Em disco póstumo, Elza Soares grava Rita Lee, Dona Ivone Lara e Pitty

"No tempo da intolerância" traz seis faixas escritas pela cantora, que versam sobre luta e feminismo.


Elza Soares
Fotos: Daryan Dornelles



“Pelo amor de Deus, vamos acordar, vamos ter consciência na nossa luta, porque ela não para. Eu nunca disse que a luta tinha terminado”, roga Elza Soares, um ano e quatro meses após sua morte, na abertura do álbum póstumo No tempo da intolerância, que chegou às plataformas digitais na última sexta-feira (23.06).

Essas palavras, extraídas de uma fala improvisada da artista à qual se sobrepôs um fundo musical guitarrístico, são a senha para o desfile de nove canções inéditas, seis delas assinadas pela própria Elza com parceiros diversos, em especial com o trio formado por seu último empresário, Pedro Loureiro, e a dupla Jefferson Jr. e Umberto Tavares, conhecida por composições para artistas ultrapopulares como Belo, Anitta, Buchecha, Ludmilla, Luan Santana e Lexa.

CAPA Elza Soares No Tempo da Intolerancia

“Acordou com o pé esquerdo, tem que ir pra Cuba/ a camisa do Brasil é coisa de fascista/ mulher que faz o que quer é chamada de puta/ homem que casa com homem é chamado de bicha/ tá todo mundo atirando pedra, com a vida cheia de pecado”, ela canta na faixa-título. O álbum segue em pique pop-samba-rock, com produção barulhenta e muitos efeitos eletrônicos, sobressaltando palavras de ordem como justiça, em “Pra ver se melhora”; coragem, na faixa homônima (“Se você é preto/ não se iluda, meu bem/ entre eles e nós/ a lei protege quem?”); e luta, em “Mulher pra mulher (A voz triunfal)”.

Essa última, uma composição em dupla com a discípula baiana Josyara, tece um recado áspero em primeira pessoa, de mulheres feministas negras para mulheres feministas brancas. E o trabalho se encerra numa parceria póstuma de Elza com outra matriarca do samba, Dona Ivone Lara (morta em 2018), batizada “No compasso da vida” (“Nascer mulher/ pra renascer de novo”).

Elza Soares por Daryan Dornelles

Em sua segunda metade, No tempo da intolerância deságua em composições inéditas entregues pelas roqueiras Rita Lee (“Rainha africana”) e Pitty (“Feminelza”) e pela jovem compositora pernambucana Isabela Moraes (“Quem disse?”). Da lavra de Pitty, sai a letra mais agudamente feminista encampada pela última Elza: “Respeite esse corpo, ele não lhe pertence/ feminino corpo vai prevalecer/ quem você pensa que é pra dizer a alguém que pode parir/ onde ela deve ou não deve ir?/ quem você pensa que é pra dizer a alguém que sabe gerar/ o que ela pode ou não falar?”. Menos de dois meses depois de sua morte, Rita Lee fala alto pela voz de Elza, e vice-versa: “Eu não tenho dono!”.

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