No ano passado, o lançamento da marca homônima de Phoebe Philo gerou discussões sobre os preços das peças à venda. Eles variavam entre 450 dólares por um par de óculos de sol e 25 mil por um casaco. É muito dinheiro, isso não se discute. Porém os valores não são tão diferentes dos cobrados por outras grifes, como Bottega Veneta, Chanel e Prada. Na verdade, são bem equivalentes.
É, caro leitor, a notícia não é boa. A escalada de preços é real. Segundo uma pesquisa da consultoria de análise de dados Edit, os valores de artigos de luxo só aumentam desde 2019. Em 2022, a alta superou as médias dos últimos quatro anos, um salto de 25%. Produtos cada vez mais caros, além de uma realidade, são uma tendência – e com chances de durar até 2025, pelo menos.
As causas da inflação fashionista são complexas e têm muitas ramificações, várias camadas. Passam pela escassez e exclusividade essenciais ao conceito de luxo, pelas estruturas de demarcação social, em especial status, elitismo e divisão de classes, até por searas práticas, como marketing e varejo.
Gucci, verão 2024. Foto: Divulgação
No entanto, quem dita as regras do jogo, como diz o ditado, é a economia, bobinho. Por isso, para entender o que está acontecendo, precisamos falar sobre a relação entre moda e sistema financeiro – que andam de mãos dadas desde sempre, com variações na intensidade desse relacionamento.
Que, nos últimos tempos, como todos podemos perceber, anda bem quente, vide a dança das cadeiras dos diretores criativos nas grandes maisons – na maioria das vezes, impulsionada pelo desejo de CEOs de aumentar as vendas –, a oferta de produtos colocada no mercado – pense no quiet luxury e em seus filhotes com preços inflados – e até os formatos de apresentação.
A seguir, explicamos de maneira fácil e didática como e por que tudo isso vem acontecendo. Vem com a gente.
Moda S/A
Para começo de conversa, é importante entender como é a estrutura de grandes empresas e marcas de moda. Boa parte delas – quase todas – é comandada por grupos de acionistas ou investidores privados. São essas pessoas (físicas e/ou jurídicas) que financiam e decidem os rumos do negócio.
Nem todos os acionistas e investidores trabalham diretamente na companhia em que colocaram dinheiro. É comum que um conselho nomeie um CEO para tocar o dia a dia da firma. Mas também acontece de o ser humano com o maior número de ações ou porcentagem societária ocupar o cargo de chefia executiva. É o caso de Bernard Arnault, presidente e CEO da LVMH.
Como nem todos os donos do dinheiro estão presentes, empresas desse tipo fazem relatórios sobre as receitas e despesas a cada três meses. A divulgação e a análise desses resultados financeiros trimestrais são consideradas fundamentais para garantir a transparência, facilitar a tomada de decisões, informar e manter os acionistas atualizados sobre o desempenho financeiro do negócio.
Imagina que você é investidor ou acionista de uma marca de moda. Aí, nos primeiros três meses do ano, aparece no relatório que as vendas caíram. Você investiga o problema e descobre que a baixa foi devido à demora na entrega de roupas às lojas. Com essa informação, você pode colocar mais dinheiro na empresa para que equipes, processos e infraestruturas de transporte e logísticas sejam incrementados.
A ação a curto prazo não é a única vantagem. Com base na evolução dos dados, é possível antecipar percalços e prever oportunidades futuras. Embora o futuro, aqui, seja quase sempre o dia seguinte – às vezes, o próprio presente. Falaremos sobre isso mais adiante.
Vamos aos exemplos práticos
Lá por meados de outubro e começo de novembro, as empresas de moda divulgam os resultados financeiros referentes aos meses de julho, agosto e setembro, junto a um panorama dos nove meses daquele ano.
Em 2023, a divisão de moda e acessórios da LVMH, da qual fazem parte marcas como Louis Vuitton, Dior, Fendi e Loewe, vendeu 9,75 bilhões de euros naqueles três meses, 9% a mais do que em 2022.
Ilustração: Gustavo Balducci
Uma das poucas grifes não vinculadas a um grupo ou fundo de investimento, a Hermès cresceu 16% – uma das maiores taxas de todo o mercado de luxo. No terceiro trimestre do ano passado, a casa francesa vendeu 3,365 bilhões de euros.
