Assistimos à série sobre Balenciaga e contamos tudo o que você precisa saber (sem spoilers)

“Cristóbal Balenciaga”, produção sobre a vida e obra do estilista espanhol, estreia na sexta-feira (19.01), no Star+.


Cena da série sobre Balenciaga, "Cristóbal Balenciaga", disponível na Disney+.
Foto: Divulgação/Star+



Em uma cena da nova série sobre Balenciaga, o estilista diz que marketing e publicidade não combinam com a alta-costura. Ao longo da carreira, deu apenas duas entrevistas, foi pouquíssimo fotografado, não aparecia aos fins dos desfiles, preferia que sua equipe atendesse as clientes, não ia a festas e se incomodava profundamente quando sua vida pessoal virava assunto – ou fofoca. 

Se estivesse vivo, com certeza não teria Instagram nem qualquer outra rede social. Não aprovaria a atual estratégia de comunicação da marca fundada por ele em 1917. E provavelmente jamais aceitaria colaborar com – talvez até rejeitasse – a série Cristóbal Balenciaga, que estreia nesta sexta-feira (19.01) no Star+. 

A produção espanhola cobre os 30 anos do estilista em Paris ao longo de seis episódios, dirigidos por Aitor Arregi, Jon Garaño e Jose Mari Goenaga. A ELLE teve acesso antecipado aos três primeiros episódios do lançamento e contamos tudo o que você precisa saber a seguir:

O que esperar da série sobre Balenciaga

Cristóbal Balenciaga é considerado o estilista dos estilistas, com enorme poder de influência – até hoje –, autor de ideias revolucionárias, responsáveis por mudar a maneira como algumas mulheres se vestiam e representavam o próprio corpo. Logo no primeiro episódio, Coco Chanel explica como as pregas aplicadas nas costas de alguns casacos do concorrente escondem colunas arqueadas e entregam uma imagem alongada.

Cena da série sobre Balenciaga, "Cristóbal Balenciaga", disponível na Disney+.

Cena da minissérie Cristóbal Balenciaga. Foto: Divulgação/Star+

Suas criações mais famosas são as que desafiam o que se considerava padrão em termos de silhueta e proporção. O couturier esmiuçou as linhas retas e curvas sobre o físico feminino, deslocou cinturas para cima, para baixo ou as apagou. Alargou, elevou, arredondou, desnudou e jogou ombros para frente e para trás. Inflou quadris, costas, o corpo todo. Principalmente, ou mais conhecidamente, da década de 1950 em diante.

O que veio antes, sabe-se muito pouco. Viu-se menos ainda. A aura de mistério em torno do rei da alta-costura, como foi chamado pela revista Women ‘s Wear Daily, sem dúvidas contribuiu para sua fama enquanto esteve em atividade (ele se aposentou em 1968). Para as gerações seguintes, no entanto, a reclusão impôs algumas barreiras para o conhecimento e apreciação do seu legado.

Cena da série sobre Balenciaga, "Cristóbal Balenciaga", disponível na Disney+.

Cena da minissérie Cristóbal Balenciaga. Foto: Divulgação/Star+

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Cristóbal Balenciaga se destaca pelo conteúdo de pesquisa e pela apresentação de uma história contada, até então, em fragmentos. Embora ficcional, a série oferece um retrato inédito de um dos mais importantes criadores de moda do século 20, do mundo e das pessoas ao seu redor. E a melhor parte: evitando clichês comuns às produções biográficas de estilistas.

Palmas para o roteiro

Filmes e séries sobre estilistas tendem a passar brevemente pela produção material ou técnica do personagem para mergulhar nos dramas pessoais, polêmicas, escândalos e fins trágicos. Não que a série sobre Balenciaga não tenha tais elementos. Tem, porém, não no centro da narrativa. O foco é o ato complexo e, às vezes, doloroso da criação atravessada pelas pessoas, pelo tempo e pelo que se transforma com ele.

