O que há por trás da estética da garota estranha?

A curadoria kitsch e inventiva, que está por toda a internet, não é novidade. Aqui, rastreamos a sua origem e repensamos os limites do estilo pessoal.


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Collina Strada, inverno 2022. Foto: Divulgação



Há poucos meses, a usuária do Twitter @kaiageber (que não é a modelo Kaia Gerber) viralizou ao compartilhar fotos de garotas que escolhem vestir composições peculiares, cores infantis e acessórios considerados por aí como duvidosos. “É antimoda? As pessoas estão se esforçando demais para parecerem feias? Só funciona em Bella Hadid?”, perguntava ela. Em questão de minutos, a discórdia já estava instalada, o debate, formado, e teorias mil, proliferadas pela rede.

As indagações – e provocações – não são exatamente novas, mas têm alguma relevância. Não é de hoje que movimentos culturais e a própria moda apresentam imagens que fogem do que é tido como convencionalmente belo ou elegante. A título de exemplo, vale citar aqui o desfile de verão 1993 da Perry Ellis, o segundo e último assinado por Marc Jacobs. Pensada como uma homenagem ao movimento grunge, que começava a extrapolar os limites da cidade de Seattle, onde surgiu, a coleção era composta de camisas de flanela, calças de pijama, chiffons esvoaçantes e estampas de cartoon.

A imprensa, ainda fechada nos conceitos elitistas da moda de então, reagiu negativamente, com críticas duras. “O desleixo nunca pareceu tão autoconsciente ou custou tão caro”, escreveu a jornalista Cathy Horyn, no jornal Washington Post. O mercado também não aceitou bem e quase ninguém comprou – literalmente – a ideia. Em resumo, a apresentação foi um fiasco, as roupas não venderam e Marc foi demitido antes do fim de seu contrato.

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Perry Ellis, verão 1993.Foto: Getty Images

Corta para 2022 e é incontestável o desdém e questionamento de uma geração mais jovem em relação ao dito bom-gosto e às etiquetas do vestir. O movimento já até ganhou nome (ou apelido) segundo usuários do Tiktok: é o look da garota estranha. Embora o nome soe vago e impreciso, trata-se de algo com caráter ilimitado, na contramão da hiper categorização da própria plataforma.

Você não precisa se adequar ao cottagecore, fetishcore ou clowncore quando pode testar todos ao mesmo tempo. O visual é pautado em vestir o que quiser, sem renúncias. Suas dez personalidades surgem condensadas em uma de uma forma divertidamente desequilibrada.

Liberdade e permissividade estão no centro dessa ideia. E é provável que seja justamente isso que assuste muita gente. Há um certo esnobismo coletivo que limita que qualquer imagem dissonante de padrões mais contidos e harmônicos seja levada a sério. A garota estranha, porém, sabe que o visual barulhento, às vezes até confuso, em nada apaga o seu brilhantismo. Pelo contrário, realça a sua audácia e destreza.

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Bella Hadid e Marc Kalman, em março, em Paris.Foto: Getty Images

Não que ela seja a epítome dessa tal estranheza, mas Bella Hadid pode ser um bom exemplo sobre o que estamos falando. Foi lá pelos anos 2010, não por acaso na mesma época em que o Instagram começou a ganhar popularidade, que muita celebridade passou a contar com a ajuda de um stylist em tempo integral, seja para orquestrar o visual de uma ida à academia, seja para um jantar casual com amigos. Bella era uma delas.

Acontece que, o que para muita gente pode parecer um luxo ou reflexo de uma vida glamourosa, nem sempre é tão bom assim. Hoje, a modelo e influenciadora fala abertamente sobre como essa dinâmica colaborou para a sua ansiedade. “Estava em um lugar tão estranho mentalmente que sair de casa com uma roupa montada, com a pressão dos paparazzis, passou a ser complicado”, revelou em entrevista ao Wall Street Journal, em janeiro. Foi aí que percebeu que precisava dispensar seu stylist e passar a montar ela mesma os próprios looks.

A decisão já tem quase três anos e coincide com o momento em que o estilo de Bella floresceu. Dos vestidos glamourosos recém-saídos da passarela, a modelo passou a usar peças vintage, caçadas por ela no Depop, em combinações mais arriscadas e menos calculadas. “Agora, quando saio de casa de manhã, eu penso: ‘essa roupa me deixa feliz? Estou me sentindo bem e confortável?’”, conta.

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Fruits Magazine, 2000.Foto: Divulgação

É justamente esse o ethos por trás do look da garota estranha. No entanto, Bella está longe de ser a pioneira do movimento. A estética já apareceu em diferentes momentos da história, como já falamos, mas agora encontra eco especial no estilo das meninas que frequentavam o distrito de Harajuku, em Tóquio, algumas décadas atrás. No fim dos anos 1990 e início dos 2000, o local se tornou uma espécie de epicentro de moda, estilo e compras, onde jovens se reuniam com visuais experimentais. Aquela cena foi eternizada nas páginas da Fruits Magazine e, graças à publicação, quebrou as fronteiras, se firmando na cultura pop global.

Em 2004, Gwen Stefani nomeou a sua primeira turnê solo de Harajuku Lovers, enquanto, alguns anos depois, o famigerado alter ego de Nicki Minaj, Harajuku Barbie, iria canalizar a imaginação inventiva da cantora. Agora, surge renascido no TikTok.

Como uma rejeição às regras do bom-gosto social, a moda Harajuku misturava um amplo conjunto de subculturas enraizadas na autoexpressão. Havia espaço para rebeldia, criatividade e extravagância. A mensagem que a juventude enviava ao mundo era de que não dava a mínima para tendências passageiras ou para a imagem mainstream. Ela poderia e se vestiria como bem entendesse, ignorando a pressão de se adequar à norma.

A estética nunca foi feia, nem antimoda. Caso ainda não esteja convencido, lembre-se que, duas décadas depois, em um artigo publicado no The Cut, Cathy Horyn se retratou com Marc Jacobs: “Porque não demos espaço para um visual que era legitimamente uma expressão de novos valores?”. Assim como o designer, a garota estranha percebeu que regras arbitrárias nunca nem mesmo deveriam ter tido lugar – e não há nada de estranho nisso.

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