MFW: Bottega Veneta inverno 2024
Nos últimos momentos da semana de moda de Milão, o diretor de criação Matthieu Blazy apresenta sua coleção mais bem resolvida para a Bottega Veneta.
A coleção de inverno 2024 da Bottega Veneta é a mais bem resolvida desde que Matthieu Blazy assumiu a direção criativa da marca dois anos atrás. O desfile, no entanto, não é lá grande coisa. Mas isso é um sintoma da nossa paciência reduzida (ou inexistente) e obsessão por qualquer coisa aparentemente nova – mesmo que de mentirinha.
É importante frisar a diferença entre coleção e desfile. A primeira é o conjunto de roupas produzidas para uma determinada estação. O segundo é a maneira como se apresenta aquelas peças. É bem comum um desfile ser espetacular e a coleção, o completo oposto. E vice-versa.
Nesta temporada, Matthieu Blazy falou um monte para dizer a mesma coisa, a mesma ideia aplicada à sua primeira coleção para a casa (a de inverno 2022). Não é mera coincidência a retórica esvaziada de sentido geral dos textos institucionais sobre as novas coleções das marcas do grupo Kering.
Bottega Veneta, inverno 2024. Foto: Getty Images
Bottega Veneta, inverno 2024. Foto: Getty Images
Bottega Veneta, inverno 2024. Foto: Getty Images
Sobre o inverno 2024 da Bottega Veneta, o release afirma que “o embelezamento é reduzido ao mínimo, às vezes utilizando uma simplicidade proposital, inspirada nas raízes da Bottega Veneta pre-intrecciato”. (Intrecciato é a trama de couro que virou emblema da etiqueta.)
No mesmo texto, o diretor criativo fala sobre sua vontade de imprimir um tipo de fascínio por meio da confiança no pragmatismo e funcionalidade das roupas. É aquela história da valorização do design na sua pura essência resolvedora de problemas. E, no caso, conectado à herança da marca.
A mensagem e intuito do discurso não difere das falas do diretor de criação Sabato De Sarno sobre sua segunda coleção para Gucci – que é essencialmente uma extensão da primeira. E dá-lhe exaltação dos clássicos, hits, excelência de materiais, primor das manualidades.
As roupas do inverno 2024 da Gucci são lindíssimas, vão vender a rodo, mesmo com os três dígitos de boa parte dos preços. Já o desfile não emociona em nada. Não dá vontade de arrancar o que se está vestindo para colocar o que está na passarela. Rola esperar tranquilamente os seis meses até a chegada nas lojas.
A moda está descompassada – quem não está. De um lado, tem a demanda por novidades a todo momento, nada dura mais do que algumas horas. Do outro, tem mercado precavido, morrendo de medo de qualquer crise e com pavor de riscos. Daí a conversa sobre história, herança, clássicos atemporais. Só que para ser perene e não ter prazo de validade, não dá para ser inovador ou mudar de aparência a cada minuto.
O grupo Kering, especialmente, anda bem mal das pernas. Ingerências, negligências, lentidão e resistência para se adequar às novas demandas do mercado derrubaram as vendas do conglomerado inteiro. Não teve uma marca (Gucci, Saint Laurent, Bottega Veneta, Alexander McQueen, Balenciaga, entre outras) que fechou bem o ano fiscal de 2023.
Bottega Veneta, inverno 2024. Foto: Getty Images
Bottega Veneta, inverno 2024. Foto: Getty Images
Bottega Veneta, inverno 2024. Foto: Getty Images
Ou seja, a pressão não é pouca. Nem por isso, no entanto, uma coleção precisa ser apática ou carente de inovações. No inverno 2024 da Bottega, Matthieu Blazy usa a rosa do deserto para justificar o cenário árido e sugestivamente western.
A flor serve de metáfora para falar de renascimento. “A gente assiste às mesmas notícias. É difícil comemorar neste momento. Ainda assim, a ideia de renascimento é linda. Essas são as flores que desabrocham depois que a terra é queimada – elas dão uma sensação de esperança”, disse o estilista.
Daí, vêm as estampas abstratas das saias longas combinadas a camisas lisas e os vestidos alongados, próximos ao corpo, com uma profusão de tiras de couro nas barras. A intenção é simular o movimento das pétalas ao vento e imitar o desenho do cacto esguio com o volume floral nas suas extremidades.
