Dior, inverno 2024 masculino

A cena final do desfile de inverno 2024 da Dior Men me lembrou um relógio: os modelos, como os pontos de hora; suas sombras, como os marcadores, e as estruturas circulares onde estavam, como os mostradores. As rotações em sentidos opostos, por outro lado, trouxeram a ideia de viagem no tempo, para frente, para trás, um vaivém entre passado e presente cheio de cruzamentos, encontros e desencontros.

Também podia ser uma caixa de música, daquelas com uma bailarina rodopiando no centro. A trilha era uma adaptação de “Dance of the Knights”, do balé Romeu e Julieta, de Sergei Prokofiev. Uma das versões mais celebradas da obra é interpretada pela dupla de bailarinos Margot Fonteyn e Rudolf Nureyev.

Dior Men, inverno 2024. Foto: Divulgação

E Kim Jones, diretor de criação da Dior Men, estava com a bailarina na cabeça quando começou a esboçar a coleção. Estava pensando na relação dela com Christian Dior – eles se conheceram em 1948, ela se apaixonou pela maison e virou cliente. 

Acontece que Nureyev, seu parceiro mais famoso, atingiu memórias afetivas intensas no estilista. Seu tio, o fotógrafo Colin Jones, também era bailarino, do Balé Real do Reino Unido inclusive. E algumas das fotos que mais marcaram a infância e adolescência de Kim eram de Rudolf, no palco e fora dele, em momentos de intimidade.

Dior Men, inverno 2024. Foto: Divulgação

O estilo, personalidade e excelência de movimentos de Nureyev já foram inspiração para muitos estilistas. Na Batalha de Versalhes, em 1973, foi dele uma das apresentações mais elogiadas. Em 1993, Yves Saint Laurent criou toda uma coleção baseada na vida e obra do amigo. Na temporada de inverno 2011, antes de sair para beber no La Perle, John Galliano dedicou ao dançarino sua última coleção masculina para sua marca homônima.

A leitura de Kim Jones difere das demais sensibilidade pela maneira que o britânico costura camadas de referências distintas: a história da maison em que trabalha, seu próprio estilo, o estilo de Nureyev, as fotografias do seu tio, suas lembranças e saudade dele (Colin Jones morreu em 2021) e mais um tanto de tendências.

Dior Men, inverno 2024. Foto: Divulgação

As tonalidades de marrom e bege que estão por toda a parte dominam a cartela de cores. Os tricôs canelados, os conjuntos de jeans com jeans, as calças de alfaiataria larga, cheias de movimento, e os casacos imponentes aparecem na maioria dos looks. Já a formalidade delicada e romântica, a entrelinha desta temporada, deixa a timidez de lado e dá o tom ao inverno 2024 da Dior Men.

Muito do que se viu na passarela vem das roupas ou maneiras de vestir que fizeram do bailarino russo um ícone de estilo. As blusas justas de tricô com decotes ou zíperes abertos e os shorts largos e curtos eram um uniforme nos bastidores, na vida real. Aqui, eles são de lã ou algodão, em cores neutras escuras, com aparência vintage, pontuados por detalhes em tons fluo e acompanhados de sapatos tipo sapatilha e meias 3/4.

Dior Men, inverno 2024. Foto: Divulgação

As faixas no cabelo e as camisetas amarradas na cabeça usadas pelo muso da coleção – e por vários outros bailarinos – são elementos essenciais ao styling. Dos figurinos, vemos blusas de seda com gola e mangas com babados, tops transparentes com bordados brilhantes (reproduções de bordados de alta-costura encontrados nos arquivos da maison) e calças amplas, algumas com plissados e drapeados.

Nureyev tinha ainda um gosto especial por robes, kaftans e quimonos de tecidos suntuosos. Na parte final da apresentação, alguns desses itens, feitos manualmente, representam essa faceta extravagante do seu estilo. 

Dior Men, inverno 2024. Foto: Divulgação

Um dos quimonos, o prata com recortes em tons de joias, levou três meses para ser concluído. O modelo, inspirado numa peça original do dançarino, foi feito por 10 artesãos japoneses, mestres na técnica de tecelagem hikihaku, que combina fios de tecido com metais preciosos como ouro, prata e platina. 

A peça compõe um dos 20 looks finais – que, na verdade, é uma segunda coleção: a primeira masculina de alta-costura da Dior.

Dior Men, inverno 2024. Foto: Divulgação

Kim Jones trabalha com elementos da alta-costura da marca já faz algumas estações. Uma porção importante do seu processo criativo acontece nos arquivos da grife, pesquisando, analisando e estudando como roupas, bordados, tecidos, silhuetas e modelagens de criações passadas podem se tornar presentes.

Suas referências preferidas atualmente datam de 1958 a 1960. Foi nessa época que Yves Saint Laurent comandou a casa, após a morte do fundador. O inverno 2023 da Dior Men foi inspirado no primeiro desfile do então novo diretor de criação. O de agora olha com atenção para a alfaiataria do estilista indicado por Monsieur Dior como seu sucessor.

Dior Men, inverno 2024. Foto: Divulgação

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As blusas retas com aberturas na barra, as jaquetas entreabertas como decotes ombro a ombro, as calças plissadas, as jaquetas com volumes delicados são releituras de modelos criados por Saint Laurent. De Christian Dior em si, Kim Jones trabalha com o terno oblíquo, com fechamento simples e deslocado para a lateral do corpo, transpassado de forma envolvente para destacar os ombros e afunilar a cintura.

Quando Kim Jones começou a mergulhar nos arquivos da couture, a proposta era trabalhar uma representação de masculinidade delicada, romântica, menos engessada em estereótipos antigos . O que muda na alta-costura real/oficial? A feitura (manual), os materiais (tecidos de altíssima qualidade, couros nobres e diamantes) e a oferta (limitada e sob encomenda).

Dior Men, inverno 2024. Foto: Divulgação

E mudou a economia também. Com o consumo de luxo em desaceleração desde o início do ano passado, a aposta das grandes marcas é nos consumidores imunes à inflação, instabilidades financeiras e desarranjos sociopolíticos (os super-ricos). 

A Valentino, sob direção criativa de Pierpaolo Piccioli, foi quem saiu na frente. Demna engrossou o coro com o primeiro desfile couture da Balenciaga em 53 anos (não eram poucos os looks masculinos). Sem alarde – às vezes, sem comunicação até – outras marcas ampliaram seus serviços de sob-medida. 

Dada a situação do mundo, pode-se dar por certo que essa lista só vai crescer.

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