O que é a culinária quilombola?

Base da culinária brasileira, a comida vinda dos quilombos é um patrimônio cultural que esbanja sabor.


culinaria quilombola - manjar
Manja de coco com cocada de manga, do restaurante Maria e o Boi. Foto: Tomás Rangel



De alguns anos para cá, o termo “culinária quilombola” passou a ser mencionado cada vez com mais frequência no círculo gastronômico. O que não significa que todo mundo compreenda exatamente a que ele se refere.

Nascida dentro dos quilombos, na época da escravidão, a culinária quilombola agrega tradição, cultura, afeto e respeito à natureza como pilares, mantendo práticas ancestrais de cultivo e preparo de ingredientes.

Entre os séculos 16 e 19, milhares de negros e indígenas escravizados resistiram fugindo e organizando-se em aldeias chamadas de quilombo. A palavra, que vem do idioma africano quimbundo (falado na região onde hoje está Angola), significa algo como “local de descanso” ou “acampamento”. 

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Atualmente, os quilombos ainda estão presentes no território brasileiro, com uma rica cultura baseada na ancestralidade negra e indígena, além de elementos absorvidos da colonização portuguesa. Essa mescla de diferentes saberes faz da culinária quilombola um tesouro gastronômico, que ecoa algumas das materializações dessa história. 

Além da mistura étnica, a formação da cultura alimentar dos quilombos foi influenciada também pelos ingredientes disponíveis. E mesmo que os cultivos variassem de território para território, alguns alimentos estavam sempre presentes, como mandioca, feijão, arroz, cana-de-açúcar, melancia e banana. 

culinaria quilombola chef vanessa rocha

A chef Vanessa Rocha, do restaurante Maria e o Boi, estudiosa da culinária quilombola. Foto: Tomás Rangel

Nos quilombos, comer em grupo é um ato de resistência, e a cozinha, o lugar central da comunidade. Todos os integrantes participam do cultivo das frutas, das verduras e dos grãos, desde o cuidado com a terra à colheita, chegando à preparação dos ingredientes com técnicas históricas.

Receita popular Brasil afora, a moqueca é um dos pratos que mais representa essa união de povos e culturas: foi criada sob influências africana, indígena e portuguesa, resultando em um encontro de saberes e sabores. 

O prato, que remonta à peixada portuguesa, ganhou nova vida nos quilombos ao receber diferentes ingredientes dos povos africanos e dos indígenas. A preparação foi difundida nos quilombos pelos angolanos, que tiveram acesso à receita nas fazendas em que trabalhavam e adicionaram a ela leite de coco, pimenta e azeite de dendê. O cozimento em panela de barro e a farinha de mandioca, utilizada para fazer o pirão, são influências dos povos originários. 

Pensar no Brasil quilombola é também refletir sobre a importância de preservar e valorizar as tradições e conhecimentos transmitidos por essas comunidades, que representam uma parte essencial da nossa história e identidade coletiva. “Preservar e defender os quilombos é preservar e defender quem somos”, declara Aline Guedes, chef, pesquisadora de cultura alimentar dos quilombos e palestrante.

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“Culinariamente falando, o Brasil é um presente ao mundo”, afirma a chef carioca e estudiosa de cozinha quilombola Vanessa Rocha, que comanda a casa de carnes e cozinha brasileira Maria e o Boi, em Ipanema. 

“A cozinha quilombola é a base da cozinha brasileira. E quando falamos de culinária quilombola, não estamos falando de feijão e arroz. São todas essas culturas que se fundem e formam a nossa cozinha: à base de leite de coco, daquilo que vem da terra e é utilizado da melhor forma e do respeito à ancestralidade. Isso resulta em uma cozinha extremamente saborosa”, completa.

No Maria, como o restaurante é carinhosamente chamado, Vanessa oferece receitas quilombolas de várias regiões do país, como o purê de banana-da-terra, o xinxim de camarão e a cocada. 

Outra preparação no menu do Maria é o manjar, conhecido em outros países da América Latina como manjar blanco. No Brasil, onde ganhou ingredientes da diáspora africana, como o leite de coco, a sobremesa é também uma oferenda tradicional para Iemanjá.

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A seguir, Vanessa Rocha compartilha sua receita de manjar de coco com cocada de manga, que recebe uma dose de cachaça para dar um diferencial ao sabor e conferir leveza ao açúcar. 

“O Brasil tem que começar a entender que a nossa culinária é de base negra e indígena, e que isso é muito bom e importante”, afirma a chef.

Receita de manjar de coco com cocada de manga

De Vanessa Rocha, do restaurante Maria e o Boi

Tempo de preparo: 1 hora
Rendimento: 10 porções

Ingredientes

Manjar
800 ml de leite de coco
400 ml de leite
100 g de amido de milho
1 lata de leite condensado ou 250 g de açúcar 

Cocada de manga
 2 cocos inteiros ralados
3 mangas palmer maduras e firmes
400 g de açúcar
50 ml de cachaça (opcional)
2 cravos
1 canela em pau

Modo de preparo

Manjar

1. Unte forminhas de pudim com desmoldante ou azeite. 

2. Misture todos os ingredientes em uma panela de fundo grosso.

3. Leve ao fogo baixo e mexa até a mistura ficar com consistência de mingau, sem deixar engrossar demais para não criar grumos.

4. Divida a mistura entre 10 forminhas de pudim ou 1 fôrma de manjar de 1,8 litro e deixe esfriar.

5. Leve para gelar por, no mínimo, 6 horas.

Cocada de manga

1. Descasque e rale o coco na parte fina do ralador.

2. Descasque e pique as mangas em cubo.

3. Adicione todos os ingredientes, inclusive a cachaça, em uma panela de fundo grosso. Cozinhe em fogo médio, mexendo sempre, para não queimar e grudar. Se necessário, utilize 100 ml de água para ir pingando aos poucos.

4. Cozinhe até que o açúcar se dissolva e a cocada atinja uma consistência de cocada de colher, ainda mole

5. Passe a cocada para um recipiente e deixe esfriar.

Montagem

1. Desenforme o manjar com cuidado.

2. Coloque uma boa colherada da cocada por cima, enfeite com coco ralado queimado e sirva.

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