Lázaro Ramos se volta ao público jovem em livro e filme
Ator, diretor e escritor, ele conta ter revisitado a própria adolescência em "Você não é invisível", que leva à Flip.
Os pensamentos e os desejos que Lázaro Ramos carrega desde adolescente, as coisas que gostaria de ter ouvido de alguém na época, conta, são o que até hoje o movem em seus muitos projetos. O do momento é o recém-lançado livro Você não é invisível (Companhia das Letras), que ele leva à Flip (Festa Literário Internacional de Paraty), do qual é um dos convidados no próximo sábado, 26.11. A obra é a primeira em que conversa diretamente com o público juvenil e, claro, resgata o Lázaro menino em Salvador. “Durante muito tempo, fui um jovem cheio de vontade de me comunicar com o mundo, mas eu me silenciava ou eu era silenciado”, conta à ELLE. “Quando a voz saiu, foi como uma cachoeira incontrolável. Todo dia eu tô escrevendo uma coisa, criando. Para mim, é muito claro que é o adolescente falando, gritando, querendo discutir temas, mostrar um ponto de vista. É ele quem fala sempre”, conta o baiano de 44 anos, completados no dia 1º deste mês.
Mais do que uma inquietação artística, a necessidade de escoar essa demanda represada o levou até a história dos irmãos Carrinho e Vitória. “Eu queria ter ouvido o título desse livro, Você não é invisível, na minha adolescência. Queria ter escutado ‘você não precisa ficar sozinho nas suas angústias, se escondendo atrás de um personagem’. Queria ter debatido ética. Queria ter falado sobre liberdade.” Na história, em quarentena, cada um dos irmãos expressa de maneira diferente suas reflexões diante do mundo – a convivência com o pai, que só volta do emprego no fim do dia, a saudade da mãe, sempre em longas viagens a trabalho, e a admiração pelo tio divertido Ivan. “Eu fui encontrando um formato e um jeito para falar sobre esses assuntos, mais focado nesses personagens que em algum momento são inspirados por jovens com quem eu convivi, com histórias da minha vida. Tem homenagens”, conta. “Tem coisas que meu pai me disse, tem coisas que eu gostaria de ter ouvido da minha mãe, que me deixou muito cedo. A ausência dela (no livro) não é por causa da morte, mas é uma ausência em que ela manda cartas que provocam sensações. Algumas histórias que a mãe conta eu vivi e contei com essa mesma paixão para os meus filhos. Eu me identifico no tio impulsivo. Tô espalhado em vários pedacinhos.”
Reprodução
Apesar das intencionalidades, Lázaro conta que chegou ao fim da obra com a sensação de que mais foi conduzido pelos irmãos do que os conduziu. “Os personagens foram me ensinando o caminho. Acho que eu não tinha experimentado essa liberdade tão grande. Foi muito bonito: tinha noites em que eu acordava e falava: ‘Carrinho podia viver isso’. E aí a história toda vinha, era uma lógica do personagem”, conta.
“Eu tenho pouca experiência com ficção que não é para crianças, e essa nova obra eu estava querendo fazer há muito tempo”, conta Lázaro, autor do best-seller autobiográfico Na minha pele (2017) e dos infantis O pulo do coelho (2021, Carochinha), Sinto o que sinto: e a incrível história de Asta e Jaser (2019, Carochinha), Caderno sem rimas da Maria (2018, Pallas), Caderno de rimas do João (2015, Pallas) e Edith e a velha sentada (Pallas). “Eu queria muito fazer um livro que fosse uma transição entre os infantis e o Na minha pele, que falam de alguns valores como autoestima e identidade.”
Tweets x cartas
Em alguma medida, Você não é invisível é também um livro sobre a forma como nos comunicamos. Enquanto o garoto é ativo nas redes sociais, com vídeos, tweets e áudios, a irmã prefere escrever cartas. “Eu fico angustiado às vezes, mas também fascinado quando vejo um adolescente jogando videogame e assistindo a uma série. Só consigo me concentrar em um dos dois. Queria muito que o livro tentasse reproduzir essa maneira como eles absorvem as informações hoje em dia, só que mantendo a qualidade. É uma tentativa de não rejeitar nenhum dos modelos de comunicação e aprimorá-los. Porque a gente tem um monte de recursos para se comunicar, e a qualidade da comunicação não está tão boa.” Lázaro faz uma leitura de si mesmo. “Penso muito sobre a minha capacidade de me comunicar com alguma pessoa, em como às vezes me isolo no celular, não olho nos olhos de alguém e fico escondido naquele universo paralelo, né? É um pouco a cadência da nossa vida.”
