COP30 para ir além das manchetes

Terminada a COP30, em Belém, destacamos os principais assuntos e acontecimentos que podem ter impactos na moda e no planeta.


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Foto: Getty Images



Os últimos dias da COP30 em Belém, entre 10 e 22 de novembro, foram tensos. No sábado, os negociadores estavam visivelmente exaustos. Eles tinham varado a noite para chegar num consenso mínimo, e já estavam com um dia de atraso. 

Em dado momento da assembleia de aprovação, a Colômbia pediu a palavra. Tecnicamente, ela precisaria ser ouvida antes do rito continuar. Mas a presidência não viu a solicitação, seguiu em frente e bateu o martelo. Nosso vizinho sul-americano, então, anunciou uma objeção ao processo todo, quebrando o consenso do qual a COP depende. 

O embaixador André Corrêa do Lago, presidente da conferência deste ano, pediu um intervalo para consultas. Quando retornou, afirmou que, segundo o regulamento da ONU, não dava mesmo para voltar atrás. “Lamento profundamente não ter sido informado sobre o pedido”, disse o líder brasileiro. “Assim como muitos de vocês, não tenho dormido, e isso provavelmente não ajudou, assim como minha idade avançada.”

Para piorar o climão, a Federação Russa – um dos Estados petroleiros que empacou as discussões – ainda decidiu pegar o microfone para comentar que os países latinoamericanos insatisfeitos estavam agindo como “crianças que queriam todos os bombons”. A representante da Argentina sentiu-se “profundamente ofendida”. 

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O momento em que o time de André Corrêa do Lago, presidente da COP30, discute o que fazer após a objeção da Colômbia, na reta final das aprovações. Foto: Getty Images

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Nos dias seguintes, as manchetes deram destaque à falta de compromisso explícito pelo fim dos combustíveis fósseis no documento principal, chamado de Mutirão Global, e como isso quase levou os países a deixarem o Pará sem consenso. Foi tão contencioso que, na sexta-feira (21.11), um grupo de 37 nações denunciou a “ausência de coragem” e anunciou uma reunião complementar e exclusiva sobre o tema para quem quiser aparecer. Ela acontecerá na Colômbia, fim de abril. É a primeira vez que algo assim acontece.

O problema é resolver um impasse tão urgente em meio à crise do multilateralismo – lembrando que os EUA, o segundo maior emissor, nem vieram. Por isso, há debates sobre se o modelo da COP, baseado no consenso global, ainda faz sentido em um mundo fragmentado e já atrasadíssimo na contenção de emissões de gases de efeito estufa.

Levando isso em conta, a diplomacia brasileira tinha desenhado outro esquema para não depender apenas daquele grande documento final, conhecido como decisão de capa. A ideia era medir o sucesso da COP30 pelo anúncio de uma série de acordos importantes para abraçar vários aspectos climáticos. Não colou. Houve pressão política para que a decisão de capa voltasse à mesa, e deu no que deu: os estados petroleiros venceram a queda de braço e, em nome do consenso, nenhuma menção aos combustíveis fósseis entrou no texto. 

No meio disso tudo, selecionamos outros destaques da COP30.

Reconhecimento para afrodescendentes

Pela primeira vez, um texto final da Conferência das Partes reconheceu pessoas afrodescendentes de forma explícita. “Com esse passo, a COP30 reconhece, formalmente, que as populações afrodescendentes são as mais afetadas pelas mudanças climáticas”, declarou a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco.

É importante lembrar que nada nos documentos da COP é por acaso: pessoas afrodescendentes têm direitos diferentes de povos afrodescendentes. E o que entrou no texto foram os indivíduos. Daí vem a resposta da Coalizão Internacional de Territórios e Povos Afrodescendentes da América Latina e Caribe: “Reafirmamos nossa reivindicação específica: sermos reconhecidos como povos de ascendência africana com direitos coletivos, especialmente no que diz respeito a territórios, conhecimentos tradicionais e práticas ancestrais que contribuem para a sustentabilidade do planeta”, comunicaram.

Reconhecimento para direitos territoriais indígenas

Segundo o governo nacional, cerca de 3.000 indígenas estiveram envolvidos em eventos da COP30, em Belém, e 400 foram credenciados para negociações. A presença recorde certamente refletiu em documentos oficiais, incluindo o texto principal: houve um reconhecimento inédito de “direitos territoriais e conhecimentos tradicionais” indígenas. 

“Reconhecer não significa proteger, e esse reconhecimento continua sendo insuficiente”, declarou a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB). “A proteção efetiva dos territórios – especialmente daqueles com presença de Povos Indígenas em Isolamento e Recente Contato (PIIRC) – deve ser uma obrigação e uma política climática. Também enfatizamos que os direitos dos Povos Indígenas são específicos e que qualquer tentativa de desconsiderar suas características e nossas necessidades diferenciadas deve ser evitada”, continua a organização.

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A liderança indígena Alessandra Munduruku protestando em frente à entrada da Zona Azul, na COP30. Foto: Getty Images

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Ciência como guia

Parece básico, mas em tempos de desinformação, não é. “O texto final reconhece a ciência como a base para todas as negociações. O apoio claro ao IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) é muito importante”, disse Christiana Figueres, a diplomata e economista costa-riquenha que conduziu a conquista do Acordo de Paris, em 2015. 