Já na Kering, dona de Gucci, Saint Laurent e Bottega Veneta, entre outras, a taxa de crescimento no período foi negativa, -13%, com a receita de 4,46 bilhões de euros.
Os resultados são bons?
Fora a Kering, dá para dizer que sim. Quase todos fecharam no azul e ainda cresceram. Para o balanço geral, não divulgado até o fechamento desta matéria, a previsão da consultoria Bain & Co. para o mercado de bens de luxo é de crescimento de 4% em relação a 2022, com o total de 390 bilhões de dólares.
Então por que os preços subiram? Apesar dos resultados positivos, o crescimento está bem menor e mais lento do que nos mesmos períodos dos dois últimos anos. De acordo com pesquisa da Edit, entre de 65 e 70% das marcas de luxo tiveram resultados positivos em 2023. A parcela é consideravelmente mais baixa do que os 95% de 2022.
O que rolou?
Rolou, ou melhor, está rolando menos dinheiro, menos gente comprando produtos de luxo.
Por quê? O que mudou?
O humor das pessoas, o bolso delas, o mundo e, de novo, a economia, bobinho.
A partir de meados de 2021, conforme as vacinas permitiam a retomada das atividades sociais, começou uma corrida maluca, hedonista e fashionista. Resultado: um boom do consumo autoindulgente, “revenge shopping” e por aí vai. Foram anos realmente loucos. Até que a realidade deu um banho de água fria na euforia pós-pandêmica.
Pensando na venda de relógios de luxo como um termômetro, a economista e professora da FGV Carla Beni diz que os preços chegaram a subir duas vezes ao ano, tanto em 2021 quanto 2022, tamanha a demanda. Agora, tem até estoque de relógios suíços esperando comprador.
“Quando você tem um período de um boom muito grande, esse crescimento exige toda uma estrutura de fabricação, de produção, de logística. A própria indústria passa a normalizar esse patamar de vendas, que é distorcido.” – Carla Beni, economista e professora da FGV
A água na bunda, o choque de realidade, a ressaca é uma soma de fatores. Um dos principais é a inflação, que deixou o custo de vida de muita gente bem mais alto – e sofrido. Inclusive em mercados importantes, como o estadunidense (o maior comprador de bens de luxo) e o europeu.
E o vilão da história já foi mocinho. Foi um herói importantíssimo no combate aos impactos da covid-19 na economia e sociedade: o auxílio econômico emergencial.
É um assunto bem complexo. Condições econômicas, no geral, são multifacetadas e variam de um país para outro. Ou seja, não há explicação definitiva para as reações de causa e efeito entre as políticas de auxílio econômico durante a pandemia e a alta da inflação. O que há são traços comuns.
Com mais dinheiro no bolso (graças aos estímulos governamentais) e menos gastos (já que não dava para sair nem fazer muita coisa), muita gente aproveitou a situação para fazer compras. Acontece que a demanda superou a capacidade de oferta. E aí é aquela regra básica: para frear o consumo e equilibrar a equação comercial, sobem os preços.
Foto da exposição Gabrielle Chanel – Fashion Manifesto, no Victoria and Albert Museum, em Londres. Foto: Divulgação
Além de atrasar e interromper a produção, as medidas sanitárias encareceram algumas operações, insumos e matérias-primas. Somado à redução de mão de obra disponível, o cenário fez com que muitos produtores/vendedores não tivessem outra alternativa senão repassar o custo para o consumidor, parcial ou totalmente.
Outro BO é a desvalorização da moeda. Se um governo imprimir dinheiro demais para financiar os auxílios econômicos, o valor da moeda pode cair. E uma moeda fraca é sinônimo de preços mais salgados para os bens importados.
Na China, outro grande consumidor de luxo, as políticas de covid zero retardaram a retomada econômica e jogaram as receitas das empresas que operam por lá abismo abaixo. Para piorar, uma crise imobiliária no mercado financeiro local se instalou. Algo mais ou menos similar ao que aconteceu nas bolsas dos EUA entre 2007 e 2008. Apesar da aparente normalização, tem muito dono de dinheiro segurando investimento no país. Resultado: confiança do consumidor reduzida, compras idem.
