaram filosofia política vão entender, eu estou escolhendo com que público eu quero falar”, disse ela no programa. Ao apresentar Djamila, a jornalista Vera Magalhães usou a descrição “longe de ser uma unanimidade”, frase reforçada pela própria Djamila ao longo de sua participação. “Ou as mulheres negras estão na base da pirâmide social ou somos a deusa, a milituda, que tem que saber tudo, tem que dar conta de tudo, e eu pergunto quando eu sou humana? Grada Kilomba diz ‘às vezes eu sei, às vezes eu não sei, tem vezes que eu quero, vezes que eu não quero, vezes que eu rio, vezes que eu choro, eu quero ter a liberdade humana de ser eu’, por isso eu não nego essa humanidade. Na minha apresentação, a Vera disse ‘longe de ser uma unanimidade’, e eu também nem quero ser uma unanimidade porque eu sou um ser humano, não estou em um concurso de popularidade, a pessoa pode gostar ou não de mim e está tudo bem”.

No começo de sua fala, a filósofa ainda prestou solidariedade à população do Amapá, que sofre há uma semana com a falta de energia elétrica, algo que foi pouco coberto pela mídia brasileira.

Confira abaixo alguns destaques da sua participação no programa:

Sobre sonhos para mulheres negras

“Eu não quero que a minha filha passe pelas coisas que eu tive que passar e, mesmo tendo uma família militante, eu tive que trabalhar como auxiliar de serviço geral, trabalhar vendendo pastel, mesmo tendo melhores qualificações do que as meninas brancas que trabalhavam na mesma empresa. A primeira oportunidade na minha vida, que respeitou a minha trajetória, quem me deu foram mulheres negras, que foi na Casa de Cultura da Mulher Negra de Santos. Porque, até então, mesmo eu falando inglês, mesmo eu tendo capacidade intelectual, era o lugar da limpeza que essas pessoas me davam. (…) Eu penso que, para as próximas gerações, o que a gente trabalha é para que elas possam sonhar, eu não quero que a minha filha tenha que, como minha mãe dizia e meu pai, ‘limpar casa pra branco’, e não porque isso seja vergonhoso, mas porque eu quero, de fato, que ela tenha oportunidades. E poder sonhar isso pra minha filha é algo que me contenta. (…) Eu venho de uma tradição, de uma dinastia, de lavadeiras, empregadas domésticas, que me ensinaram o valor do trabalho, mas que também me ensinaram que era importante eu cuidar de mim, que é algo que minha mãe não pode, minha avó não pode, mas é o que eu desejo pras mulheres negras, que elas possam ser humanas, amadas, mas sobretudo que elas entendam, como meu babalorixá diz, que a felicidade é uma obrigação ancestral, que apesar de tudo é importante que a gente sonhe, Candomblé trabalha mas ele também é festa, que a gente também se permita esses momentos, que a gente entenda que nós temos direito à felicidade. Entender que nós temos direito à felicidade é um movimento fundamentalmente anticolonial porque numa sociedade que nos odeia, a gente ser feliz, é praticamente uma afronta.

Sobre ser “identitário”

Debater raça, muitas vezes, é colocado como algo menor ou “identitário” quando são as pessoas negras fazendo esse debate. É muito interessante que a branquitude não pensa que branquitude também é uma identidade, que masculinidade também é uma identidade. ‘Identitários’ são sempre os outros. O que a gente está trazendo é um debate sobre a importância de coexistir dentro desse espaço e não ser mais definido por esse olhar do homem branco que nos marcou como o outro, nos marcou como objeto e nos quer fixar nesse lugar de objeto. Eu escuto muito isso nessa discussão de lugar de falar que os homens branco não podem mais falar, mas quando não puderam? Eles falaram historicamente. ‘Ah, lugar de fala é um interdito’, é ao contrário, lugar de fala é refutar o interdito que já está posto porque se não tivesse, eu teria estudado Angela Davis,
Lélia Gonzalez e Luiza Bairros na universidade. Ainda é um lugar que eles recorrem ao senso comum para manutenção do poder, eles não leem as nossas produções intelectuais, mas querem falar sobre elas.

As eleições dos EUA

“A organização de muitas mulheres negras para cadastrar eleitores negros é inegável no próprio mapa. O quanto pessoas negras votaram mais nessa chapa democrata. Não que a gente acredite que isso vai ser a grande solução, ficou todo um debate nas redes de dizer que isso não ia mudar a realidade, mas a gente percebe que tem um valor simbólico da Kamala ser uma mulher afro-americana, a primeira vice, mas também não é necessariamente um lugar para o Biden, mas sim contra o Trump (…) Era importante tirar o Trump, um presidente fascista, um presidente que defendia a supremacia branca. E não que há uma identidade nessa mobilização negra em relação à vitória dos democratas. Mostra como a organização desses movimentos foi fundamental na eleição dos EUA.”

A questão do dinheiro e publiposts de blogueiras negras

É importante que blogueiras negras façam publiposts e ganhem dinheiro já que as brancas fazem e ninguém fala nada. Quando as blogueiras brancas de milhões de seguidores fazem uma série de ‘publiposts’, isso não é assunto; quando uma blogueira negra faz, vira um assunto estrondoso. Como assim, por que ela está fazendo isso? A gente precisa perder o medo, como pessoas negras, de falar sobre dinheiro. Nós precisamos de dinheiro para pagar nossas contas, para viver, e a gente precisa sim fazer certos trabalhos para pagar as nossas contas. Por que isso é um problema? Isso passa a ser um problema quando eu, por exemplo, faço um publipost e a reação a isso são ataques absurdos que levam ameaças à minha família. Acho que o problema não é fazer o publipost, o problema é a reação das pessoas nesse lugar nosso de ganhar dinheiro, de autonomia, como se as coisas caíssem do céu, como se as coisas não tivessem dinheiro. (…) Nós temos quase quatro séculos de desigualdade econômica, quem nega isso está fazendo uma discussão totalmente esvaziada e desonesta. Eu, por exemplo, tenho projetos, preciso de dinheiro para publicar. O verdadeiro debate anticapitalista fica muito é debate que estamos fazendo da precarização, do avanço da lógica neoliberal, o desmonte do SUS, o corte de orçamento das universidade públicas, projetos que visam acabar com a CDHU, como em São Paulo, e não o ataque a indivíduos que estão vivendo, trabalhando e ganhando suas vidas.

Sobre candidatura de mulheres negras

“É importante nos mobilizarmos em torno de candidaturas de mulheres, sobretudo negras, que tenham compromisso com as nossas pautas históricas (…) A gente tende a pesar muito a mão quando são mulheres negras, ao passo que a gente encontra uma série de justificativas quando são homens brancos”.

Assista ao programa na íntegra


Roda Viva | Djamila Ribeiro | 09/11/2020

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