Beatriz Nascimento, uma mulher afro-atlântica

A colunista Hanayrá Negreiros mergulha no universo estético e intelectual de uma das maiores pensadoras sobre ancestralidade negra do Brasil.


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A princípio esta coluna estava desenhada para receber textos mensais, porém tenho refletido muito sobre como produzir ideias em meio a uma pandemia e com uma montanha russa de emoções, que creio eu, estamos todas passando, umas mais e outras menos. Por esse motivo, o texto de julho acabou saindo só agora no começo de agosto. E junto dele temos novidades com a chegada de Silvana Mendes – maranhense, artista visual, professora e graduanda em Artes pela Universidade Federal do Maranhão. Sil será a responsável pelas imagens de abertura dos meus textos daqui em diante e eu estou muito feliz com a sua chegada.

Para a sua estreia, Sil adentrou comigo nas fotos da família de Beatriz, a quem dedico este texto, nos revelando os seus experimentos visuais, que, em suas palavras, “são tentativas de apropriação das cores da bandeira desse Brasil tão desgastado”, mas que nos ajuda a lembrar das potências das mulheres negras e indígenas que, desde sempre, assumiram a dianteira da resistência, fazendo dessa terra um lugar que também é nosso. Seja bem-vinda, Sil!

Ainda na esteira de julho, decidi escrever sobre o vestir de uma mulher negra brasileira, já que é naquele mês que comemoramos, no dia 25, o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, quando também é comemorado o Dia Nacional de Tereza de Benguela, importante líder do Quilombo do Quariterê, conhecido também como Quilombo do Piolho, considerável território de resistência negra no Mato Grosso durante a segunda metade do século 18. Em sua coluna de vídeo aqui na ELLE, Djamila Ribeiro já bem nos falou sobre a importância do dia 25 de julho para se entender feminismo negro e a presença dessas mulheres nas lideranças e posturas de combate em nossa sociedade.


Para este texto, escolhi falar de outra mulher importante para pensarmos luta, resistência e epistemologias insurgentes no país: Beatriz Nascimento, que se você ainda não conhece, te convido a separar alguns instantes para saber mais dessa mulher, intelectual e quilombola. E se você já a conhece, também te convido a pensar Beatriz a partir de suas histórias, modas e memórias, mergulhando em seu acervo de fotografias.

O som que embala os escritos deste mês é de Mayra Andrade, com Dimokránsa, faixa que abre o seu disco de estreia Navega, de 2006. Mayra é cubana de nascimento e cabo-verdiana de criação, além de ser uma das minhas cantoras favoritas! Dedico essa música também à Bethania, a quem imensamente agradeço pelo tempo, fala e escuta, e também por abrir e remexer em memórias e arquivos de família.

Em meu primeiro texto, eu trouxe algumas fotos da minha família, recorrendo ao conceito de Sankofa, para me referir as viagens que podemos fazer ao passado, para que no presente, consigamos projetar futuros possíveis. Este texto é um convite para uma dessas viagens no tempo das quais me refiro, onde navegaremos pelos acervos de Beatriz, que se mostram dispositivos interessantes para pensarmos moda e memória.

Foi em um final de tarde da primeira quinzena de julho que conheci Bethania Gomes, filha de Beatriz e que atualmente vive no bairro do Harlem em Nova Iorque, onde desenvolve um trabalho como bailarina e professora de balé do Dance Theatre of Harlem, onde também exerceu o posto de primeira bailarina durante o começo dos anos 2000. Bethania e eu ficamos por mais de duas horas conversando sobre artes, dança, ancestralidade, maternidade de mulheres negras, bons drinks, roupas que gostamos e o motivo principal do nosso encontro, sua mãe Beatriz.

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Bethania Gomes, 2014.Foto: Nadya Jakobs

Para mim foi uma experiência incrível poder conversar com Bethania que acabou por se transformar em uma contadora de histórias e uma guardiã de memórias do acervo de sua mãe, falecida tragicamente em 1995 por conta de um horrível crime de feminicídio. Bethania trouxe muito das lembranças de sua família contando sobre sua mãe, tias e avós que migraram para o Rio de Janeiro, saindo de Sergipe por volta do final dos anos de 1940. Foi na capital fluminense que Maria Beatriz Nascimento se criou e se graduou em História pela UFRJ, onde também iniciou um mestrado em Comunicação Social sob orientação do professor Muniz Sodré.

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