E não vamos nos esquecer das duas guerras com impacto mundial em curso, da eleição presidencial nos EUA, do caos climático e das incertezas políticas em algumas regiões do planeta.
Sem conseguir vislumbrar um futuro e com o dinheiro valendo menos, é natural que as pessoas prefiram ser cautelosas com o que compram. Se é que compram.
E daí?
Daí que menos dinheiro entrando é igual a mais pressão dos investidores por melhores resultados e lançamentos certeiros. O que cria a necessidade de adequar toda a cadeia de produção à nova realidade. Em tempos de escassez, as prioridades são outras. Liberdade criativa, por exemplo, agora não tem vez.
“Quando você tem um período de um boom muito grande, que não se esperava, esse crescimento exige toda uma estrutura de fabricação, de produção, de logística. Você começa a ampliar a sua produção, vai contratando gente, comprando mais máquinas, aumentando o turno”, explica Carla Beni. “A própria indústria passa a normalizar esse patamar de vendas, que é distorcido. Então, quando aquilo começa a retrair, há um movimento de pânico.”
Os sinais do mercado de bens de luxo são justamente sobre essa retração: depois de vender muito, a níveis estratosféricos, chegou a hora de voltar para Terra, pôr os pés no chão. É um ajuste doloroso.
Por isso, vimos uma sequência de demissões e contratações de diretores criativos. A dança das cadeiras da vez tem mais a ver com o controle e a redução de danos do que com o reconhecimento e a abertura de portas para novos estilistas. Foi-se o tempo dos criadores de personalidade forte, estilo marcante e visão singular.
Bottega Veneta, verão 2024.
Foto: Getty Images
Em entrevista ao The Business of Fashion, o CEO interino da Kering, Jean-Marc Duplaix, disse: “Tivemos alguns clientes absolutamente apaixonados pela visão de Alessandro Michele, mas a maior parte deles compra produtos Gucci, não produtos Alessandro (Michele) ou Sabato De Sarno ou Frida Giannini. É isto que pretendemos: que as pessoas comprem produtos Gucci porque amam a marca”.
Tal pensamento já é quase regra – basta observar a falta de novidade e repetição nas passarelas e nas lojas. Trata-se de um movimento cíclico entre criatividade e negócios na indústria da moda: quanto mais dinheiro rodando, mais espaço para o novo. Quanto menos dinheiro, menores as apostas.
“O balanço entre pressão por resultado e inovação é uma discussão sempre presente. Se você usar uma lente mais conservadora, a inovação gera grandes riscos. Mas, ao gerar riscos, você pode ter muito resultado depois”, explica Leandro Valiati, professor de indústrias culturais e criativas da University of Manchester, Inglaterra. “Quando você tem muita aversão a risco, fica mais difícil encontrar soluções para a crise que não sejam simplesmente cortar custos.”
É quiet luxury ou contenção de gastos?
Depende do ponto de vista. Do consumidor, é uma compra mais justificável ou funcional. Já que é para desembolsar dinheiro, que seja com algo de vida útil estendida e capaz de transitar por sei lá quantas situações. Das marcas, é uma maneira de garantir fluxo de caixa e reduzir danos.
“Há um movimento de comprar menos e melhor. A questão interessante é que não se trata de volume: você quer a peça icônica. É aquele relógio específico, não qualquer um da marca”, fala Carla Beni. “Em nenhuma análise que vi, há a menção à moda do momento. Agora o movimento é o do clássico, do modelo emblemático e consolidado”, atesta a economista.
Na prática…
As quedas nas taxas de crescimento não são uma surpresa. Todo mundo já sabia da desaceleração do consumo de luxo. Poucos, porém, imaginavam a velocidade e intensidade dessa queda. Por isso, alguns, mais em sintonia com o novo perfil consumidor, se deram melhor.
A LVMH, por exemplo, vem reforçando o viés histórico e clássico de suas principais marcas há tempos. A oferta de produtos de quase todas as marcas do grupo ficou menos ousada e mais contida faz umas três temporadas.
O sucesso comercial da Prada, com roupas de aparência simples, livre de excessos e essencialmente práticas, também entra nessa onda. O melhor exemplo, porém, é o da Hermès. Desde sempre focada numa experiência e em produtos de luxo resistentes ao vaivém das tendências, ela foi a grife menos impactada pelas mudanças socioeconômicas.
