Saudável pra quem?

Com a obsessão crescente pelo skincare, um novo termo surge nas nossas timelines e no discurso da indústria da beleza: a busca pela “pele saudável”. Mas a quem isso favorece de fato?

Nunca se falou tanto sobre ter uma pele saudável. O tópico é especialmente quente nas redes sociais, onde a busca por esse ideal reúne um público massivo. A hashtag “skincare” soma mais de 286 bilhões de visualizações no TikTok e 117 milhões de postagens no Instagram. Por lá, você encontra de tudo: como espremer cravos, meditações para atrair o visual desejado, itens favoritos das famosas para copiar e até truques caseiros polêmicos que deixariam qualquer dermatologista de cabelo em pé. 

No meio de todo esse arerê, para bagunçar ainda mais nossas ideias sobre o assunto, o mercado dermatológico decidiu trocar o termo “pele jovem”, com razão considerado etarista, por “pele saudável”. A escolha, porém, deixa subentendido que envelhecimento e marcas na pele, como rugas, são uma doença a ser combatida. O que não é verdade. Aliás, apesar de todo o frisson, a internet nem sequer parece saber o que de fato caracteriza uma pele saudável, muito menos como conquistá-la. A ciência, porém, é bastante clara sobre tal conceito – e é em cima dela que se baseia esta reportagem. 

Por definição, a pele saudável é aquela que não tem nenhum tipo de doença, como acne, melasma, rosácea, dermatite e psoríase, entre outras. Ela também não sofre com excesso de ressecamento ou oleosidade. “Independentemente da idade, uma pele com saúde tem viço natural e cor uniforme. Ela possui textura regular e não tem poros muito abertos ou comedões”, explica a dermatologista Katleen da Cruz Conceição. 

Percebe como, em nenhum momento, falamos sobre traços do envelhecimento? Isso porque é perfeitamente possível envelhecer com saúde e ainda assim mostrar os sinais do tempo. “Se só a pele jovem fosse saudável, todo mundo seria considerado ‘doente’ aos 18 anos, idade em que o nosso organismo começa a se transformar. Essa ideia não faz sentido. Uma pele que envelhece é mais flácida e tem linhas de expressão, e isso é absolutamente normal”, afirma a dermatologista Malu Barros. Esse cenário muda apenas quando o tópico é fotoenvelhecimento – este, sim, deve ser tratado como uma questão de saúde, já que não acontece de maneira natural. 

“Se só a pele jovem fosse saudável, todo mundo seria considerado ‘doente’ aos 18 anos.”
Malu Barros

Como estamos falando sobre doenças e desequilíbrios, determinar o caminho para uma pele saudável, portanto, é tarefa do dermatologista em uma consulta médica – e não do influenciador nas redes sociais. “O paciente que sofre com alguma questão de saúde vai precisar de acompanhamento dermatológico e de uma rotina de cuidados muito bem determinada, com produtos para usar em casa e procedimentos no consultório”, pontua Malu. 

Além desses tratamentos específicos, o médico, que faz uma análise 360°, também deve orientar o paciente acerca do estilo de vida que ele leva. “O cuidado também inclui dormir bem, ter uma dieta equilibrada, se exercitar, não fumar, evitar a exposição ao sol e ter uma vida sem tanto estresse”, exemplifica Katleen. 

Se você não tem nenhum tipo de doença, portanto, esses cuidados básicos com a saúde como um todo são suficientes para manter a pele saudável. Além, claro, de uma duplinha de produtos que, estes sim, sejam mágicos! “É sabonete, protetor solar e pronto. Tratamento é só para quem tem problema de pele”, explica Malu. “Às vezes, as pacientes me pedem para usar vitamina C ou outro ativo, mas, quando pergunto se usam filtro solar, a resposta é não. É como usar aparelho dental sem escovar os dentes”, adiciona Katleen.  

Isso significa que usar cremes, óleos e ácidos indicados por pessoas na internet não vai trazer nenhum benefício. Muito pelo contrário, pode, inclusive, até causar problemas. “Alguns pacientes, que antes não tinham nenhum tipo de queixa, chegam ao consultório com a pele completamente inflamada por causa do uso excessivo de cosméticos. Essa loucura pela rotina de skincare com mil passos parece ter se instaurado como uma obsessão. Às vezes, mesmo avisando que o produto não vai fazer bem, a paciente usa escondido”, conta Malu.

Agora, se o desejo, de fato, é mascarar os sinais do tempo, existem tecnologia e indicações para isso. Nesses casos, uma rotina de skincare mais robusta e procedimentos estéticos, como lasers e botox, podem entrar na jogada. “A prevenção ainda é o que mais funciona. Por isso, se você decidir que quer envelhecer naturalmente, por exemplo, sem nenhum procedimento estético, deve ser uma escolha consciente. Porque o processo de reverter é muito mais difícil”, explica Katleen.

Ainda assim, é preciso entender que essa decisão, apesar de ser individual, tem uma série de intrincadas conotações e nuances sociais e até políticas. Fernanda Guerreiro e Camila Faus, ativistas pela visibilidade da mulher 45+, resumem bem o porquê. “Infelizmente, a sociedade machista, que associa a beleza à juventude, faz a mulher madura se sentir invisível, levando ao isolamento social e, muitas vezes, à depressão”, escreveram em coluna para a ELLE. De acordo com Malu Barros, na rotina de consultório, é comum receber mulheres maduras que nunca fizeram nenhum tipo de procedimento no rosto, mas começam a mudar de ideia ao ver que a maior parte de suas amigas parece ser bem mais nova do que é de fato devido aos efeitos de lasers e botox.

Não à toa, a obsessão pela juventude tem agora atingido até garotas adolescentes – nesta edição da ELLE View, você encontra uma reportagem completa sobre esse fenômeno. Respondendo à pergunta que motiva esta reportagem, no fim das contas, quem se beneficia dessa idealização da juventude é a indústria de cosméticos, que vende cada vez mais produtos para um público cada vez maior – e tudo isso com a promessa mentirosa de que podemos contornar a ação do tempo.