MFW: Prada inverno 2024

Miuccia Prada e Raf Simons costuram história, memórias e emoções na coleção de inverno 2024 da marca.


Prada, inverno 2024.
Prada, inverno 2024. Foto: Getty Images



O primeiro look do desfile de inverno 2024 da Prada era um vestido preto coberto por laços da mesma cor. Tinha também vestidos 50’s com laços na cintura, casacos de alfaiataria com um laço nas costas, suéter com um laço brilhante bordado como um broche, saias retas ajustadas no cós com fita e laço. Enfim, pencas de laços.

Se você gosta ou acompanha as novidades da moda, sabe que tem laço para todo lado. Faz pelo menos umas três estações que o adereço não sai das listas de tendências. Recentemente, a obsessão pelo estilo coquette (ou coquettecore) espalhou ainda mais o detalhe comumente associado à feminilidade – e agora em processo de ressignificação.

E aí vem a pergunta: por que a Prada, conhecida como uma grande lançadora de tendências, abordou um elemento já amplamente assimilado e desejado?

Prada, inverno 2024.

Prada, inverno 2024. Foto: Getty Images

Prada, inverno 2024.

Prada, inverno 2024. Foto: Getty Images

Prada, inverno 2024.

Prada, inverno 2024. Foto: Getty Images

Para começo de conversa, os diretores de criação, Miuccia Prada e Raf Simons não pensam muito em tendências. Pelo menos é o que dizem, vide entrevistas recentes de ambos. Se pensam não é pelo significado popular da palavra. 

Para eles, o que vira tendência é resultado de um processo complexo de trocas, expressões, memórias e aspirações internas e externas. Em resumo: é uma parte da construção social e/ou individual do desejo.

No release da coleção, a dupla explica assim: “Esse instinto, esse desejo de comunicar e expressar, é um impulso humano fundamental – tocar uns aos outros, expressar sentimentos através das roupas que usamos”.

Prada, inverno 2024.

Prada, inverno 2024. Foto: Getty Images

Prada, inverno 2024.

Prada, inverno 2024. Foto: Getty Images

Prada, inverno 2024.

Prada, inverno 2024. Foto: Getty Images

Prada, inverno 2024.

Prada, inverno 2024. Foto: Getty Images

Se soa cabeçudo, é porque é mesmo. É sociologia, psicanálise, filosofia, tudo aplicado à moda. E é a Prada no seu melhor.

Após a apresentação, Miuccia e Raf disseram a jornalistas que o inverno 2024 da Prada é composto de fragmentos da história e de belezas. É uma espécie de estudo sobre como nossas roupas – e tudo no mundo – são fundamentalmente formadas por memórias, emoções e fatos passados.

Na passarela a ideia é trabalhada em roupas que combinam, acumulam, misturam e alteram umas às outras. Nas notas sobre o desfile o duo fala que “a linguagem das formas pode ser alterada através da materialização, da refabricação para alterar a percepção”. Para exemplificar, mencionam os materiais tradicionalmente masculinos trabalhados de modos intrinsicamente femininos, ao mesmo tempo que clichês de feminilidade são questionados e reavaliados.

Os looks que parecem uma coisa por fora e são outra por dentro sugerem a interpretação da roupa como fachada, um disfarce de adequação às normas vigentes. Vide os costumes de alfaiataria usados como um avental sobre peças inspiradas em lingeries de séculos passados.

Só que nem isso é passa incólume por Miuccia e Raf. É como se o duo apagasse a linha que divide o pessoal e o coletivo, a razão da emoção, o voluntário do compulsório. Freud e Lacan diziam que a fantasia, além de outras coisas, é o lugar onde o sujeito encontra uma solução entre o desejo e a realidade. No inverno 2024 da Prada – e na vida como ela é, aqui e agora – é cada vez mais difícil identificar onde acaba um e começa o outro. Bem como os recortes e sobreposições de tecidos, estilos e referências vistos na passarela.

Prada, inverno 2024.

Prada, inverno 2024. Foto: Getty Images

Prada, inverno 2024.