“Além das condições macroeconômicas desafiantes e da redução da procura em toda a indústria do luxo, o desempenho da nossa receita no terceiro trimestre reflete o impacto de nossas decisões de elevar ainda mais nossas marcas e sua distribuição.” – François-Henri Pinault, presidente e CEO da Kering
Na Kering, o buraco é mais embaixo por uma série de motivos. O principal deles foi a demora e a insistência em tomar medidas mais firmes ante sinais de mudanças no mercado. Segundo reportagem do Financial Times, analistas e investidores pediam a substituição de Alessandro Michele um ano antes da saída do então diretor criativo da Gucci.
Em fase de reestruturação, a casa italiana foi a principal responsável pelo tombo na receita (a marca responde por quase dois terços dela). A taxa de crescimento foi negativa, -14%, com o total de 2,217 bilhões de euros.
Outra surpresa veio da Saint Laurent, que registrou 768 milhões de euros em vendas, -16% em comparação ao mesmo período de 2022. Na Bottega Veneta, a retração foi de -13%, e nas demais etiquetas (Balenciaga, Alexander McQueen e Brioni), -19%.
A Balenciaga ainda está lutando para se recuperar após o escândalo das campanhas no fim de 2022. A Bottega, apesar do sucesso de crítica, ainda não decolou nas lojas. Na Saint Laurent, o foco em acessórios de couro destinados a consumidores mais jovens foi insistente e longo demais.
Situação parecida aconteceu com a Gucci. Entre 2015 e 2019, a marca italiana cresceu cerca de 30% ao ano, uma média ligeiramente acima da concorrência. Nos anos seguintes, a taxa despencou para abaixo de zero.
“Essa obsessão pelo resultado, diminuindo seu prazo de entrega, é um dos componentes que fazem com que se tomem medidas apressadas e se incorram em erros estratégicos.” – Carla Beni
Rolou a pandemia, o mundo virou de cabeça para baixo, o gosto e as prioridades das pessoas mudaram. Ainda assim, quando as coisas pareciam voltar ao que eram, lá por 2021, boa parte do setor de luxo teve 20% mais vendas do que em 2019. Menos a Gucci. Foi necessário um esforço tremendo só para chegar ao patamar pré-covid.
As explicações vão desde o cansaço e desinteresse do público pela estética e estilo de Michele até a falta de atenção aos clientes mais velhos, avessos às loucurinhas do estilista e carentes de experiências e produtos realmente exclusivos.
O que isso tem a ver com os preços exorbitantes?
“Além das condições macroeconômicas desafiantes e da redução da procura em toda a indústria do luxo, o desempenho da nossa receita no terceiro trimestre reflete o impacto de nossas decisões de elevar ainda mais nossas marcas e sua distribuição”, escreveu François-Henri Pinault, presidente e CEO da Kering, em comunicado sobre os resultados financeiros do terceiro trimestre de 2023.
Meio que tardiamente, a Kering colocou em prática um plano não muito diferente de seus competidores – da Phoebe Philo, inclusive. No fundo, é o fundamento do conceito de luxo: a escassez. Especialmente na Gucci, as vendas para o atacado foram reduzidas de maneira expressiva. O que explica o declínio acentuado na receita – afinal, vende-se menos.
Dior Men, verão 2024. Foto: Getty Images
A ideia é ter maior controle sobre a quantidade de produtos disponíveis e o preço pelos quais são vendidos. A Hermès tem uma lista de espera gigantesca para as bolsas Birkin e Kelly. Que a demanda superou a oferta (leve em consideração o tempo e a mão de obra necessários para a produção manual de cada peça), é difícil contestar. Menos ainda o fato de que a raridade desses itens gera mais desejo e disposição para pagar por eles.
Um bom planejamento de lançamentos, alinhamento entre a área comercial e a criação e uma equipe de vendas bem treinada para fazer clientes gastarem com outros produtos, enquanto esperam pelo que não está ao alcance imediato, explicam o crescimento acima da média da casa francesa.
Mas não é só isso.
Quem dá mais?
