Festival de festivais
Segundo semestre traz uma concentração de eventos musicais, como Popload, Primavera Sound, Coala e Afropunk, que reúnem de Björk a Maria Bethânia.
“Sei da força canção”, cantou Criolo de cima do palco do Lollapalooza, em participação no show do Planet Hemp que fechou o festival, no fim de março. Foi essa força da canção que levou mais de 300 mil pessoas aos três dias do evento em São Paulo.
Uma semana antes do Lollapalooza, o governo de São Paulo havia decretado o fim da obrigatoriedade de máscaras em lugares fechados, apenas oito dias depois do item ter sido dispensado para ambientes abertos.
Com o arrefecimento da pandemia, o público brasileiro retornou sedento aos eventos musicais. Embora baladas e shows tenham voltado a lotar, nada parece ter empolgado tanto quanto os festivais de música. Era a força da canção, mas também da dança, do encontro, da social, de passar horas cercado de som por vários lados.
“Os festivais acabaram virando o lugar onde a galera queria se reencontrar. Tem vários artistas no mesmo lugar, os espaços são a céu aberto”, disse à ELLE Ricardo Rodrigues, produtor do festival Contato, no interior de São Paulo. “O festival acaba sendo essa experiência única.”
Björk, headliner do Primavera Sound São PauloFoto: Getty Images
Para Coy Freitas, curador e produtor que se especializou em criar pontes entre marcas e festivais, a música tem sido fundamental no processo de ressocialização coletiva que marca este ano. “Passamos pelo momento mais delicado da Covid, vivemos numa tensão sócio-cultural causada pela polarização política. Nesse contexto, a experiência de festival é extremamente importante”, disse à ELLE. “São longas horas, diferentes palcos, diversidade estética, pessoas diversas e ideias novas coexistindo.”
O primeiro semestre presenciou assim uma intensa movimentação de eventos realizados e anunciados. Eventos novos como Mita, em São Paulo e Rio, e Tura, apenas na capital paulista, fizeram edições de estreia com patrocínios de grandes marcas. Enquanto isso, etiquetas consagradas como o brasileiro Popload e o catalão Primavera Sound (em sua primeira edição brasileira), marcados para o segundo semestre, esgotaram rapidamente seus lotes iniciais de ingressos antes mesmo de qualquer atração ter sido anunciada.
Ambos os eventos apostam em atrações internacionais já testadas e aprovadas pelo público brasileiro.O Popload traz de volta ao Brasil veteranos do rock como Pixies e Jack White ao lado da melancolia folk de Cat Power, além da levada pop de Years & Years. Já o Primavera, um evento muito maior, oferece um cardápio amplo, que inclui o rapper estadunidense Travis Scott em sua primeira apresentação no Brasil (que viria no Lollapalooza de 2020, cancelado devido à pandemia), os favoritos indies Arctic Monkeys e a diva da experimentação Björk. O festival catalão não para por aí: ainda tem Caroline Polachek, Japanese Breakfast, Mitski, Beach House e Lorde, entre dezenas de outros nomes nacionais e internacionais.
Jack White, atração do Popload FestivalFoto: James David Swanson
E tem, claro, o Rock in Rio, que realiza sua primeira edição desde 2019. No lineup, os destaques incluem Coldplay, Iron Maiden, Dua Lipa, Guns N’ Roses, Megan Thee Stallion, Post Malone e Camila Cabello, naquele mix infalível de rock e pop (e um pouco de rap) que move as massas. Vale conferir as linhas inferiores da escalação para descobrir nomes de rap, eletrônico, funk e MPB que devem agradar os seguidores desses estilos.
Há também uma porção de eventos com line-ups totalmente nacionais, tendência que se fortaleceu este ano. Para Rodrigues, muitos artistas nacionais amadureceram seu trabalho, realizando shows mais estruturados, com condições de encabeçar um festival e “entregar público”. São nomes como Marina Sena, Duda Beat, Emicida ou BaianaSystem.
Artistas como esses podem ser vistos em destaque nas escalações de eventos por todo o Brasil, arriscando a provocar uma certa sensação de mesmice no frequentador mais atento. Marina Sena, por exemplo, se apresentou no Lollapalooza, Mita, Turá, Dosol e Obalalá no primeiro semestre. Nos próximos meses, aparecerá nos festivais Arvo, Obalalá e Rock In Rio.
