Marc Jacobs faz desfile em homenagem à Vivienne Westwood

Dando o pontapé inicial na New York Fashion Week, o designer abriu mais uma vez suas referências e apresentou uma coleção de verão 2023 emocionante e inspiradora para sua marca homônima.


Modelo no desfile de inverno 2023 de Marc Jacobs, na New York Fashion Week
Foto: Getty Images



No longínquo pré-pandemia, Marc Jacobs era quem fechava a New York Fashion Week. Agora, ele não só abriu a temporada estadunidense de inverno 2023 (com seu verão 2023, pronto para venda) como o fez com uma semana e um dia de antecedência. E pontualmente. A Lourdes Leon, coitada, chegou atrasada e deu com a cara na porta. E pensar que seus desfiles já contabilizaram duas horas de atraso.

A apresentação também voltou à locação tradicionalmente ocupada pela marca, o Park Avenue Armory, um galpãozão amplo e cavernoso. Lá dentro, dizem alguns dos 100 convidados, não tinha praticamente nada, cenografia nenhuma. Era escuridão e uma fileira de cadeiras iluminadas contra uma parede.

Modelos no desfile de inverno 2023 de Marc Jacobs, na New York Fashion Week

Desfile de verão 2023 de Marc Jacobs, na New York Fashion Week Foto: Getty Images

Foi naquele espaço que o estilista mostrou uma de suas coleções mais memoráveis, a de verão 2020. Foi aquela com uma coreografia caótica criada por Karole Armitage, meio que um último suspiro antes da suspensão do mundo devido à Covid-19. Quanta coisa mudou desde então.

Vamos começar pela trilha sonora…

… porque do cenário já falamos acima. No lugar da versão animada de “Dream a little dream of me”, do The Mamas And The Papas, entrou uma interpretação da violonista Jennifer Koh sobre “Einstein on the beach”, de Philip Glass. Em vez das modelos correndo, dançando ou se movendo em improviso, o caminhar era individual, determinado. Algumas vinham com os braços cruzados, meio audaciosas, seguramente irreverentes. E tinha ainda os cabelos curtinhos, espetados, descoloridos, grisalhos ou vermelho intenso.

Se te lembrou Vivienne Westwood, deu certo

No release, Marc dedica sua coleção de verão 2023 “aos nossos heróis do passado e aos atuais heróis do presente”. Logo abaixo, há uma citação da estilista britânica, falecida em dezembro de 2022: “A moda melhora a vida, e acho uma coisa adorável e generosa de fazer para outras pessoas”.

release da coleção de inverno 2023 de Marc Jacobs

Foto: Reprodução

Da madrinha do punk, vem uma série de referências bem literais e maravilhosamente interpretadas. A mais óbvia é a bota com plataforma altíssima, uma versão atualizada daquele que derrubou Naomi Campbell na passarela, na temporada de inverno 1993. Um pouco mais sutis são os decotes de ombro a ombro, quase sempre com efeito amassado no tecido, dando a entender que aquela peça tá quase para cair do corpo após algumas horas de muito bom uso.

Modelos no camarim do desfile de inverno 2023 de Marc Jacobs, na New York Fashion Week

Modelos no camarim do desfile de verão 2023 de Marc Jacobs, na New York Fashion Week Foto: Getty Images

Essa mesma silhueta remete às releituras da estilista sobre as roupas usadas pela realeza, numa desconstrução constante e decadência “que vem de berço”, como escreveu a editora especial Vivian Whiteman. Tem ainda o patchwork e os tricôs cortados e torcidos para ressaltar os seios, bem como fez Vivienne Westwood, no começo dos anos 1980, na coleção de piratas.

O styling segue o mood referencial, com camisas transformadas em saias, com as mangas amarradas atrás da cintura, jaquetas vestidas de ponta cabeça, com as barras servindo de moldura para os rostos das modelos, e as camadas e mais camadas de peças volumosas, tipos os casacos utilitários cobertos de cristais Swarovski, enrolados no corpo (uma imagem que já tá quase virando marca registrada dessa nova fase do designer).

Refs mil

Marc Jacobs, é importante dizer, foi um dos primeiros estilistas de uma geração a não esconder suas referências. Pelo contrário, sempre deixou bem claro quem são seus ídolos e constantes fontes de inspiração: Rei Kawakubo, Miuccia Prada, Yves Saint Laurent e Vivienne Westwood (o post em homenagem a ela no seu Instagram é emocionante). Várias bocas miúdas viam aí um demérito. Coisa do passado, resistência ao futuro. Com talento incontestável, o designer provou por A mais B que identidade não se constrói no vácuo.

Voltando… Quanta coisa mudou

Não só na apresentação, mas nas roupas e na maneira como são desejadas. Quem acompanha as temporadas de moda vai lembrar que Marc vinha numa toada vintage. Após os meses de reclusão, ele voltou ainda mais sintonizado com o tal zeitgeist. Começou com um bololô muito chique de peças esportivas e de streetwear supervolumosas, porém com cortes e silhuetas semelhantes aos da alta-costura clássica.

A sofisticação e desapego a roupa com cara de ficar em casa foi aumentando a cada nova apresentação. É um equilíbrio mirabolante entre peças que lembram partes do cotidiano e silhuetas couture, com detalhes e acabamentos primorosos.

Não seria exagero dizer que Marc foi um dos estilistas que mais levou a sério a conversinha pró-introspecção e reavaliação de tudo. Coisa de quem é sensível de verdade e se incomoda com a frieza calculista dominante no mercado. Nesse período, sua marca passou por uma grande reestruturação. Foi aí que surgiu a bem-sucedida Heaven by Marc Jacobs. Com um fluxo de dinheiro consistente e crescente da nova empreitada, foi possível dar cara nova à linha principal. Com ponto de venda exclusivo na Bergdorf Goodman, em Nova York, abria-se ali um espaço para criações mais ousadas e confecções superelaboradas.

E tem dado certo. Na última apresentação de resultados do grupo LVMH, do qual a Marc Jacobs faz parte, mesmo sem revelar número, a performance da etiqueta foi considerada excepcional. Ainda bem. Por mais que nem todo mundo possa comprar, enche os olhos e contribui muito para a imaginação ter inspirações e respiros criativos como esses. A carreira do próprio estilista serve de prova.

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