Noites sem respostas: moda é reflexo da sociedade ou é tudo sobre dinheiro? Faz 3 por 10?

Dilemas de um amante de Carnaval desanimado em meio às semanas de moda.


coluna luigi 3
Ilustração: Gustavo Balducci



Andam falando de uma ressaca das modas. Guarda-roupas, seguidores e consumidores intoxicados por altas doses de looks clickbait, acessórios engraçadinhos e muita euforia exagerada pós-vacina. Daí a limpeza e redução de um tudo como vimos nos desfiles masculinos, em janeiro, e que continuam nos femininos, entre fevereiro e março.

Diz que cansou. Chega! Basta! Tá ficando feio. Tem até influenciadora xoxando a entourage responsável por registrar a vida de quem vive de viver uma vida com filtro Paris. Ficou feio mesmo. Depois da eterna aleijada hipócrita, arqui-inimiga da mais eterna ainda Leona Vingativa, veio aí a Barbie hipócrita.

Entendo o cansaço. Eu amanheço cansada todos os dias. Uma amiga cogitou a exaustão como possível causa para o desânimo com o Carnaval das pessoas que conhecemos ou seguimos. E minha também. Sei não. Me parece conversinha para fingir que não é tudo sobre lucro. 

Ixi, ficou confuso. Ainda tô tudo tremendo.

É a chuva, suor e cerveja. E quando a chuva começa, acabo de perder a cabeça. Carnaval, né? A invenção do diabo que deus abençoou. Queria estar menos cansado. Não fisicamente, no geral. Será que é grave? Segundo Caetano Veloso, atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu. Sempre preferi ir na frente, menos aperto. Nem isso tô querendo. Morri?

Tanta volta pra nenhuma resposta.
Tanta volta pra nenhuma resposta.
Tanta volta pra nenhuma resposta.
Tanta volta pra nenhuma resposta.

Depois de muito tempo, não achei ruim trabalhar nessa época do ano. E olha que detesto vangloriar trabalho. Prefiro o som da marcha lenta. Ou preferia. Não, prefiro. Prefiro sempre. Agora não. Mas não se esqueça de mim. Não saia do meu lado. Não diga que não me quer, não diga que não quer mais.

No livro O corpo encantado das ruas, do escritor e historiador Luiz Antonio Simas, tem uma descrição do Carnaval digna de reprodução: 

“O carnaval é perigoso. O controle dos corpos sempre foi parte do projeto de desqualificação das camadas historicamente subalternizadas como produtoras de cultura. Esse projeto de desqualificação da cultura é base da repressão aos elementos lúdicos e sagrados do cotidiano dos pobres, dos descendentes dos escravizados e de todos que resistem ao confinamento dos corpos e criam potência de vida. O corpo carnavalizado, sambado, disfarçado, revelado, suado, sapateado, sincopado, dono de si, é aquele que escapa, subindo no salto da passista, ao confinamento da existência como projeto de desencanto e mera espera da morte certa. O carnaval é o duelo entre o corpo e a morte.”

Especificamente sobre o Carnaval de rua, ele fala:

“Carnaval de rua é possibilidade: pode ser festa de inversão, confronto, lembrança e esquecimento. É período de diluição da identidade civil, remanso da pequena morte, reino da máscara, fuzuê do velamento necessário.”

Demorou para o Carnaval superar minha fobia social. Não foi aquela coisa de me perder para me achar. Foi suficiente para desejar que a fantasia fosse eterna. Difícil explicar. Pode ser a cerveja no café da manhã. Só sei que o corpo estremece, as pernas desobedecem, inconscientemente a gente dança. E tem o brilho. A cama cheia de glitter, cabeça oca, coração acelerado.

Este ano não. Este ano, vamos de semana de moda gringa. Prefiro não falar sobre, tá mal resolvido aqui dentro, até levei para análise. Não bastasse o dilema pessoal, tive de ouvir Weider Silveiro em choque: “Mulher, e o Carnaval? A moda não merece essa atenção, não”. E olha que nem no Brasile ela estava. Tava exilada em Parigi, com passagem marcada para as vésperas da festa do Rei Momo, e coberto de razão.

Tô cansado. Tem a tal recessão. Analistas de mercado preveem a chegada do baque global entre o fim de 2023 e o início de 2024. Nada certo, mas vai que, né? Melhor prevenir do que remediar. Aproveitando que tão comprando mais peças clássicas, atemporais, pra que dar margem para confusão? 

Olha aí a Balenciaga. Precisou transformar release em entrevista para encenar arrependimento. É possível que Demna queira ficar quietinho, pôcas palavras e muitas roupíneas. É certeza que a Kering quer garantir vendas quando a água bater na bunda. Chama redução de danos. E isso é valiosíssimo no pós e pré-blocos. Isotônicos, vitaminas, Engov, Bye Bad, Dorflex e Vonau são essenciais. E água sempre. Por favor.

Ia perguntar se a moda ainda é reflexo dos desejos e humores de algumas pessoas ou é tudo sobre dinheiro? Inclusive os desejos e humores de algumas pessoas. Quem quer saber? Chora depois, mas agora deixa sangrar. Deixa o Carnaval passar.

Nesses quatro míseros dias em que o povo decreta a felicidade, as únicas perguntas que realmente importam são: três por 10? Vira à esquerda ou à direita? É água água? Qual é o próximo bloco? De onde sai? Já deu meio dia?

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