Bottega Veneta, inverno 2024. Foto: Getty Images
Bottega Veneta, inverno 2024. Foto: Getty Images
Bottega Veneta, inverno 2024. Foto: Getty Images
O fogo e a cobra são outras figuras de linguagem utilizadas para representar o renascer. As chamas aparecem em prints abstratos, como o da rosa, e em conjuntos de blusa e saia com tiras de tecidos sobrepostas que se movimentam como labaredas. Já a cobra empresta a textura de sua pele para algumas padronagens e acessórios.
Tudo muito bonito, muito poético. Porém, o que importa é perceber a evolução da proposta inicial de Matthieu Blazy: tornar o básico, o cotidiano e até o banal, em algo especial e luxuoso.
Desde que assumiu a direção criativa da Bottega, ele faz isso investindo pesado no artesanato, que está na base do que a marca representa de melhor, e em processos tecnológicos mais avançados.
Bottega Veneta, inverno 2024. Foto: Getty Images
Bottega Veneta, inverno 2024. Foto: Getty Images
Bottega Veneta, inverno 2024. Foto: Getty Images
Lembra da calça jeans que não é de jeans, é de couro? Da camisa xadrez de algodão, só que não, não é de algodão, é de couro também? Então, é isso, mais um monte de texturas e maquetes têxteis (combinação de fios, tramas e técnicas distintas para criar um tecido meio que exclusivo, só seu).
Contudo, só o básico de todo dia com materiais sofisticados, feito à mão ou com técnicas inovadoras seria chato pacas. Zero desejo. Por isso, as alterações de corte, modelagem e, por consequência, de proporção e silhueta. São essas modificações sutis, embora poderosas, as responsáveis por dar uma cara atual e fresca para coisa toda.
O problema é que Matthieu, dedicado que é, se empolgava demais com a parte técnica, um pouco obsessivamente até. Algumas roupas, apesar de belas, acabavam pesadas demais (material e visualmente) e, sobretudo, carentes do senso de naturalidade sem esforço tão associado à identidade da Bottega Veneta.
Bottega Veneta, inverno 2024. Foto: Getty Images
Bottega Veneta, inverno 2024. Foto: Getty Images
Bottega Veneta, inverno 2024. Foto: Getty Images
Essa é uma crítica recorrente ao trabalho do estilista na marca. E parece que só agora, com a coleção de inverno 2024, ela começa a ser assimilada e solucionada – ainda que não totalmente, vide as saias com tiras de couro, as golas rígidas de tricôs e outras palhaçadinhas sem sentido.
Sabe a vontade de dar às roupas um senso de confiança e fascínio com pragmatismo? Então, na prática é sobre dar ferramentas às pessoas que usam a moda para facilitar ou ajudar nas tarefas e atividades do dia.
Como o próprio estilista disse: “É uma roupa para pessoas que têm aonde ir, tem o que fazer”. Imagino que posar para fotos e selfies nas redes sociais não é o tipo de atividade a que o estilista se refere.
Bottega Veneta, inverno 2024. Foto: Getty Images
Bottega Veneta, inverno 2024. Foto: Getty Images
Bottega Veneta, inverno 2024. Foto: Getty Images
Para isso Matthieu subtraiu, reduziu, simplificou de um tudo. As decorações são poucas. Salvo umas joias aqui e ali, elas estão na própria roupa, no corte, na trama, no tecido. São drapeados, pregas, estruturas rígidas, texturas e algumas estampas.
Bolsas e sapatos chegam controladas nas formas para melhor funcionalidade dos acessórios. As texturas mil das coleções anteriores, agora, estão discretas, delicadas, mas não menos valiosas e desprovidas do trabalho manual de excelência da Bottega.
Vale o mesmo para os volumes e construções ousadas, outrora exagerados e performáticos demais. O que não significa que só tem básicos e clássicos sem sal neste inverno 2024.
As alterações na silhueta, no corte e na proporção têm objetivo, razão de ser. É como se nem quisessem aparecer para foto, só melhor a sensação quem veste aquela peça.
E isso é bem maravilhoso de ver. Desejável nem se fala. É também a mais pura e primordial essência da Bottega Veneta. Agora atualizada.
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