Concorrente de O agente secreto, Valor sentimental é um drama familiar universal
Elenco do filme de Joachim Trier, que inclui Stellan Skarsgaard e Elle Fanning, conversou com a ELLE.
Com a estreia de Valor sentimental, de Joachim Trier (A pior pessoa do mundo, de 2021), nesta quinta-feira (25.12), os brasileiros podem finalmente conhecer um dos principais concorrentes de O agente secreto nas disputas cinematográficas deste ano.
Desde o Festival de Cannes, em maio, o filme de Kleber Mendonça Filho enfrenta dois concorrentes de peso: Foi apenas um acidente, do iraniano Jafar Panahi, que saiu com a Palma de Ouro e já entrou em cartaz no Brasil, e o longa-metragem norueguês, vencedor do Grande Prêmio do Júri, uma espécie de segundo lugar. O brasileiro levou dois troféus na competição principal: direção e ator (para Wagner Moura).
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Os três enfrentam-se novamente na disputa de melhor filme em língua não-inglesa e melhor filme dramático no Globo de Ouro, em 11 de janeiro, e devem repetir a competição pelo menos na categoria melhor filme internacional no Oscar.
Valor sentimental, que concorre a oito Globos de Ouro, está cotadíssimo para entrar em diversas outras categorias do Oscar, incluindo filme, atriz (Renate Reinsve), ator coadjuvante (Stellan Skarsgaard) e atriz coadjuvante (Elle Fanning e Inga Ibsdotter Lilleaas).
Drama universal
O longa-metragem tem a vantagem de ser um drama familiar de fácil identificação, que se passa na Noruega e, salvo uma diferença cultural ou outra, poderia ser em qualquer lugar do mundo.
Valor sentimental é a história de duas irmãs que lidam de maneiras diferentes com o retorno do pai, Gustav (Stellan), um cineasta que abandonou as duas e voltou para seu país natal, a Suécia. Agora, ele quer filmar na casa de sua família, onde a atriz Nora (Renate) e a historiadora Agnes (Inga) foram criadas pela mãe, que acaba de morrer. Nora não quer nenhum tipo de aproximação e recusa o papel que Gustav lhe oferece – ele acaba escolhendo a atriz estadunidense Rachel Kemp (Elle) em seu lugar. Agnes, que é casada e tem um filho, enxerga o pai e suas faltas com menos rancor.
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Stellan Skarsgård e Renate Reinsve, pai e filha no filme Foto: Kasper Tuxen
Pai de oito filhos, vários deles na mesma profissão, como Alexander (Big little lies) e Bill (It: A coisa), Stellan disse ser inevitável avaliar suas atitudes como pai ao fazer um filme desses. “Trabalho cerca de quatro meses por ano, o que significa oito meses trocando fraldas”, disse o ator em entrevista com a participação da ELLE. “Passei tempo com eles, mas estava realmente presente? Sinto que às vezes estava preocupado com a cozinha e não os ouvi. Ou estava pensando sobre algum personagem. Cada um dos oito tem necessidades muito diferentes. Alguns precisam de atenção, outros, não. E você sabe disso. Mas ninguém consegue ser um pai perfeito.”
Como a história toma forma
Joachim Trier sempre escreve seus roteiros com seu amigo de adolescência, Eskil Vogt. “Nós encontramos um método: aceitamos quanto somos pouco profissionais. Somos amigos em primeiro lugar, e colaboradores em segundo”, disse Vogt. “Discutimos temas, falamos sobre a vida, ouvimos música, conversamos sobre cinema. E dessa conversa permanente entre dois amigos acabam surgindo os filmes que queremos fazer.”
No caso de Valor sentimental, a vontade era de falar sobre as coisas não ditas, os silêncios que se tornam abismos nas famílias, a impossibilidade de dizer o que você realmente sente e pensa, mesmo quando existe alguma comunicação. “Muitas vezes você acha outras maneiras de se comunicar, seja usando outra pessoa, ou, no caso de Gustav, por meio de sua arte”, disse Trier.
