E SE… não existisse moda sustentável?  

Apesar das ações "verdes" propagadas pelos departamentos de marketing, os números não mostram uma melhora real na situação global. Pelo contrário.


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Ilustração: Victoria Lobo



Moda sustentável não existe. A primeira vez que falei isso foi em 2016, quase sete anos atrás. De lá para cá, pouco mudou. Embora o tema sustentabilidade tenha adentrado a agenda corporativa, sobretudo no âmbito da comunicação e do marketing, as ações e seus resultados têm sido pífios frente aos desafios postos. A indústria da moda continua majoritariamente calcada na exploração da natureza e das pessoas, num modelo de produção linear e de crescimento exponencial. Embora as produções alternativas e sustentáveis existam, elas têm sido incapazes de subverter a lógica dominante de produção e consumo. 

Os dados trazidos pelo novo relatório da Textile Exchange podem ajudar a tangibilizar o cenário.  Na edição de 2021 do Preferred Fiber & Materials Market Report e do Organic Cotton Market Report, vemos que a produção de fibras cresceu para um recorde de 113 milhões de toneladas em 2021, provando que a desaceleração produtiva do setor durante a pandemia foi passageira e que os apelos dos especialistas em sustentabilidade para o decrescimento da produção do Norte global estão sendo amplamente ignorados. 

Essa quantidade é quase o dobro dos níveis dos anos 2000, quando a produção global de fibras ficou em 58 milhões de toneladas. O relatório aponta que, nas taxas atuais, a produção continuará subindo para 149 milhões de toneladas até 2030, o que coloca a moda no caminho de perder suas metas climáticas. 

Notavelmente, a produção de poliéster, fibra de origem sintética produzida a partir do petróleo, aumentou de 57,7 milhões de toneladas em 2020 para 60,5 milhões de toneladas em 2021, representando mais da metade de toda a produção global de fibras. Enquanto isso, a participação de mercado do poliéster reciclado aumentou bem menos, passando de 14,7 para 14,8% no ano passado. 

A produção de poliéster virgem é uma importante contribuinte nas emissões de gases de efeito estufa, ao passo que as emissões de microfibras artificiais e sintéticas no meio natural já poluíram até o Ártico e chegaram ao nosso organismo, tornando o microplástico um problema de saúde. 

Mas se o aumento do uso do poliéster reciclado foi tímido, pior para as produções de algodão certificadas, sejam elas Fair Trade, Better Cotton ou Orgânico, cuja participação de mercado diminuiu de 27% em 2020 para 24% em 2021. No topo disso, apesar de toda a conversa sobre reciclagem e circularidade, continuamos estagnados no menos de 1% quando o assunto é o tamanho de mercado de têxteis reciclados pré e pós-consumo.

Se olharmos para os relatórios sobre condições de trabalho no setor, também não é possível ver avanços significativos. Na verdade, a pandemia levou trabalhadores de volta para condições de maior insegurança, precariedade e baixa remuneração – tanto no Brasil, como no resto do mundo, afetando mulheres de forma particular

Enquanto isso, na Europa, marcas precisam lidar com acusações de lavagem verde (greenwashing) enquanto veem seus principais instrumentos para sustentabilidade, como o Higg Index, serem questionados, sobretudo frente a novos estudos que mostram que as iniciativas de autorregulamentação do setor não têm passado de cortina de fumaça

Para a Textile Exchange, enquanto a mudança está acontecendo e as inovações materiais estão crescendo, a escala e a velocidade são insuficientes. É preciso, segundo os autores, uma abordagem de três frentes: reduzir a produção geral, investir na inovação de escala e trocar os materiais nocivos pelos preferidos. Tenho dito que se a primeira frente – reduzir a produção geral – não for endereçada, as outras duas frentes são insuficientes para alcançarmos a mudança que precisamos, e materiais preferidos e inovação não passarão de tecnofixes irrelevantes

Resumindo em poucas palavras, sustentabilidade de facto exige o que já disse aquele cartaz italiano: trabalhar menos, trabalhar todos, produzir só o necessário e distribuir tudo.

Marina Colerato é jornalista, está como diretora-presidente do Instituto Modefica, faz mestrado em Ciências Sociais na PUC/SP e reflete sobre política, feminismos e o fim do mundo na sua newsletter Lado B. Você pode acompanhá-la no Instagram @marinacolerato.

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