Rodrigues lembra que é normal que os eventos priorizem “artistas mais certeiros”, afinal a conta precisa fechar. Por outro lado, para artistas médios ou que estão começando têm sido mais desafiante se inserir no circuito.
Marina Sena na capa da ELLE View de dezembro
Foto: Thais Vandanezi
Ana Morena, presidente da Abrafin (Associação Brasileira dos Festivais Independentes) e fundadora do festival DoSol, em Natal (RN), gostaria de ver mais contrapartidas dos eventos grandes e patrocinados, no sentido de “mostrar também uma nova música, que não tem tanto espaço”. “Seria uma grande ajuda para a reconstrução da música brasileira e do público para esses artistas que não pararam de produzir dentro da pandemia”, diz ela.
No fim de novembro, a produtora realizará a segunda edição de 2022 do seu DoSol. O modelo será diferente de eventos anteriores. Além do evento principal, com quatro palcos e cobrança de ingresso, o DoSol terá também três dias de eventos gratuitos, espalhados por diferentes áreas de Natal com artistas de pequeno e médio porte. “Justamente para quem está sem dinheiro poder ter acesso”, diz. “O cara não precisa atravessar a cidade para aproveitar aquela arte.”
A julgar pelo universo dos festivais independentes, o boom de eventos em 2022 nem atingiu todo o seu potencial. Segundo Morena, cerca de 40% dos mais de 120 eventos filiados à associação não realizaram edições em 2022. Os motivos são diversos: alguns ainda não conseguiram se estruturar de novo, outros perderam profissionais durante a pandemia e outros ainda estão se preparando para fazer um evento mais forte em 2023.
Ainda assim, um calendário da Abrafin compartilhado por Morena com a ELLE reúne 37 eventos entre agosto e novembro por todo o país, desde eventos segmentados para os públicos de jazz ou punk até iniciativas diversificadas como os festivais Magnólia (Chapecó/SC) e Vaca Amarela (Goiânia/GO).
Emicida, um dos destaques do AfropunkFoto: Enio Cesar
Ao mesmo tempo, Morena crê que a euforia do primeiro semestre deve perder gás na segunda metade do ano. Afinal, as dificuldades econômicas da maior parte da população se agravaram. “No primeiro semestre, esgotou tudo. Muitos (festivais) nem tiveram que vender na bilheteria. Abria online e já esgotava. Isso não está mais acontecendo. A gente vê que as pessoas já estão escolhendo mais”, observou. “Muita gente vai ter que escolher entre fazer a feira ou ir a um show”.
Para Freitas, a demanda sempre vai existir em capitais e cidades onde há uma população expressiva de jovens com poder de compra. “Mas com certeza teremos que acomodar em algum momento uma possível queda no número de festivais. Afinal, a euforia passa e a frequência dá uma estabilizada, lembrando que vivemos em eterna crise econômica”, disse o curador e produtor.
O CALENDÁRIO DE FESTIVAIS
ROCK IN RIO
Dua Lipa, Green Day e Justin Bieber
2, 3, 4, 8, 9, 10 e 11/09
Parque dos Atletas, Rio de Janeiro
COALA
Marina Sena, Maria Bethânia, Gal Costa com Rubel e Tim Bernardes
16-18/09
Memorial da América Latina, São Paulo
MADA FESTIVAL
Gloria Groove, Letrux e BaianaSystem
23-24/09
Arena das Dunas, Natal
PLANETA BRASIL
Lauryn Hill, 50 Cent e Planet Hemp
24-25/09
Esplanada do Mineirão, Belo Horizonte
Lauryn Hill, que volta ao país como atração do Planeta Brasil Foto: Getty Images
POPLOAD
Jack White, Pixies, Cat Power
12/10
Centro Esportivo Tietê, São Paulo
PRIMAVERA SOUND
Bjork, Arctic Monkeys, Travis Scott
5-6/11 (+ shows pela cidade entre 31/10 e 4/11)
Distrito Anhembi, São Paulo
ROCK THE MOUNTAIN
Gilberto Gil, Lulu Santos e Duda Beat
5 e 6/11
Itaipava, Petrópolis
AFROPUNK
Baco Exu do Blues, Emicida, Dama feat MC Carol
26-27/11
Parque de Exposições, Salvador
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