Nos episódios disponíveis no Star+, as várias camadas do processo criativo de Balenciaga – das referências aos pintores Velásquez e Goya aos trajes regionais e folclóricos de partes da Espanha até a pureza do design e perfeição técnica – são apresentadas dentro de contextos históricos marcantes. 

Cena da série sobre Balenciaga, "Cristóbal Balenciaga", disponível na Disney+.

Cena da minissérie Cristóbal Balenciaga. Foto: Divulgação/Star+

As provocações e incentivos do namorado, os acontecimentos sociais, políticos e econômicos, as reações às criações de outros estilistas, o trato com a imprensa, tudo é costurado magistralmente pela roteirista e idealizadora da coisa toda, Lourdes Iglesias.

Em Cristóbal Balenciaga, a história não é apresentada como fato isolado, tipo pílulas de passados sem conexão entre si e com o presente. A série é narrada por Balenciaga, interpretado por Alberto San Juan, a partir de relatos à jornalista Prudence Glynn (Gemma Whelan), editora de moda do jornal britânico The Times. Os episódios combinam cenas do momento da entrevista, em 1971, e das memórias do couturier.

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A grande sacada é o distanciamento temporal: permite contextualização e entendimento ampliados sobre os acontecimentos e seus impactos nos personagens. Lourdes ainda trabalha o roteiro a partir de uma cronologia espiral, capaz de conectar camadas e períodos diferentes do passado e presente da narrativa e fazê-las ressoar com a realidade atual.

O texto, sem forçação de barra e sempre sútil, é construído para que dilemas sobre posicionamentos políticos (ou a ausência deles), conflitos entre demanda comercial e liberdade criativa, separação entre pessoa física e jurídica ecoam na vida de agora. Até a cena em que Cristóbal pede, em segredo, para seus investidores comprarem um vestido Dior para que ele possa analisá-lo às minúcias, é algo ainda recorrente.

O figurino

O figurino ficou a cargo de Bina Daigeler. Ela já trabalhou com Pedro Almodóvar em Tudo sobre minha mãe e Volver, com Jim Jarmusch, na série Narcos, é a favorita de Cate Blanchett (os looks perfeitos da atriz em Tár vieram dela) e foi nomeado ao Oscar por Mulan. Porém, dificilmente outras experiências se equiparam ao desafio de recriar peças de alta-costura feitas por Cristóbal Balenciaga. E em tempo recorde.

Em entrevistas a jornais europeus, Bina contou que recebeu a proposta da série em janeiro de 2022 e, em maio, já estavam gravando. Nenhuma roupa de série é original. A figurinista e o designer Pepo Ruiz Dorado reproduziraram cerca de 80 modelos do couturier espanhol, além de alguns outros de casas como Chanel e Dior.

Cena da série sobre Balenciaga, "Cristóbal Balenciaga", disponível na Disney+.

Cena da minissérie Cristóbal Balenciaga. Foto: Divulgação/Star+

A dupla teve o apoio do Museu Cristóbal Balenciaga, em Getaria (Espanha), cidade natal do estilista, do Museu de Moda de Paris e das marcas envolvidas na produção. O grupo Kering, detentor da Balenciaga, forneceu a maior parte dos materiais de pesquisa: arquivos, documentos, além de permitir que a equipe de Bina analisasse pessoalmente e fotografasse as roupas originais, mantidas em um acervo de localização sigilosa.

Outra dificuldade relatada pela figurinista foi com os tecidos. Os atuais são mais macios, leves e maleáveis do que os usados em meados do século 20. Como mostra a minissérie, o material perfeito era parte essencial das construções do costureiro. A solução foi garimpar os poucos metros vintage ainda disponíveis e acionar a mesma tecelagem usada pela maison para recriar versões o mais similares possíveis.

Os baphos

A série sobre Balenciaga também tem sua boa dose de drama, baphos e babados. A amizade complicada com Coco Chanel é assunto desde o primeiro episódio. Eles mantinham uma relação de admiração e respeito, com ocasionais troca de favores e suporte. O tempo fechou quando a mademoiselle criticou a homossexualidade do colega em entrevista ao Women’s Wear Daily.

