Juliette Binoche fala à ELLE sobre interpretar Coco Chanel em “The new look”

Série da Apple TV+ mostra a vida de Christian Dior e da estilista durante a Segunda Guerra Mundial.


The New Look Photo JB
Foto: JB/Apple TV+



The new look, série do Apple TV+ que estreia nesta quarta-feira (14.2), mostra Christian Dior e Coco Chanel, dois designers de estilos e personalidades diferentes, em modo de sobrevivência durante a Segunda Guerra Mundial, quando Paris ficou ocupada pelos nazistas por quatro anos. 

A série de Todd A. Kessler (Bloodline, Damages, Os Sopranos) começa em 1955, dez anos após o fim do conflito. Dior (Ben Mendelsohn, vencedor do Emmy por Bloodline) é homenageado em palestra e desfile na Universidade Sorbonne. Chanel (Juliette Binoche, ganhadora do Oscar de atriz coadjuvante por O paciente inglês, de 1997) tinha acabado de voltar à moda, aos 70 anos de idade. Durante a Segunda Guerra, ela manteve sua butique fechada, e depois viveu no exílio por medo de ser julgada como colaboradora dos nazistas. 

No evento na Sorbonne, uma estudante confronta Dior sobre a guerra. Durante a ocupação, o estilista trabalhava para Lucien Lelong (John Malkovich, indicado ao Oscar por Um lugar no coração, de 1984, e Na linha de fogo, de 1993), que manteve seu ateliê aberto, fazendo vestidos para as mulheres e namoradas de oficiais nazistas.

É a deixa para a série voltar ao passado e examinar a postura dos dois gênios da moda durante esse período complicado, com participação especial de outros grandes nomes, como Pierre Balmain (Thomas Poitevin) e Cristóbal Balenciaga (Nuno Lopes)

Dior aparece discreto e íntegro, completamente devotado à sua irmã mais nova, Catherine (Maisie Williams, que concorreu duas vezes ao Emmy por Game of thrones). Ela é integrante da Resistência Francesa, um movimento que luta pela libertação do país. Com o salário, Dior sustenta não apenas a casa, mas também a causa. Ele entra em desespero quando Catherine é pega e enviada para o campo de concentração de Ravensbrück (Alemanha). Dior jamais desiste de encontrá-la.



Depois da guerra, ele vai revolucionar a moda trazendo de volta o sonho com “The new look”, a silhueta ultrafeminina de cintura marcada e saia volumosa que marcou a primeira coleção do ateliê do estilista e dá nome à série

Já Chanel é desbocada e arrogante, igualmente devotada ao sobrinho, André Palasse (Joseph Olivennes). Quando ele, que luta pela França, é aprisionado, ela não hesita em recorrer a colaboradores dos nazistas e aos próprios alemães. E assim acaba conhecendo Hans von Dincklage (Claes Bang, de O homem do norte, de 2022), codinome Spatz, um nazista de quem vira amante. É por causa de sua relação com ele e de suas ações que a estilista é acusada de ser colaboradora dos nazistas e precisa ficar no exílio ao fim da guerra, com medo de ser julgada e condenada, como tantos outros franceses.

TheNewLook 101 07742F

Juliette Binoche como Coco Chanel e Claes Bang como Hans Von Dincklage em cena da série Foto: Divulgação/Apple TV+

Chanel é uma personagem das mais complexas. Teve uma infância pobre, cresceu em orfanato, precisou sobreviver de mil maneiras até finalmente virar a grande designer, em uma época em que as mulheres nem podiam ter contas bancárias. Ela revolucionou a moda, livrando as mulheres dos espartilhos, apoiou as artes. Se por um lado teve um caso com Dincklage, também se envolveu com Reverdy, poeta e líder da Resistência. É uma mulher difícil de definir e, muitas vezes de defender.

A atriz Juliette Binoche, que nasceu na França em 1964 e teve seus avós, atores, presos no campo de extermínio de Auschwitz, conversou com a ELLE sobre a história fascinante e controversa de Chanel:

The New Look 103 Photo 010302

Binoche em cena da série Foto: Divulgação/Apple TV+

Sendo francesa, você já devia saber bastante sobre Chanel. Ainda assim, descobriu muitas coisas novas na pesquisa?
Muitas! Ela teve várias vidas. Há a Coco Chanel de antes da Primeira Guerra, aquela do período entre guerras, a da Segunda Guerra e a da libertação da França. A série The new look só cobre esses dois últimos períodos. Mas eu precisei saber sobre o antes para entender por que ela se comportou assim.

