Gypsy braids: o peso político das tranças do momento

Na contramão do apagamento histórico investido pelo racismo, mulheres negras apostam no visual e no seu poder de reconexão ancestral.


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Reprodução: Instagram



Em 2019, a comunicadora e empresária niteroiense Luiza Brasil escrevia sobre o poder resguardado no ato de trançar o cabelo. Lembro de ler as palavras dela e imediatamente puxar pela memória a troca e o respeito entre minha avó e eu nesses momentos em que ela semanalmente criava os meus penteados com tranças. Quantas histórias e ensinamentos vieram daí… E tudo isso em uma época em que nada sabíamos sobre representatividade ou empoderamento. Mas sentíamos.

Trançar o cabelo – seja com um profissional ou um familiar – é um resgate ancestral. “Mesmo que o uso das tranças no Brasil, por vezes, seja entendido como algo ‘somente estético’, ele ainda assim é e permanecerá sendo político”, afirma Obirin Odara, assistente social e mestre em Políticas Públicas.

Basta recuperar o histórico das tranças nagô no Brasil para entender do que ela está falando. Popularmente conhecidas como “rasteiras”, elas eram usadas como forma de comunicação codificada entre pessoas escravizadas. Nas cabeças, as amarrações de cabelo eram desenhadas para representarem rotas de fuga até os quilombos. Além disso, elas ainda funcionavam como um esconderijo para grãos, para se ter o que comer no caminho.

“Há muitas razões pelas quais uma pessoa negra deseja trançar o cabelo. Duas delas, contudo, se sobressaem: na maioria dos casos, há uma retomada da autoestima, mas há também a noção de que, ao apostar nas tranças, a pessoa negra cultiva a relação que tem com sua própria ancestralidade. É a recuperação da história das origens culturais do povo negro que foi apagada pelo racismo”, explica Obirin.

Os fios da gestora ambiental maceioense Andressa Lopes, de 31 anos, são reflexo nítido disso. Dos 7 até os 26 anos de idade, ela alisou os cabelos. “Colocar tranças, então, foi revolucionário. Passei a me olhar com mais carinho e tive a oportunidade de, finalmente, descobrir o meu cabelo natural, sem química”, conta.

Outras mulheres negras que adotaram o visual – ainda que sempre apontem para a elevação da autoestima como razão principal por trás da decisão – também citam a praticidade como um dos argumentos a favor de penteados com trança. “Ninguém fala muito sobre isso, mas cuidar do cabelo natural demanda um tempo considerável”, pondera a aconselhadora criativa Paula Leandro que só investiu nas tranças em setembro deste ano, depois de muito pesquisar sobre materiais, técnicas, processo e manutenção. “Além de lindo, é muito fácil de lidar”, adiciona.

O que são as gypsy braids, as tranças da moda?

Apesar das gypsy braids (também conhecidas como bohemian braids/dreads) serem as tranças preferidas da atriz e cantora americana Zoë Kravitz desde 2015, foi no segundo semestre de 2022 que o mercado de beleza brasileiro acompanhou o visual virar tendência por aqui.

Foi nesse período que vimos um pico nas buscas por informações e referências sobre o modelo: de acordo com os dados do Google Trends – ferramenta que mede a evolução das pesquisas na internet – houve um aumento repentino da procura pelo termo entre agosto e novembro deste ano.

Zoë Kravitz usando gypsy braids na campanha da Tiffany

Zoë Kravitz usa gypsy braids em campanha da Tiffany & Co. Foto: Reprodução

“Aqui no Brasil, nos anos 2000, nós já utilizávamos esse mesmo método, porém ele era conhecido apenas como alongamento de cabelo humano“, recorda a trancista Luciana Safro, que atua neste mercado há 22 anos. “Muitas clientes usavam alongamento e assim que o cabelo crescia – se elas não quisessem alisar ou entrelaçar – a terceira opção era o alongamento com fio sobreposto, em que fazíamos tranças finas e aplicávamos cabelo humano na extensão e no final delas.” 

Desde 2019, o penteado à la Zoë Kravitz é usado como referência para a profissional que o executa a partir de sua técnica particular – que adiciona o novo cabelo às tranças sem entrelaçar a raiz. Entre as célebres que já fizeram as gypsy braids com ela estão as cantoras Liniker e Linn da Quebrada e a atriz Camila Pitanga.

Como cuidar das gypsy braids?

“Também lanço mão de técnicas de visagismo e colorimetria de acordo com o rosto e a preferência da cliente”, diz Luciana. Para cuidar, a profissional indica lavar de uma a duas vezes por semana e a utilização de um creme leave-in para finalizar após o banho. “Se houver necessidade, vale pentear os fios respeitando o movimento contínuo de cima para baixo com delicadeza”, aconselha.

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