5 fatos sobre “Transa”, disco marco de Caetano Veloso
Compositor faz shows no Rio e em São Paulo com repertório do álbum gravado no exílio e lançado em 1972.
Caetano Veloso fará três raras apresentações centradas no repertório do mitológico álbum Transa, nos próximos dias 11 e 12 de novembro, no Rio de Janeiro, e 25 e 27, em São Paulo. A minitemporada estenderá o resgate de Transa, iniciado em agosto passado, quando uma única apresentação na Marina da Glória, no Rio, dentro do festival Doce Maravilha, foi marcada por forte chuva e grande atraso da entrada do cantor no palco.
Gravado nos Chapell’s Recording Studios, em Londres, em 1971, o disco foi lançado originalmente há quase 52 anos, em janeiro de 1972, no mesmo momento em que o artista voltava do exílio para o Brasil. Na Inglaterra, o artista já havia gravado e lançado o também bilíngue Caetano Veloso (1971).
Uma das provas da longevidade de Transa é a chamada fase Cê (2006-2012), na qual Caetano conquistou um público de gerações bem mais jovens ao recuperar uma sonoridade de banda de rock, em parte enraizada no experimentalismo do disco de 1972.
Provavelmente o disco mais influente da história do cantor e compositor baiano de 81 anos, Transa tem atravessado as décadas intacto e é histórico por vários motivos, dos quais ELLE destaca cinco a seguir.
O REGGAE
Ao lado de Gilberto Gil, Caetano estava exilado em Londres desde 1969, em consequência do endurecimento da ditadura militar brasileira pela decretação do Ato Institucional Nº 5 (AI-5), de 13 de dezembro de 1968. Em 1970, o compositor foi morar no bairro de Notting Hill e se ligou na comunidade jamaicana local. Naquela época, Bob Marley ainda não havia ganhado dimensão mundial, e Caetano se tornava portanto um dos pioneiros em perceber a força e a potência do reggae, que ganharia tração internacional sobretudo após o álbum Catch a fire (1973), de Marley. O baiano eternizou o momento fundador na segunda faixa de Transa, “Nine out of ten”: “Walk down Portobello Road to the sound of reggae/ I’m alive”. As novidades culturais da virada do início dos anos 1970 tornaram mais complexos a música e o estilo de Caetano. Aos figurinos hippie-tropicalistas usados no Brasil, incorporavam-se agora referências à “swinging London”, rumo à androginia que David Bowie faria explodir na fase Ziggy Stardust (1972).
BEATLES E AFRO-SAMBA
A fusão conflituosa entre o vigor da cultura londrina e as saudades do Brasil forjou a dualidade fundamental do bilíngue Transa. O disco é cantado mais em inglês que em português e forrado de referências pop contemporâneas, como nos versos “Woke up this morning/ singing an old Beatle song”, da faixa “It’s a long way”, quando os Beatles já haviam anunciado sua dissolução (em 1970). A música é exemplar do trans-samba britânico inventado no exílio por Caetano, somando às referências pop dos Beatles trechos em português de sambas de roda da Bahia e do afro-samba “Consolação” (1963), composto pelos bossa-novistas Baden Powell e Vinicius de Moraes.
O TRANS-SAMBA
Duas faixas entortam a equação inglês-português de “It’s a long way” e “You don’t know me”, agora trazendo a primeiro plano o português e as tradições brasileiras, em especial nordestinas e cariocas. Desdobrada em dez doloridos minutos, “Triste Bahia” é fundada em versos de Gregório de Matos, poeta barroco baiano do século 17. “Mora na filosofia”, do sambista carioca Monsueto Menezes, celebrizada em 1955 pela festiva e carnavalesca Marlene, recebe versão trans-samba que a transforma em tristíssimo blues. No álbum anterior, também bilíngue e gravado no exílio, o cantor já interpretava uma versão desconsolada do clássico migratório “Asa Branca” (1947), de Luiz Gonzaga, e homenageava a irmã cantora em inglês, em “Maria Bethânia”.
O álbum de 1971, também gravado no exílio
GAL COSTA, ANGELA RO RO E JARDS MACALÉ
Transa se dá ao luxo de ostentar a sempre parceira Gal Costa como backing vocal, nas faixas “You don’t know me” (na qual ela interpõe versos de “Saudosismo”, composição de 1967 de Caetano e um dos marcos iniciais da carreira de ambos), “Neolithic Man” e “Nostalgia (That’s what rock’n’roll is all about)”. Nessa última, que encerra o LP, figura, tocando gaita, a jovem Angela Ro Ro, sete anos antes de se firmar nacionalmente como cantora e compositora áspera e rebelde. Angela não aparece na ficha técnica porque a versão original de Transa não tem uma – o que provocou um estremecimento de décadas entre Caetano e Jards Macalé, tropicalista de primeira hora, que atua como guitarrista, violonista e diretor musical do álbum. Concisa, a banda original se completa com os baianos Moacyr Albuquerque (baixo), Tutty Moreno (bateria) e o carioca Áureo de Souza (percussão). Reconciliados, Caetano e Macalé estiveram juntos no show de agosto, assim como Tutty e Áureo (Moacyr morreu em 2000).
Gal Costa, em 1969 Manchete/Pictorial Parade/Getty Images
O DISCOBJETO
Transa apresenta uma das capas mais originais da história dos LPs brasileiros, idealizada pelo pintor e artista gráfico niteroiense Aldo Luiz e pelo figurinista, cenógrafo e cineasta baiano Álvaro Guimarães. Descrito como “discobjeto”, Transa era vendido na época como uma capa montável e se transformava num objeto de formato triangular. A pós-tropicália de Caetano se aproximava, assim, da arte concreta e do neoconcretismo, que influenciavam o músico através de figuras das artes visuais (Lygia Clark, Hélio Oiticica, Lygia Pape, Amílcar de Castro) e da poesia (os irmãos Augusto e Haroldo de Campos).
Shows Transa: 11/11 e 12/11 (ingressos esgotados neste dia) no Rio de Janeiro, no Arena Jockey; 25/11 (ingressos esgotados neste dia) e 27/11, em São Paulo, no Espaço Unimed. Mais informações aqui.
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