“Trabalho cerca de quatro meses por ano, o que significa oito meses trocando fraldas” Stellan Skarsgaard
O cinema tem o poder de justamente tratar de temas espinhosos. “Mas não quer dizer que acredite que um filme resolva as coisas e deixe tudo maravilhoso. Nós continuamos a lidar com nossas questões. É muito bom, porém, estar com um grupo de pessoas e fazer algo que parece tratar de algo pessoal.”
Renate acredita que, em A pior pessoa do mundo e Valor sentimental, há uma conexão das pessoas que trabalharam juntas nos filmes que se transfere para quem assiste. “Não dá para entender direito, é algo do subconsciente. As conversas que tivemos no set acabam sendo discussões que afetam o espectador, porque é algo autêntico. Não necessariamente são as mesmas experiências, mas há algo coletivo nessas conversas com o público, que se sente movido pelo filme de alguma maneira. Acaba se tornando algo em comum entre nós e a audiência.”

Renate Reinsve e Inga Ibsdotter Lilleaas, irmãs no longa Foto: Kasper Tuxen
A casa da mãe, a história do pai
Ao elaborar o roteiro, Trier e Vogt queriam algo que ajudasse a colocar tudo em perspectiva, mostrando como a vida é curta para nos apegarmos a coisas pequenas e nos fecharmos à reconciliação. Enquanto isso, o diretor estava lidando com um problema familiar: sua mãe precisava vender uma casa que pertencia à sua família há muitos anos. E, no fim, uma residência acabou sendo a ferramenta perfeita para expor a passagem do tempo e um lugar como retentor de memórias. Curiosamente, é algo que também aparece em O agente secreto, com a sala de cinema e os filmes como marcadores de memória.
A casa também é um depósito de traumas intergeracionais, outro dos temas do filme. Agnes descobre em mais detalhes como a mãe de Gustav foi presa pelos nazistas por ser membro da resistência. “Meu avô era cineasta e músico. Ele foi aprisionado e sofreu muito durante a guerra, e sua maneira de lidar com isso e de se comunicar foi por meio da arte”, contou Trier. Ele teve acesso a informações sobre seu avô, como seu cartão de prisão. “Temos de nos esquecer de certas coisas para seguir em frente, mas, ao mesmo tempo, precisamos lembrar do passado, tanto coletivo quanto individual. Essas foram discussões que tivemos também.”
“Joachim me conhece muito bem como atriz e como pessoa. Toda vez que converso com ele, aprendo algo sobre o mundo ou sobre mim mesma” Renate Reinsve
A participação dos atores
Trier e Vogt criaram a personagem Nora com Renate em mente. “É uma honra e aterrorizante”, disse a atriz. “Joachim me conhece muito bem como atriz e como pessoa. Toda vez que converso com ele, aprendo algo sobre o mundo ou sobre mim mesma. E isso tudo acabou influenciando Nora.”
No caso dos atores com quem nunca trabalhou, Trier precisa não apenas de talento, mas também saber se há confiança mútua, se têm como expressar as experiências humanas juntos. Depois de escolhidos, eles passam por um processo de ensaios que consiste mais em conversas e compartilhamento de sentimentos e experiências.
Elle Fanning sonhava em trabalhar com o diretor desde que viu A pior pessoa do mundo, mas sabia que era improvável conseguir, já que ele costuma filmar na Noruega e em norueguês. Quando soube do papel da atriz estadunidense, correu atrás. “Consegui me identificar com ela, mesmo não estando no mesmo ponto da carreira. Rachel está mais perdida e sente-se sem poder ou agência sobre suas escolhas.” Ela também contou que, antes de uma cena crucial de sua personagem, Trier veio ao seu trailer. “Como tínhamos conversado sobre coisas muito pessoais, ele sabia o que eu ia estar pensando durante aquela cena. Ele conseguiu orquestrar e extrair momentos perfeitos.”
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