Prada, inverno 2024. Foto: Getty Images

Prada, inverno 2024.

Prada, inverno 2024. Foto: Getty Images

Prada, inverno 2024.

Prada, inverno 2024. Foto: Getty Images

E daí, o terno composto de blazer oversized e saia midi tem as costas de um vestido camisola. Um casaco de pegada militar dos anos 1940, tem a parte frontal de lã e a de trás de seda. Um vestido de festas bem anos 1950 é feito de náilon. Os twinsets de tricôs (um clássico da Prada dos anos 1990) são combinados com saias com costuras retilíneas e volumes firmes. Os óculos futuristas imitam maquiagens da metade do século 20. 

Até o jeito de carregar a bolsa (Miuccia foi responsável por lançar muitos desses modismos) é uma releitura do gestual feminino das décadas de 1940, 1950 e, menos distante no túnel do tempo, das mulheres antecedidas por suas it bags penduradas na dobra do braço. A diferença, agora, é que as bolsas são presas com uma alça extra, como se elas próprias fossem um chaveiro.

Vivemos um período de nostalgias sem fim. No backstage, Miuccia fez questão de reiterar: “Não é sobre nostalgia, é sobre entendimento”. Parte da coleção é dedicada ao registro evolucionário de silhuetas, formas, tecidos e peças do passado que desenharam a base de inovações contemporâneas. Em outras palavras, não é apenas admiração e reprodução do que já foi.

Prada, inverno 2024.

Prada, inverno 2024. Foto: Getty Images

Prada, inverno 2024.

Prada, inverno 2024. Foto: Getty Images

Prada, inverno 2024.

Prada, inverno 2024. Foto: Getty Images

A abordagem da dupla de diretores de criação, no entanto, não foi racional. De acordo com os estilistas, o inverno 2024 parte de “uma reação emocional aos ideais de beleza que ainda parecem ressoar”. Aí, entra a memória, – que nunca é absolutamente precisa e sempre vem acompanhada de emoções. Muitas vezes sem linearidade alguma, toda fragmentada.

Esta não será a coleção mais fácil de vender, de comprar, nem de usar da Prada. Com certeza, é um passo calculado, um risco tomado com consciência. Até porque quem procura acha. Tem muito produto com potencial de se tornar hit: as botas de cano alto, os twinsets, as camisas, os casacos, as jaquetas varsity e todos os modelos de bolsas com a nova alça.

O papel da memória na percepção e entendimento de mundo é recorrente no trabalho de Miuccia. Um exemplo recente é o verão 2023, com formas e tecidos marcados e formas moldadas pelos hábitos de quem veste – hábitos, por sua vez, moldados às normas sociais vigentes. A constante lembrança e adaptação de criações antecedentes se explica pela relação de aprendizado com o passado que a estilista cita na explicação do desfile mais recente.

Prada, inverno 2024.

Prada, inverno 2024. Foto: Getty Images

Prada, inverno 2024.

Prada, inverno 2024. Foto: Getty Images

Prada, inverno 2024.

Prada, inverno 2024. Foto: Getty Images

Prada, inverno 2024.

Prada, inverno 2024. Foto: Getty Images

Como na temporada anterior, essas ideias, princípios orientadores, além da própria apresentação das roupas, estão mais substanciais do que os outros lançamentos dos co-diretores de criação. Parece haver uma maior liberdade para explorar outros temas (para além dos uniformes, uma obsessão de ambos, Miuccia e Raf) e de maneiras mais sofisticadas.

Voltando aos laços, Miuccia tem uma paixãozinha por eles, bem como por outros clichês femininos. Quando ela os usa é para questionar pré-concepções sobre feminilidade. Para o inverno 2024 da Prada, a estilista se questiona por que tais elementos persistem ao longo da história? Por que são atraentes? E por que, apesar da persistência e da atração, ainda são cobertos por códigos masculinos?

Resposta Miuccia não tem. Já ideias, essas não faltam. E com este desfile, ela questiona e propõem algumas bem válidas e interessantes.

Para ler conteúdos exclusivos e multimídia, assine a ELLE View, nossa revista digital mensal para assinantes