O boom de vendas nos primeiros anos da década de 2020 pós-vacina, o tal “anos loucos do século 21”, partiu do que o mercado de luxo chama de consumidores aspiracionais. São pessoas que não vão comprar o look mais caro do desfile, muito menos um vestido de alta-costura. O que interessa são os acessórios, o drop do momento, aquele moletom de uma collab, a bolsa que todo mundo quer e está usando.
Acontece que, num cenário econômico e social complicado globalmente, esse nicho de consumidor sente bem a pressão dos boletos e logo fecha a carteira.
Segundo uma análise da consultoria de investimentos Sanford C. Bernstein, os super-ricos, aquele 1%, respondem por um quarto das vendas das grandes marcas de luxo. Elas compram mais de 20 vezes no ano. E adivinha? Eles não estão nada interessados no que todo mundo quer. Pelo contrário. Lembra dos problemas da Gucci? Então, ignorar essa clientela foi um deles.
“Em que medida a gente pode olhar para a criatividade não só como o ato de criar, do ponto de vista individual, mas também como pensar em novos circuitos, como uma moda mais sustentável, aberta a maior heterogeneidade em relação a culturas locais?” – Leandro Valiati, professor de indústrias culturais e criativas da University of Manchester
Cortam-se tendências, engajamento, discurso e posicionamento sociopolítico, polêmicas, viralizações. O que importa é a qualidade máxima. Afinal, como você se diferencia para esse nicho de consumidor? Se valorizando, se distanciando das massas, tornando-se escasso, exclusivo, para poucos.
Sabe a história das roupas com aparência simples e design de excelência? Aquelas só para quem entende? Na real, é mais só para quem pode comprá-las.
Climão
A consultoria internacional McKinsey fez uma pesquisa com lideranças da indústria da moda para entender o que se espera do próximo ano. E o principal sentimento da turma para 2024 é a incerteza. O crescimento econômico, a geopolítica, a inflação, a confiança do consumidor… Tudo está um pouco nebuloso.
E tem mais uma coisa nessa lista, que é o principal desafio de acordo com os executivos: as mudanças climáticas. Com tantos eventos extremos acontecendo, vem crescendo a demanda por práticas ESG, por descarbonização e por uma maior resiliência das supply chains (que ficam expostas às intempéries), o que exige uma transformação geral de… Tudo, né?
A indústria parece estar aguardando grandes mudanças em termos de regulamentação governamental e pressões acionárias e sociais, o que promete uma boa sacudida nos jeitos de fazer negócios – e no crescimento – das empresas de moda. Pode, inclusive, mudar os hábitos de consumo de moda a médio e longo prazos.
Essa transformação pode ser um momento propício para cogitarmos sair, quem sabe, talvez!, da ditadura dos resultados trimestrais, que são tão duros com a criatividade. Hoje, se uma novidade não fizer sucesso em três meses, ela vira praticamente um fracasso. Se um estilista não decola em três temporadas, passemos ao próximo.
“Essa obsessão pelo resultado, diminuindo seu prazo de entrega, é um dos componentes que fazem com que se tomem medidas apressadas e se incorram em erros estratégicos. Há que se mudar a cabeça do investidor para uma trajetória de longo prazo”, avalia Carla. Uma divulgação anual seria o ideal, de acordo com ela.
Mexer na análise de resultados mexeria também em todo o sistema em que os grandes conglomerados de moda estão inseridos, criando uma cascata de impactos. “Em que medida a gente pode olhar para a criatividade não só como o ato de criar, do ponto de vista individual, mas também como pensar em novos circuitos, como uma moda mais sustentável, aberta a maior heterogeneidade em relação a culturas locais?”, questiona Leandro. “Esse espaço de criatividade está absolutamente bloqueado pela necessidade urgente do mercado de produzir resultados de curtíssimo prazo.”
Divulgados de três em três meses, números em uma planilha concentram mais do que vendas, perdas, lucros. Representam arte, desejos, necessidades, aspirações. Ou a falta deles. E também uma imensidade de matéria-prima e força de trabalho espalhada pelo mundo. Tudo naquelas linhas, que precisam estar positivas a cada 90 dias. “Quanto mais tempo o mundo vai continuar suportando esse nível de exploração trabalhista e ambiental?”, questiona Carla Beni.