Pedro Napolinário
Nesta cadência, assuntos como negritude, é claro, também ganham espaço. “Agora, chegando ao oitavo livro, entendi que os temas ligados à negritude nos meus livros entram da mesma forma como é na vida de uma pessoa negra. Os nossos temas principais não são exclusão social e racismo, mas eles nos atravessam em algum momento. Então, entram na mesma proporção em que estão na nossa vida e com outros assuntos que compõem a nossa humanidade”, reflete.
Isolamento em família
O livro foi finalizado na pandemia e acaba por trazer à tona sensações do próprio autor no período. “Fala desse tédio que todos nós vivemos e experimentamos, das angústias que a gente viveu. Inclusive, agora que a pandemia arrefeceu, fala sobre como tornar esse tédio algo não necessariamente produtivo, porque a ideia não é ficar produzindo o tempo todo, mas algo que não seja angustiante, que a gente consiga aproveitar os momentos de pausa na vida, aproveitar em todos os sentidos. Ou às vezes não fazer nada, né? Também faz parte da vida.”
Pessoalmente, entre os vários projetos e a família, recorda-se do isolamento como “uma montanha-russa”. “Teve um momento em que eu queria produzir e aproveitar que eu estava em casa. Fazia música, escrevia uma peça de teatro”, conta. “Depois, eu disse ‘meu Deus do céu, não posso viver com essa angústia’. E aí fui me conectando de verdade com a minha família e nessa conexão apareceram os conflitos todos. Porque não tem como a gente não se olhar, a gente ficava junto 24 horas por dia.”
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No ano passado, em entrevista ao programa Roda viva (TV Cultura), Taís Araujo, mulher do artista, declarou que chegou a pensar em separação. “Vieram conflitos e dúvidas, mas depois veio uma conexão que eu acho que será para sempre. O quanto eu conheço dos meus filhos e da minha esposa hoje em dia foi por causa desse momento forçoso. Depois, veio o período de voltar a trabalhar, e aí era muito difícil dividir as energias entre os cuidados com a casa e as demandas do trabalho. Isso foi um pouco desesperador porque o tempo do trabalho nem sempre respeitava o da vida real”, conta. “Foi difícil e eu sei que a gente ainda não tem nem noção das sequelas que esse período vai deixar na gente. E nos jovens e nas crianças, mais ainda. Sinto às vezes a gente com medo de sobressaltos que vêm desse período.”
Literatura e streaming
Na Flip, Lázaro participa da mesa Palavra livre, com duas jovens poetas: a paulistana Midria Pereira e a portuguesa Alice Neto de Sousa. O autor celebra o momento da literatura feminina. “Esse é um movimento que é muito fruto do nosso tempo. Eu tenho tido mais acesso à literatura feminina. Essa semana estava lendo a Jarid Arraes, sou encantado com o trabalho dela. A Eliana Alves Cruz também acho que tem um trabalho muito relevante. É até injusto ficar citando porque sempre vai faltar alguém.”
Dos livros para as telas, no segundo semestre do ano que vem, o ator poderá ser visto em Ó paí ó, 2. Como diretor, volta a conversar com o público juvenil no longa musical Um ano inesquecível – Outono. “Levar isso para os jovens é lindo. Acho que é uma honra por exemplo poder ter (no elenco) o Rael como poeta, que é um cara que traz todo um sentido só na sua presença, a IZA estreando como atriz. Tem o Bukassa, que canta e atua muito bem, e é uma produção para jovens falando de amor, uma comédia, trazendo a música, o melhor que a gente tem da música brasileira. Acho que é isso que me instiga também nos projetos, colocar essa identidade e essa outra visão de mundo.” O longa está previsto para estrear no primeiro semestre de 2023 no Prime Video, para onde Lázaro migrou no ano passado como showrunner após 18 anos de Globo. “Eu estou desenvolvendo três projetos no momento: séries, filmes e um outro formato que ainda não posso falar. Mas são coisas que vão muito no lugar de pegar gêneros que a gente experimentou pouco e colocar a identidade desses pensamentos desse menino lá de Salvador.”
Se não faltam planos para o futuro, Lázaro, no entanto, segue pensando em arregaçar as mangas e trabalhar para mudar o presente, passada a turbulência política de 2022. “Eu acho que a gente ganhou um fôlego para sair do desassossego e do desmantelamento. Não acredito que será um ano fácil, mas acho que se a gente não tem uma nuvem de caos nos conduzindo. Isso pelo menos já nos dá alguma chance para criar, enfim, um projeto de país”, diz. “Tô aqui tentando mudar o hoje, fazer a minha parte, criando, agrupando, instigando, fazendo o que me é possível e está ao meu alcance. Porque eu acho também que precisará ser um projeto coletivo e cada um dentro do seu lugar e na sua área vai precisar trabalhar.”
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