Marko Brajovic reflete sobre uma arquitetura conectada com a natureza
Marko Brajovic acredita que o futuro da humanidade demanda da arquitetura contemporânea uma guinada radical em favor da natureza.
“Eu sou mais do que otimista. Eu sou ‘possibilista’. O único futuro que não existe – do qual a gente tem certeza absoluta que não existe – é esse em que a humanidade continua se isolando da natureza. Nós somos parte dela e, portanto, a arquitetura tem que ser o reflexo disso.”
Marko Brajovic é direto, enfático e bastante engajado quando o assunto é como o planeta pode se preparar para o amanhã. Mais do que isso, um apaixonado. E, como tal, alguém que merece ser ouvido com atenção. Conhecido por sua extensa pesquisa em biomimética – a ciência que se inspira em soluções da natureza para construir caminhos alternativos em outras áreas do conhecimento –, o croata, naturalizado brasileiro, sai em defesa da importância de sonhar com um mundo melhor – ou, pelo menos, em menor desequilíbrio.
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“Temos que ter coragem de imaginar, de sair da lógica simplista e reducionista de que a história caminha sempre para o mesmo lugar. É a partir de experimentações, em maior ou menor escala, que a gente consegue gerar novos cenários.”
Por sinal, de acordo com ele, essa é a principal missão de seu escritório – o Atelier Marko Brajovic, que fica em São Paulo.
No hotel Mirante do Madadá, a cobertura de algumas instalações simulará o desenho da flor de Vitória Régia. Foto: Divulgação
“Existe um esforço para que estejamos o tempo todo sintonizados com o coletivo. Mas o coletivo a que me refiro não é só aquele pautado por nossas relações sociais e culturais, mas também pelas relações entre as espécies que habitam o planeta”, diz. Afinal, segundo o arquiteto, a função da arquitetura não é mais criar refúgios que nos escondem do ambiente ao redor, que nos protegem de uma natureza supostamente hostil. “A gente precisa se conectar com essa natureza. Somos parte dela. Não existe essa dicotomia, essa separação”, argumenta.
Na prática, essa forma de pensar toma corpo em projetos como o hotel Mirante do Madadá, no Amazonas, todo inspirado em sementes – tanto do ponto de vista estético quanto emocional.
“A Amazônia é um lugar onde a sua alma pode germinar”, poetiza. Vale mencionar a construção das escolas comunitárias do Rio Negro – desenhadas pelo Atelier Marko Brajovic e implementadas pela Fundação Almerinda Malaquias. O fato é que Brajovic está sempre, em alguma medida, reverenciando aquele que ele chama de “o designer mais antigo e de maior sucesso da história: a natureza”.
Em entrevista a ELLE Decoration Brasil, o arquiteto fala sobre a importância do olhar que estabelece pontes entre fantasia e realidade, passado e futuro, cidade e floresta – e sobre como o Brasil é o laboratório ideal para encontrar o caminho para um mundo melhor.
Projeto do hotel Mirante do Madadá, desenvolvido por Brajovic, na Amazônia. Foto: Divulgação
Quando surgiu a sua fascinação com a riqueza natural brasileira?
Eu vim ao Brasil, pela primeira vez, em 2005, convidado a dar uma série de workshops na Amazônia. Na época, morava em Barcelona e estava lecionando na universidade. O convite veio porque eu tinha acabado de passar um ano na Costa Rica, fazendo um projeto, e tinha experiência com contextos ecológicos. Naturalmente, o encontro com a Amazônia foi muito profundo. De modo que aquela circunstância me tocou em um nível aspiracional – foi como encontrar o meu propósito. Quando entrei em contato com a floresta amazônica, percebi que estava trabalhando em um dos biomas mais ricos para esse tipo de pesquisa. Nos últimos 20 anos, devo ter ido à Amazônia de cinco a dez vezes por ano. É uma relação muito íntima. E o mesmo vale para a Mata Atlântica. Mas o Brasil vai muito além desses dois ecossistemas. Ultimamente, estou me aproximando muito da caatinga. Esses circuitos oferecem uma coexistência muito inspiradora entre diferentes seres vivos e a arquitetura tem muito a aprender com essas relações. Ela pode ser uma interface entre nós e o ambiente que nos cerca. O exemplo máximo disso são as habitações dos povos originários, que se relacionam com a natureza de forma regenerativa. É muito importante olhar para os ensinamentos de seres humanos em contato ancestral com a floresta.
