Os supostos crimes de Lizzo não te eximem do seu racismo e da sua gordofobia

As acusações contra a cantora fizeram sair do armário todos os racistas e gordofóbicos que "tiveram que engolir" o sucesso da estadunidense. Agora, eles tentam justificar suas atitudes criminosas com os crimes supostamente cometidos por ela.


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Assédio sexual, racial e religioso, agressão, cárcere privado e discriminação por deficiência. Essas são as acusações que fazem as dançarinas Arianna Davis, Crystal Williams e Noelle Rodriguez contra a cantora estadunidense Lizzo, sua ex-chefe. Você, provavelmente, já sabe tudo sobre o caso. Isso porque a cobertura midiática e o frenesi nas redes sociais a respeito do assunto não foram poucos.

Claro, em grande medida, porque é, sim, chocante que alguém que fale tanto sobre autoamor, autoaceitação, autoestima e que se declare tão publicamente contrária esse tipo de comportamento seja capaz de tamanha contradição. A cantora ainda não foi oficialmente condenada pelas instâncias jurídicas dos Estados Unidos, no entanto, o olhar público está pronto para apertar o botão do cancelamento para ela.

A situação fica ainda mais complicada porque mesmo outras pessoas que já trabalharam com ela decidiram vir a público para corroborar com o discurso das vítimas. Como Lizzo só publicou seu pronunciamento hoje, a sensação generalizada era a de que ela tinha se intimidado, não sabia como responder, e que, portanto, tudo o que estava sendo dito sobre ela era verdade.

Eu não duvido das vítimas e acho fundamental que denúncias como essas venham a público. Contudo, é bastante surpreendente a maneira como a queda de Lizzo parecia ser esperada, quase desejada, por parte do grande público. Digo isso porque a gente sabe que a figura de Lizzo é absolutamente incomum, rara até, no contexto glamurizado em que ela se insere. Uma mulher gorda, preta, que se ama, que não esconde esse amor, que convida o mundo a fazer o mesmo, a mudar a sua relação com a imagem refletida no espelho… Tão raro, tão incomum, “que só pode ser mentira”?

Tem uma parte dessa desconfiança que, de fato, é muito importante. Como bem colocou a escritora e pensadora Joice Berth em uma publicação que fez em seu perfil no Instagram, o discurso do autoamor – que, a princípio, deveria ser uma ferramenta emancipatória – foi cooptado pelo capitalismo. De modo que fica muito difícil entender quando isso está sendo usado para realmente confrontar padrões hegemônicos ou para autopromoção de cunho egóico, ou simplesmente para vender algum produto por trás daquele debate que se aproveita das vulnerabilidades das pessoas para convencê-las de uma saída fácil, de um milagre ao alcance do seu cartão de crédito.

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No entanto, no caso da Lizzo, é muito curioso perceber que tanta gente que se diz aliada das causas antigordofobia e antirracismo sejam tão rápidas em não apenas condená-la de imediato, mas também em a usarem para destilar a gordofobia e o racismo que estava escondido ali dentro e, nesse contexto, encontra uma desculpa para se mostrar. Para além das piadas que já pipocam pelo Twitter (agora “X”) que riem da suposta ironia na história da gorda-gordofóbica, há também algo de estranho na velocidade e na proporção tomada por esse caso. Quantos homens brancos e magros não foram acusados da mesmas coisas e estão exatamente no mesmo lugar onde estavam antes das acusações?

Esse texto, de forma alguma, pretende inocentar ou sair em defesa de Lizzo. Ela mesma (finalmente) já o fez. Essa, na verdade, é uma tentativa de enxergar as vicissitudes da repercussão do caso. O que me parece, é que quem “teve que engolir” o sucesso da Lizzo “apesar” de ela ser preta e gorda, agora tem uma desculpa para o seu racismo e para a sua gordofobia. Agora podem atacá-la por isso com a desculpa de que ela “merece” por ser uma criminosa, uma abusadora, uma preconceituosa. O vídeo da cantora brasileira Mel fala muito bem sobre isso. Indico fortemente que assistam.

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No mais, essa história entristece a todo mundo que ama a Lizzo de verdade. A todo mundo que ouviu as músicas e encontrou nelas um respiro libertador. A todo mundo que viu na sua imagem uma chance de se imaginar em posições similares. A todo mundo que se convenceu de sua própria beleza através do sucesso de Lizzo. Se as acusações são verdadeiras ou se não são, já sabemos que os crivos sociais que julgarão Lizzo são diferentes, são mais duros, tem menos compaixão. Talvez ela fique à deriva, talvez ela dê a volta por cima. Fato é que nada nessa história é motivo para risada.

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