Lembra que Cristóbal detestava quando sua vida pessoal virava manchete? Então… Daí a surpresa de todos quando o couturier, já aposentado, apareceu no velório da estilista, em 1971. E a fofoca veio da boca miúda de Hubert de Givenchy, pupilo de Cristóbal com todo um outro repertório de percalços.

Cena da série sobre Balenciaga, "Cristóbal Balenciaga", disponível na Disney+.

Cena da minissérie Cristóbal Balenciaga. Foto: Divulgação/Star+

Quando Christian Dior surgiu na alta-costura parisiense, Balenciaga ficou incomodadíssimo com o sucesso repentino. Achava seu estilo retrógrado, rebuscado demais, exagerado, um desperdício sem fim de tecidos. E era mesmo. Em uma exposição de 2022, no Fashion Institute of Technology de Nova York, dois vestidos de seda praticamente idênticos, um de cada estilista, foram dispostos lado a lado. O do francês pesava cerca de 4kg. O do espanhol, menos de 1kg.

No entanto, o New Look e as demais propostas de Dior eram o que as mulheres da elite francesa desejavam. A guerra havia recém-terminado e aquelas roupas eram o puro suco da nostalgia, o retorno de um glamour que lhes foi tirado.

Cena da série sobre Balenciaga, "Cristóbal Balenciaga", disponível na Disney+.

Cena da minissérie Cristóbal Balenciaga. Foto: Divulgação/Star+

Leia mais: Cristóbal Balenciaga, um espanhol em Paris

Apesar das rinhas, Chanel e Dior nunca negaram o talento de Cristóbal. Ela, avessa a elogios, afirmou que somente Balenciaga era um couturier no real sentido da palavra. Ele considerava o espanhol o mestre de todos nós: “A alta-costura é como uma orquestra, cujo condutor é Balenciaga, e nós, os músicos, seguimos as direções que ele nos dá”.

Maison Balenciaga sob ocupação nazista

Em 1940, Paris foi invadida pelo exército nazista e a França ficou submetida ao terceiro reich. Parte do plano para minar o poder econômico e a influência cultural dos franceses era transferir a alta-costura (o órgão organizador, os estilistas, os ateliês e os desfiles) para Berlim. 

Não aconteceu. Contudo, apenas marcas autorizadas pelo governo alemão puderam funcionar – e sob regras estritas quanto à origem dos tecidos, o número de modelos por coleção e os designs aprovados para venda. Os chapéus extravagantes, tão queridos de Cristóbal e desenhados por seu namorado, o aristocrata franco-polonês Wladzio Jaworowski d’Attainville, foram considerados incitação à rebelião e, portanto, proibidos. 

Cena da série sobre Balenciaga, "Cristóbal Balenciaga", disponível na Disney+.

Cena da minissérie Cristóbal Balenciaga. Foto: Divulgação/Star+

Ainda assim, a Maison Balenciaga foi uma das poucas que se manteve ativa sob o governo de Vichy. Alguns historiadores atribuem a permissão de funcionamento à relação do estilista com a família do general espanhol e aliado de Hitler, Francisco Franco. Sua esposa e filha, Carmen Polo e Carmen Franco, respectivamente, eram clientes da casa. Em 1972, já afastado da moda, Balenciaga aceitou o convite para fazer o vestido de noiva da neta do ditador, Carmen Martínez-Bordiú.

Durante o período da ocupação, seu ateliê vestiu um número considerável de mulheres casadas ou ligadas a oficiais nazistas. Ao final da Segunda Guerra, a marca estava em condições financeiras invejáveis. Não há registros de qualquer depoimento de Balenciaga a favor nem contra os nazistas. A série mantém neutralidade fiel aoo protagonista, com algumas licenças poéticas abertas a interpretações.

Mais do que isso é spoiler.

Leia mais: Entendendo a polêmica em torno das campanhas da Balenciaga

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