Como os conceitos da arquitetura ancestral se aplicam ao fazer arquitetônico contemporâneo?
Primeiro, acho importante entender que existem registros no decorrer dos últimos 20 mil anos de grandes civilizações descentralizadas – absolutamente diferentes dos sistemas verticais que vivemos hoje – e ainda funcionando em democracia profunda. São formas de organização altamente sofisticadas, que colocam por terra a noção evolutiva da história. Muitas vezes, portanto, imaginar o futuro significa olhar para alguns períodos do passado. Pensar no futuro de forma sincrônica com a ancestralidade humana é o que vai nos permitir realizar essas possibilidades de integração com a natureza, torná-las reais. Atualmente, vivemos em uma inércia a respeito do acúmulo, do consumo desenfreado. É uma inércia sustentada por uma série de fantasias que não são nada produtivas para o futuro que queremos construir. São fantasias sem futuro. É aí que essa visão mais cósmica e holística do mundo vem a calhar. Isso muda a forma como nos relacionamos entre nós, como se dão as dinâmicas das nossas trocas, como vivemos juntos. A arquitetura pode dar uma série de sugestões e, talvez, as sugestões mais inteligentes sejam aquelas que compreendem a importância desse olhar.
Detalhes do escritório de Marko Brajovic, em São Paulo, que revelam sua fixação com a arquitetura biomimética. Foto: Gil Inoue
Você acha que o mundo está atento a essa miríade de soluções biomiméticas para a arquitetura e o design que os biomas brasileiros podem representar?
Sim, com certeza. E isso ocorre justamente porque esse é um lugar único no mundo, com seis biomas em seu território. Existe uma responsabilidade em pensar a arquitetura aqui, que é a de propor uma ideia de futuro. Assim como no passado, no começo do século 20, mais especificamente, o modernismo europeu e o construtivismo eram debatidos nos cafés de Paris e Moscou, a arquitetura não mecanicista, orgânica, é discutida no Brasil. É menos sobre a inovação propriamente dita na linguagem arquitetônica e mais sobre a criação de uma nova gramática a partir da qual diferentes linguagens poderão nascer. É um passo ainda mais importante.
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Como os aprendizados biomiméticos que você angariou no Brasil aparecem em seus projetos de forma prática?
Em cada projeto, a natureza me inspira de uma forma diferente. De repente, o exoesqueleto de um ouriço pode catapultar uma série de estudos em termos de possibilidades arquitetônicas. Em outro momento, fenômenos abióticos (fatores como solo, vento, gelo, sol etc.) podem dar origem a novas ideias – como no caso do projeto que fizemos com a Camper (uma marca espanhola de sapatos), em que ondas e ciclones inspiram estruturas. Do ponto de vista da tecnologia. Nesses casos, precisamos trabalhar com engenheiros do setor e com biomimetistas para encontrar soluções. Ainda assim, a biomimética pode aparecer como base para uma reflexão mais metafísica – a exemplo do projeto do hotel Mirante do Madadá, em que as acomodações são como sementes enormes, invólucros de paredes curvas que te abraçam, como se fossem sua segunda pele. No fundo, todos esses projetos têm em comum uma sinergia com o lugar, com o contexto ecológico em que estão inseridos. A arquitetura da região da Mata Atlântica não pode ser pensada da mesma forma que a do estado do Mato Grosso. Isso quer dizer que a assinatura de um projeto é menos sobre o estilo, sobre a forma, e mais sobre essa abordagem mais orgânica.
Escritório de Marko Brajovic, em São Paulo. Foto: Gil Inoue
Qual será o futuro da arquitetura e do urbanismo brasileiros?
Gostaria de ver as nossas cidades mais sensibilizadas para a inteligência natural. Queria ver as interações acontecendo de forma mais direta, potente e expressiva nos centros urbanos. Tenho menos sonhos de projetos pessoais, individuais, e mais sonhos de uma circunstância em que a noção de que a floresta pode entrar nas cidades estivesse mais enraizada na mentalidade da arquitetura e do urbanismo brasileiros. Queria nossos rios limpos, poder nadar neles, e ver bulevares, lojas e ambientes de convivência ao redor deles. Queria ver prédios multifuncionais e interconectados que fizessem sentido de um ponto de vista coletivo. Acho que de alguma forma continuo sonhando com as possibilidades, os imaginários, do que poderia acontecer se pensássemos a cidade como se ela fosse uma floresta.
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- Esta reportagem foi publicada originalmente na edição impressa do volume 3 da ELLE Decoration.
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