Grada Kilomba e Paulo Nazareth inauguram exposições em Inhotim
Artista portuguesa leva a obra/performance "O Barco" ao museu em Brumadinho (MG), enquanto o mineiro exibe trabalhos que falam da nossa relação com a terra.
Em um grande galpão de Inhotim, 134 blocos de madeira queimada distribuídos com precisão em 32 metros de comprimento desenham o fundo de uma grande embarcação. As peças, que lembram lápides, simulam o espaço mínimo e as condições desumanas aos quais escravos eram submetidos em barcos europeus que os transportavam no longo trajeto entre países africanos e as Américas. A área que eles tinham deitados (simulada pelos blocos) até o teto da embarcação não ultrapassava 20 cm. Em 18 peças, estão gravados em dourado poemas em que se lêem versos como “Um barco, um porão/Um porão, uma carga” e “Uma memória, um esquecimento”, traduzidos em iorubá, kimbundu, crioulo cabo-verdiano, português, inglês e árabe da Síria.
A obra O Barco (2021), em Inhotim
Foto: Divulgação
Cercados por uma plateia sentada à beira da obra, percussionistas acompanhavam cantores e bailarinos portugueses, todos negros, que atuavam em uma coreografia que encenava do movimento das ondas à sobrevivência de um casal na embarcação, personificando o duro percurso que milhões de escravos enfrentaram no Oceano Atlântico em séculos passados.
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Depois de apresentações no Maat (Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia), em Lisboa, e na Somerset House, em Londres, a obra/performance O Barco (2021), de Grada Kilomba, ganhou suas primeiras apresentações no Brasil em Inhotim (MG), no último fim de semana, com curadoria de Júlia Rebouças e Marília Loureiro. Grada, artista e pesquisadora portuguesa baseada em Berlim, é conhecida pelo público brasileiro: teve individual exibida pela Pinacoteca de São Paulo em 2019 e foi cocuradora da 35ª Bienal de São Paulo, no ano passado. O trabalho da artista, autora de Memórias da plantação: Episódios do racismo cotidiano (2008), trata de memória, trauma e pós-colonialismo.
A performance de Grada Kilomba que reuniu bailarinos e cantores Foto: Divulgação
“Quais são as histórias que lembramos? Quais os corpos que esquecemos?”, disse ela à frente de sua obra pouco antes de apresentá-la à imprensa no museu mineiro. “Portugal inaugurou a escravatura em 1400. Temos uma responsabilidade histórica imensa”, disse Grada, que assina o poema gravado nos blocos, cuja leitura exige que o público se abaixe, em um aceno às condições bárbaras com as quais os escravos eram transportados. O Barco acaba por também dialogar com o trânsito de imigrantes africanos pelo Mediterrâneo, que tentam ingressar em países europeus em busca de uma vida melhor. “Estou falando de violência, mas ela não é representada”, conta a artista, que irá reencenar a performance com um grupo de artistas locais.
A performance em Inhotim Foto: Divulgação
Da terra
O mineiro Paulo Nazareth também aborda deslocamentos em sua obra, que discute fronteiras geográficas, em especial as da América Latina. Nazareth, que participou da Bienal de Veneza, em 2013 e 2015, e de São Paulo, em 2021, fez das suas caminhadas pela América Latina e pela África um forte elemento de seu trabalho.
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Em Inhotim, ele apresenta Esconjuro (2024), inaugurada também no último fim de semana. Na mostra, com curadoria de Beatriz Lemos e Lucas Menezes, Nazareth une vídeos, pinturas, fotografias (incluindo uma série de imagens de sua mãe, Ana Gonçalves da Silva) e instalações – Marco temporal (2023-2033), entre elas – para tratar de formas de se relacionar com a terra, além de sua exploração e disputa.
Paulo Nazareth em Inhotim Foto: AnaClaraMartins
À frente da galeria Praça, que recebe a mostra do artista, está Sambaki II, obra comissionada por Inhotim em que Nazareth reuniu imitações em concreto de banana, fruta sempre presente nas casas de periferias do Brasil e outros países. As bananas formam um grande monte, ladeado por dois alto-falantes, que reproduzem o som de uma conversa de trabalhadores de Guiné-Bissau, que auxiliaram o artista na criação das suas primeiras frutas de concreto em 2013. Nazareth também plantou um bananal nas fronteiras do terreno de Inhotim, que, além de museu, é um impressionante jardim botânico. Abaixo do solo, foi alocada uma bananeira fundida em bronze, que forma a obra Bananal (2024).
A mostra de Nazareth; em detalhe a obra Marco temporal Foto: Divulgação
Ao longo dos 18 meses de exibição, a mostra, que reúne trabalhos inéditos e releituras, será modificada quatro vezes, por meio da troca de trabalhos e seu reposicionamento, conforme as estações do ano. “Meu desejo, mais do que tudo, é que exista uma conversa com o público, com os funcionários, com a comunidade local. O desejo é que essa mostra seja viva, algo que esteja acontecendo sempre. É uma abertura que precede outras aberturas dentro de si mesma”, disse o artista.
A coletiva Ensaios sobre a paisagem (2024), que reúne trabalhos de Aislan Pankararu, Ana Cláudia Almeida, Castiel Vitorino Brasileiro e Zé Carlos Garcia que tratam da relação desses artistas com a natureza em suas práticas, completou o fim de semana de inaugurações de Inhotim.
Trabalhos de Aislan Pankararu Foto: Ding Musa
Inhotim: Rua B, 20, Brumadinho, MG. Mais informações aqui.
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Bruna Bittencourt viajou a convite de Inhotim
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