Larissa Luz, Luedji Luna e Xênia França retomam o trio Ayabass
O grupo, apelidado de Nordestiny's Child, se apresenta este ano nas edições do festival Doce Maravilha, enquanto tem música na trilha sonora da novela "Renascer".
Ayabass, trio formado por Larissa Luz, Luedji Luna e Xênia França, acaba de retornar aos palcos. Em hiato desde 2020, o grupo fez show em Salvador no último sábado (24/2) e se apresentará no festival Doce Maravilha, em 25 e 26 de maio no Rio de Janeiro, assim como em Brasília, Curitiba e São Paulo, onde o evento desembarca neste ano. Na estreia do festival, no Rio, em agosto passado, Luedji dividiu o show com a ministra da cultura Margareth Menezes – com curadoria do jornalista Nelson Motta, o line-up propõe encontros entre artistas.
“Quando a Ayabass nasceu, a nossa ideia era tocar durante o verão e focar na Bahia. Hoje, com tudo que aconteceu nas nossas carreiras, faz sentido nos apresentarmos em outros estados e participarmos de um festival como o Doce Maravilha que, por sua natureza, promove encontros”, explica Luedji, 36 anos.
Foto: Lucas Cordeiro
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Formado em 2018, o grupo surgiu a partir da ideia de Larissa de homenagear as mulheres negras e invisibilizadas da música baiana, como Alobêned, Márcia Short, Virgínia Rodrigues, além de Margareth. O próprio nome carrega essa proposta, já que as yabás são as orixás femininas. “Criei o projeto pensando em me unir a duas cantoras pretas e baianas, mas não tinha pensado nas pessoas (que participariam comigo). O universo deu o jeitinho de colocá-las no meu caminho. Não sei se é uma coincidência, mas calhou com a vontade delas de fazermos algo juntas”, lembra Larissa, 36 anos.
Com menos de dois anos de trajetória, o trio sabia que daria um tempo antes mesmo da pandemia estourar. A última vez em que as cantoras se apresentaram antes do distanciamento social foi em cima do trio elétrico Respeita as minas, no Carnaval de Salvador, em 2020.
Além da dificuldade de conciliar as agendas, elas se encontraram em um paradoxo do mercado. “A gente tinha medo de cair na armadilha que nós mesmas criamos. Estávamos homenageando cantoras invisibilizadas, porém fizemos um projeto que poderia nos invisibilizar”, conta Xênia, 35 anos. Ela recorda que havia um incômodo compartilhado na forma como a indústria absorveu o grupo: “Algo claro no nosso primeiro encontro foi a falta de cuidado do mercado em não nos ver individualmente, de apenas nos enxergar como um bloco de cantoras negras”. Ao mesmo tempo em que buscavam celebrar a história de artistas que marcaram a década de 1990, elas viam as oportunidades se tornarem escassas. Naquele momento, sabiam que precisavam focar em suas carreiras individuais.
“Seguimos a lógica do repertório festivo, de modo que apresentamos algo diferente do que fazemos no show solo”, Luedji Luna
Em 2020, Luedji lançou seu segundo trabalho, Bom mesmo é estar debaixo d’água, que foi indicado ao Grammy Latino na categoria melhor álbum de música popular brasileira e entrou na lista de melhores discos da APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte) daquele ano. Já Xênia, com seu segundo disco Em nome da estrela, levou o prêmio de melhor álbum pop contemporâneo em língua portuguesa no Grammy Latino 2023. O álbum também foi selecionada pela APCA. Com três discos na bagagem, Larissa foi apresentadora do programa Saia justa (GNT), entre 2022 e 2023, além de rodar o país com o espetáculo Elza tributo, em que interpreta canções de Elza Soares acompanhada do cantor carioca Caio Prado.
“Estamos mais valorizadas agora. Lembro de negociações irrisórias na época, de tentarem contratar as três artistas pelo cachê de uma”, conta Luedji. Algumas conquistas foram importantes para essa mudança ocorrer.
