Frans Krajcberg e um salve pelas florestas

Exposição em Paris reúne obras de designers que homenageiam o legado do artista plástico, escultor e ambientalista, que dedicou sua vida e sua obra à preservação da natureza.


Frans Krajcberg
Frans Krajcberg com uma de suas obras. Divulgação



Em tempos de grandes desafios ambientais, nada como celebrar a trajetória de Frans Krajcberg, o artista plástico, fotógrafo, gravador, escultor e ambientalista polonês naturalizado brasileiro que morreu aos 96 anos, em 2017, e se tornou uma das vozes mais ativas e respeitadas do país na defesa das causas ecológicas desde a década de 1970, quando o assunto ainda era pouco abordado. A presença da natureza em suas obras foi o traço mais marcante de sua história, com destaque para as esculturas de galhos, raízes e cipós. Essas construções intrincadas, feitas com madeira calcinada, lembram esqueletos, corações, pulmões, e enfatizam a mensagem urgente de preservação, um alerta pela sobrevivência por meio da arte.

Krajcberg desembarcou no Brasil no fim da década de 1940 para participar da primeira Bienal de Artes de São Paulo e foi ficando, como tantos estrangeiros que se apaixonam pelo país. Nos anos seguintes, dividiu seu tempo entre Paris e o Rio de Janeiro, chegou a morar em uma caverna no interior de Minas Gerais, em Itabirito, e, mais tarde, estabeleceu seu ateliê no sul da Bahia, em um projeto que contou com o incentivo e o braço amigo do arquiteto e designer Zanine Caldas, que o ajudou a erguer uma casa na árvore, a sete metros do chão. Ao redor, plantou mais de dez mil mudas de árvores, transformando o sítio em uma referência em preservação da flora. 

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Frans Krajcberg: alerta por meio da arte. Foto: Divulgação

Agora, esse legado ganha uma homenagem à altura. Como parte da Paris Design Week, que ocorre em paralelo à Maison & Objet, a exposição Uma coleção para Frans Krajcberg reúne quase 30 designers e artistas plásticos que criaram itens inspirados no trabalho do mestre – e com um detalhe especial: a mostra foi montada no Espace Frans Krajcberg, em Montparnasse, onde funcionava seu antigo ateliê. Ali estão sendo exibidos trabalhos de nomes como Zanine Caldas, Cris Bertolucci, Maximiliano Crovato, Ronald Sasson e Oiamo Atelier, entre muitos outros talentos, com menção especial à poltrona Esfera, de Ricardo Fasanello (1930-1993), que ganhou uma versão de couro de pirarucu.

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Poltrona da linha Z, de Zanine Caldas. Foto: Divulgação

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Poltrona Esfera, de Ricardo Fasanello. Foto: Divulgação

Natureza recriada

Sasson participa com a poltrona Leblon, que remete às suas memórias de infância, de férias passadas no Rio de Janeiro nos anos 1970. “Guardo a lembrança das casas com mobiliário modernista da minha família no Rio. Minha peça tem essa linguagem emprestada com carinho e respeito e estabelece uma conversa com outras peças de mobiliário presentes na exposição, tanto as históricas quanto as contemporâneas”, conta. “Krajcberg merece essa homenagem pelo respeito à natureza em épocas pré-movimentos ecológicos, uma visão estética profunda e sua influência duradoura na produção artística brasileira”, conclui. 

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Poltrona Leblon, de Ronald Sasson. Foto: Divulgação

Já Cris Bertolucci preparou a linha Bicho Pau, com luminárias que lembram galhos caídos de árvores, encontrados na natureza. “São galhos frágeis e, de certa forma, já degradados. A coleção reflete essa fragilidade e delicadeza da natureza, mas, acima de tudo, destaca sua incrível capacidade de superação e reinvenção”. As peças são feitas de bronze, um material que enfatiza o contraste entre força e reconstrução. “Frans Krajcberg, em suas obras, aborda a natureza degradada que renasce transformada em arte, recriando-se e reinventando-se. Nessa perspectiva, enxergo uma forte conexão entre nossos trabalhos”, diz Cris. “Ele nos alertou sobre a destruição da natureza, já com uma visão voltada para a sustentabilidade e a defesa do meio ambiente. Mais do que isso, nos ensina a encontrar a beleza em algo que já não está em sua forma plena, ao mesmo tempo que nos faz refletir sobre a preservação ambiental.”

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Luminária Bicho Pau, de Cris Bertolucci. Foto: Divulgação

A coleção Rizomas, de Tiago Braga, do Oiamo Atelier, também traz em seu coração o espírito Krajcberg. São bancos e esculturas luminosas construídas com responsabilidade social e valores do design ancestral. As peças, feitas em parceria com as artesãs da Associação Ladrilã, que faz o manejo sustentável da lã de ovelhas, têm linhas orgânicas e fluidas, recompondo a estrutura original dos rizomas, emaranhados de caules e raízes que se estendem tanto subterraneamente quanto sobre o solo. Na sequência, Braga fará sua estreia na PAD London Design + Art, em Londres, com o lançamento da Coleção Arandu Estelar, em colaboração com a Ladrilã, comunidade rural do sul do Brasil. 

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Peças da coleção Rizomas, do Oiamo Atelier. Foto: Divulgação

Agentes de mudança

Curadora da exibição, Pat Monteiro Leclercq lembra o papel de conscientização que a mostra pode ter sobre os jovens.  “Estamos caminhando para a destruição do planeta. A geração atual precisa perceber sua responsabilidade. As palavras de Frans Krajcberg são um apelo à ação, um lembrete da necessidade urgente de práticas sustentáveis ​​em todas as facetas das nossas vidas. A eco-arte, o design e a arquitetura são potentes agentes de mudança ambiental, tal como Krajcberg foi e continua a ser”. 

Krajcberg costumava frisar que a estética não lhe bastava. “É necessário que a obra possa ecoar e reverberar o grito que trago no peito”. Esse grito era sempre traduzido em amor à natureza. Visionário, ele já antevia décadas atrás os perigos que rondavam nossas matas. Durante a mostra comemorativa de seus 90 anos, no Museu de Arte Contemporânea de Niterói (RJ), afirmou: “entre o sonho e a vigília, sonhei e, ao acordar, a natureza estava preta e branca. O branco vela o negrume das árvores queimadas.” Que suas palavras sirvam de alerta para os dias atuais e que o verde prevaleça sobre as cinzas deixadas pelas queimadas.

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