“Chanel teve várias vidas”

E chegou a alguma conclusão?
Ela veio de uma infância muito traumatizada e muito pobre. Seu primeiro amante, Boy Capel, que lhe deu confiança para investir em sua primeira butique, se casou com outra pessoa porque Chanel não tinha uma boa posição na sociedade. Ela ficou muito ferida, mas entendeu – e eles continuaram amantes. E aí ele morreu em um acidente de carro. Pelo que entendi, o trauma de perder o homem que amava fez com que ela não se apegasse moralmente a nada e tentasse agarrar tudo o que a vida colocava em sua frente. Durante a guerra, ela continuou indiferente, sem pensar se estava moralmente certa ou se era boa pessoa. E isso é fascinante porque claro que hoje, com o afastamento do tempo, você pensa: como ela pôde fazer isso? Mas a mentalidade dela era muito diferente.

The New Look 101 Photo 010106

Foto: Divulgação/Apple TV+

Ela também tinha a desculpa de tentar salvar o sobrinho André, certo?
Sim, ela se sentia na obrigação de educá-lo pois sua irmã se suicidou. Durante a Segunda Guerra, ele foi prisioneiro dos alemães, e ela decidiu que faria tudo o que pudesse para salvá-lo, inclusive uma aliança com os nazistas.

“Vir de um lugar muito vulnerável teve um forte impacto em sua necessidade de conquista”

Você é francesa, e seu país sofreu enormemente com a Segunda Guerra Mundial. Fora isso, sua família foi diretamente impactada pelo nazismo. Não foi mais desafiador por isso não julgar Chanel?
Como ator você tem que começar por dentro. Claro que ler sobre Chanel, tocar as roupas, encontrar pessoas que a conheciam foi muito bom. Mas o mais importante para mim é o trabalho interno. Então, eu entendo por que ela está se comportando assim. Caso contrário, não posso interpretá-la. Mas não se trata de uma compreensão intelectual somente, é preciso entender no seu coração também. Isso não significa que aceito tudo o que ela está fazendo porque não é minha vida e minha escolha – graças a Deus. Mas tenho que aceitar suas dores, seus traumas e seus medos. Vir de um lugar muito vulnerável teve um forte impacto em sua necessidade de conquista, de ter, de nunca mais ser derrubada em sua vida. Por isso ela sempre procurava segurança.

The New Look Photo 010105

Binoche como Chanel em seus 70 anos Foto: Divulgação/Apple TV+

Ao mesmo tempo, há diversas contradições, como o fato de ela ter fechado sua butique durante a guerra, aparentemente para não servir aos nazistas.
Sim. E ela também teve um relacionamento com o Riverdy, que era membro da Resistência, um poeta, uma mente e um coração incríveis. Você se pergunta como essa mulher foi amada por esse homem até o fim. É complexo. Claro que ela se comportou de maneira horrível, mas também abrigou Diaghilev (fundador do Ballets Russes), dando dinheiro para seus balés, levou Stravinsky (o compositor e pianista) e sua família para morar em sua casa. É uma montanha-russa de emoções. Eu senti por ela, mas não significa que aprovo tudo o que ela fez.

“Chanel mudou a maneira de viver das mulheres”

O fato dela ser mulher também complicava as coisas.
Sim. E ela mudou a maneira de viver das mulheres. Durante a Primeira Guerra Mundial, os homens foram para a guerra. Quem ficou cuidando do país foram as mulheres. E então ela se livrou do espartilho, usou o jérsei, que normalmente era utilizado apenas para roupas íntimas e para o forro de casacos. Mas Chanel usou porque era flexível, fácil de vestir. Deixou as saias mais curtas, os cabelos, também. Ficou mais fácil trabalhar e ser ativa. Depois da Primeira Guerra, ela continuou, seja com o little black dress, com as calças, com o bronzeado – antes, só os trabalhadores braçais tomavam sol, as pessoas de posição mais alta ficavam pálidas. Realmente deu um grande passo em direção à libertação das mulheres.

Cada episódio da série é finalizado por canções populares nas décadas de 1940 e 1950, produzidas por Jack Antonoff e interpretadas por artistas como Florence + The Machine (“The white cliffs of Dover”), Lana Del Rey (“Blue skies”), Nick Cave (“La vie en rose”) e Perfume Genius (“What a difference a day makes”).

LEIA MAIS: SETE PERSONAGENS MARCANTES DE GILBERTO BRAGA

Para ler conteúdos exclusivos e multimídia, assine a ELLE View, nossa revista digital mensal para assinantes