Vale destacar que a COP30 contou com o primeiro pavilhão científico em uma conferência do clima da ONU, o Planetary Science Pavilion, com grandes climatologistas do mundo envolvidos diariamente com o público e os negociadores. O grupo também se comprometeu a produzir relatórios sobre a eliminação dos combustíveis fósseis para os próximos anos, apontando como o desenvolvimento econômico poderá se descarbonizar total e rapidamente.

Global Impact Accelerator 

Os países participantes concordaram em lançar o Acelerador Global de Implementação. É um nome propositalmente genérico e que funciona como um pacote de ideias para reduzir as emissões globais. Entre suas prioridades estão: alinhar os planos climáticos nacionais à meta de limitar o aquecimento global a 1,5ºC; incentivar ações com potencial para escala e velocidade (por exemplo: redução de emissões de metano); e intervenções impactantes nos ramos de transição energética e reforma financeira. 

Dois roadmaps vêm aí

Visto que os agora famosos mapas do caminho não entraram nos documentos finais porque não houve consenso, André Corrêa do Lago deu um jeito: comprometeu-se a redigi-los e entregá-los de forma complementar para informar as decisões da COP31, na Turquia. Um mapa será sobre deter e reverter o desmatamento e o outro, sobre o fim do uso de combustíveis fósseis.

Em entrevista pós-COP ao jornal Financial Times, o presidente da COP 30 foi franco: “As pessoas acham que é mais importante estar certo do que realmente combater a mudança do clima”. Sobre os roadmaps, ele disse que seu time tinha trabalhado duro para “identificar o que é melhor ser feito dentro do regime (de negociações oficiais) e o que é melhor ser feito fora do regime. Se você sabe que algo é inviável, a melhor solução é trabalhar fora da convenção”, afirmou. 

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Momento da Marcha Global Pelo Clima: um funeral simbólico para combustíveis fósseis. Foto: Getty Images

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Belém Action Mechanism (BAM)

Um dos resultados mais significativos foi o acordo para criar um mecanismo de transição justa, que ficou mais conhecido como Belém Action Mechanism (BAM). Essa nova plataforma vai ajudar os países a conduzir a mudança de economias baseadas em combustíveis fósseis de maneira a apoiar os trabalhadores, proteger as comunidades e ampliar os benefícios econômicos da energia limpa.

Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF)

Fundo Florestas Tropicais para Sempre anunciado pelo governo brasileiro captou, até agora, 6,5 bilhões de dólares para proteção florestal e conservação liderada por comunidades locais.

O objetivo do programa é recompensar países em desenvolvimento que garantam a conservação das florestas tropicais em seus territórios, protegendo-as de desmatamento e degradação. No total, mais de 70 nações poderão ser contempladas. A ideia é incluir florestas variadas – da Mata Atlântica à Amazônia, passando pelo Congo e por Bornéo – e exigir comprovação anual, através de imagens de satélite.

Cada país terá autonomia para gerir seus recursos, mas precisa ter um sistema de gestão financeira transparente e separar pelo menos 20% dos recursos para povos indígenas e comunidades tradicionais. “Os povos indígenas são os maiores guardiões da floresta e da biodiversidade. E a gente sempre fez isso sem recurso nenhum”, disse a ministra dos Povos Indígenas do Brasil, Sonia Guajajara. “Esse recurso vai garantir a autonomia dos povos indígenas, essa estrutura que se precisa para a implementação dos seus projetos, suas iniciativas, diretamente nos territórios.”

Ideias como o TFFF, que visam garantir a autodeterminação, serão fundamentais para uma transição justa rumo à bioeconomia. Povos tradicionais podem e devem ser grandes atores nesse caminho, inclusive na moda: de biomateriais a biojoias, seus conhecimentos ancestrais e naturais têm o potencial de alavancar um setor mais sustentável, responsável e criativo, conforme ELLE explicou.

Protesto indígena na Zona Azul

Desde a tentativa de invasão da Zona Azul por manifestantes indígenas em 12.11, a equipe de segurança da ONU não quis saber de confusão. Os protestos lá dentro ficavam parados em algum lugar do corredor principal e duravam pouco. Então eles ficaram atônitos quando um protesto-surpresa surgiu da Plenária Final dos Povos, que reuniu representantes de movimentos populares do mundo todo na sexta-feira (21.11).

Foi assim: um grupo de indígenas de vários países – entre eles a liderança Txai Suruí – havia subido ao palco para encerrar a plenária com música. Eles desceram ainda entoando cânticos, sob aplausos. Não pararam: continuaram até a porta e saíram para a área principal. Até os organizadores ficaram surpresos. “Onde estamos indo?”, um deles perguntou. “Não faço ideia”, disse o outro.

O grupo fez discurso improvisado pelo caminho, como uma homenagem a Vicente Fernandes Vilhalva Kaiowá, jovem Guarani Kaiowá assassinado em 16.11, em uma área de conflito no Mato Grosso do Sul. Depois que flashes e câmeras foram embora, eles continuaram caminhando e cantando. Passaram pelas catracas ignorando os crachás. Passaram pelos soldados do Exército, que faziam a segurança do perímetro, dizendo que não representavam ameaça a ninguém. Pararam só ao pisar no asfalto, às 18h em ponto. Para eles, a COP30 terminou ali.

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Protesto pacífico na Zona Azul pegou seguranças de surpresa. Foto: Getty Images

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