Ao longo dos cinco anos, os convites aumentaram, assim como os números nas redes sociais e plataformas de streaming de cada cantora. A segurança pessoal possibilitou o reencontro do trio. No final do ano passado, Luedji recebeu o convite do Doce Maravilha e retomou as conversas sobre o futuro da banda: “Precisava consolidar meu nome. Além da demanda de tempo, ocorria uma disputa de narrativa entre a carreira solo e o trio. Agora estou com o coração aberto porque muita coisa aconteceu”.
Foto: Lucas Cordeiro
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Em janeiro, Luedji e Xênia lançaram uma versão de “Lua soberana”, composição de Ivan Lins, para a trilha sonora da novela das 21h, Renascer. “Por mais que a música seja incrível, não cabe no repertório do meu disco, mas faz sentido no show conjunto. Mesmo Larissa não tendo gravado com a gente, escuto as pessoas falando que é uma música da Ayabass”, divide Xênia.
O projeto ganhou o apelido de Nordestiny’s Child, nome emprestado do Destiny’s Child, grupo formado por Beyoncé, Michelle Williams e Kelly Rowland no fim dos anos 90 e início dos 2000. “Por ser um trabalho paralelo, que precisa contemplar a estética de três cantoras, faz sentido nos distanciarmos dos nossos trabalhos individuais. Seguimos a lógica do repertório festivo, de modo que apresentamos algo diferente do que fazemos no show solo”, comenta Luedji.
Ayabass e outras afinidades
A sintonia entre elas tem a ver com identificação e admiração. Tanto Luedji quanto Xênia acompanhavam o trabalho de Larissa como vocalista da banda de rock Lucy in the Sky e do grupo Ara Ketu no início dos anos 2000. Já Xênia e Luedji iniciaram a carreira na virada dos anos 2010 e naturalmente se esbarravam nos bastidores de shows e festivais.
“Rolou uma projeção ao nos vermos umas nas outras. Poderia ser com outras pessoas, mas por algum motivo, que só posso chamar de magnetismo, foi com elas”, afirma Xênia. Antes da Ayabass, ela e Luedji participaram do coletivo Acorda Amor, idealizado pela radialista e apresentadora Roberta Martinelli. No registro criado em parceria de Letrux, Maria Gadú e Liniker, elas interpretaram canções de Erasmo Carlos, Gonzaguinha, Gilberto Gil e Rita Lee.
Para além das afinidades musicais e geográficas – Luedi e Larissa são de Salvador, e Xênia nasceu em Camaçari, próxima à capital baiana –, dividem a fé nos orixás. Entretanto, passam longe da visão estereotipada sobre o assunto. Cada uma tem uma relação privada e particular sobre o assunto. “A gente reverencia os orixás sendo quem a gente é. No palco, expressamos essa relação de forma mais subjetiva do que folclórica, para não correr o risco de se tornar algo caricato”, reflete Xênia.
Foto: Lucas Cordeiro
Na segunda fase da Ayabass, o trio divide a direção artística do show, ao lado do produtor musical paulista Julio Fejuca, e se debruça em novo repertório. Se no primeiro momento elas mergulharam na história das mulheres negras apagadas da história do axé, o novo setlist aparece ampliado com músicas autorais e faixas de nomes como Leci Brandão, Elza Soares, Os Tincoãs e Gilberto Gil.
O grupo as desafia a pensar a performance de uma forma diferente. Especialmente no caso de Luedji e Xênia, que lançaram discos embebidos em jazz e hip hop e partem de uma premissa mais introspectiva, essa é uma oportunidade de apresentar outras facetas ao público. Ao longo dos ensaios, elas dividiram as músicas de forma em que cada uma se sinta mais à vontade de acordo com o timbre de voz.
Para Xênia, diferentes simbolismos se manifestam neste encontro: “Queremos celebrar a vida após esses anos tenebrosos, vejo como as pessoas ficam felizes quando nos veem juntas. Enxergo a necessidade de diluir limitações no imaginário das pessoas. Então, o projeto representa um portal para nos verem de outra forma e celebrar tudo de bom que vem acontecendo nas nossas vidas”. No momento, não vislumbram a possibilidade de um disco coletivo ou de registrar as canções do show, mas não descartam essa possibilidade no futuro. Dando um passo de cada vez, querem saborear sem pressa o novo ciclo da banda.
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