Faça parte de um fandom agora mesmo

Cada vez mais engajados em ações sociais, os fãs de divas pop e k-pop mostram que ter um ídolo é um trabalho duro, mas que vale a pena.

Esqueça o estereótipo negativo e ultrapassado. Fazer parte de um fã-clube e demonstrar seu amor por determinado artista pode ser bem mais interessante do que você imagina.

De acordo com o estudioso estadunidense Henry Jenkins, o termo fandom, tão usado hoje em dia, se refere às estruturas sociais e práticas culturais criadas para os apaixonados consumidores de propriedades da mídia de massa. O uso mais antigo conhecido da palavra vem de uma coluna de esportes publicada no The Washington Post em 1896.

Já a ideia básica que se tem de um fã-clube aconteceu com o surgimento dos leitores de ficção científica, que a partir do começo do século 20 passaram a se reunir em convenções, enquanto trocavam cartas, escreviam para revistas e publicavam os primeiros zines. A música veio depois. Foi na década de 1960 que esses grupos de pessoas se popularizaram de vez, graças à beatlemania.

A devoção com que os fãs, em sua maioria garotas, idolatravam John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr estampava manchetes no mundo inteiro, sempre acompanhadas por fotografias de fãs que gritavam, choravam e desmaiavam durante os shows da banda. Grande parte dessas matérias acabava relacionando a euforia das jovens com a histeria (que é um distúrbio mental), reforçando assim uma série de representações misóginas na construção do imaginário social sobre mulheres que são devotas de alguma coisa.

Mas os tempos mudaram. Com o surgimento da internet e das redes sociais, perfis, fóruns de discussão, sites próprios e comunidades virtuais aumentaram exponencialmente e deram voz ativa aos fãs, que agora estão cada vez mais conectados, organizados e próximos de seus ídolos.

Entre um mutirão para emplacar uma música nova nas paradas da Billboard e outro para aumentar o número de visualizações de um videoclipe no YouTube, eles também defendem suas cantoras e bandas favoritas contra as fake news, produzem conteúdos originais e colocam em prática diversas ações solidárias significativas para a sociedade – e isso inclui fazer doações e ajudar na aprovação de projetos de lei. Para entender melhor essa história, a ELLE View conversou com quem está por trás de alguns dos fandoms mais relevantes da web no momento. Segue o fio.

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ARMY

A fanpage Army Help The Planet surgiu em 2019 no X, o antigo Twitter, quando a Floresta Amazônica estava ardendo em chamas, com quase 40 mil focos de incêndio devastando uma área estimada em 41 mil quilômetros quadrados de área verde, de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Diante dessa situação, o ARMY, nome do fandom do grupo de k-pop BTS, por trás da iniciativa, se mobilizou organicamente por meio da hashtag #ArmyHelpThePlanet para chamar a atenção para o que estava acontecendo no Brasil e espalhar formas de ajudar. A campanha deu certo, teve repercussão internacional e os fãs decidiram dar continuidade ao projeto.

“Diferentemente de outras páginas, que têm foco maior em notícias do grupo e apoio à carreira dos membros do BTS, nosso projeto nasceu com o intuito de promover causas socioambientais, canalizando e impulsionando o poder de mobilização natural do fandom ARMY em torno dessas pautas”, explica Mariana Faciroli, codiretora do AHTP.

“Nós possuímos um estatuto, regimento, departamentos e regras internas, mas ainda não conseguimos formalizar nossa constituição como uma ONG. É algo que pretendemos fazer no futuro”, diz ela.

Atualmente, a equipe é diversa e conta com 32 voluntárias, com idades entre 20 e 54 anos, incluindo engenheiras ambientais, psicólogas, advogadas, designers, professoras universitárias da área de química, jornalistas e especialistas em recursos humanos, entre outras profissões.

Em quase cinco anos de história, o projeto possui diversas ações sociais de sucesso, como uma campanha emergencial contra as queimadas recorrentes no ano de 2020 na região do Pantanal, em que foram arrecadados 53 mil reais em apenas três semanas, contando com o apoio de diversas fanbases brasileiras do BTS. “Foi muito especial porque ganhamos o prêmio Benfeitoria de melhor campanha de financiamento na categoria ambiental”, conta Mariana Faciroli.

“Uma segunda ação importante para nós foi fornecer financiamento emergencial para suprimentos médicos aos hospitais no estado do Amazonas, onde pessoas estavam morrendo por falta de cilindros de oxigênio durante a pandemia de covid-19. Arrecadamos mais de 59 mil reais, em parceria com a ONG Moradia e Cidadania do Amazonas.” 

Outra movimentação articulada por eles foi a campanha de conscientização sobre questões relacionadas a política, democracia, processo legislativo brasileiro, votação e aspectos práticos da obtenção do título de eleitor, que levou milhares de fãs a tirar o título de eleitor em 2021. Na época, uma das publicações chegou a ser compartilhada pelo ator Mark Ruffalo.

“Identificamos um contexto político delicado em nosso país, com algumas pessoas questionando o regime democrático. A população estava descrente com as instituições e distante das questões relacionadas à política, especialmente os jovens. Os dados apontavam para o menor nível de registro eleitoral de jovens em 30 anos, na época em que a nossa campanha começou.”

Notoriamente conhecidos por esse forte engajamento político, eles também ajudaram a promover uma ação em conjunto com a deputada Erika Hilton, do PSOL, contra o Projeto de Lei 1904, que equipara o aborto ao homicídio. “O nosso fandom é majoritariamente feminino e engajado pelos direitos humanos de forma geral, então uma questão que diz respeito aos direitos de crianças, mulheres e pessoas com útero também é importante para nós.”

Recebendo apoio de fãs de todas as regiões do país, o AHTP passou a ser reconhecido também pelas autoridades e pela mídia. “Aos poucos, todos estão percebendo a seriedade do nosso trabalho, principalmente diante dos feitos alcançados com organizações de renome, como o Unicef Brasil, a Fio Cruz e o Instituto Mamirauá.”

Em 2022, a equipe foi convidada para ir até a Coreia do Sul discursar no Fórum Mundial da Paz, realizado em Busan, sobre o poder do ativismo para o alcance dos objetivos do desenvolvimento sustentável, apresentando a fanpage como um caso de sucesso.

“Os integrantes do BTS, tanto em sua arte quanto em suas ações pessoais, têm se manifestado sobre questões políticas e socioeconômicas desde o início da carreira, abordando pautas que vão desde o desemprego entre os jovens até a desigualdade social e econômica, a saúde mental e o amor-próprio. Essa é uma das características únicas que tornam o grupo de k-pop tão especial. Eles inspiraram pessoas do mundo todo a usar suas próprias vozes. Acreditamos que muitos ARMYs foram atraídos por essa característica do BTS e, como um reflexo, o fandom é naturalmente mais crítico e politizado.” 

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BEYHIVE

Frases pejorativas, como “ela nem sabe que vocês existem”, não têm efeito aqui. No final de 2023, quando Beyoncé desembarcou de surpresa em Salvador, na Bahia, para promover seu Club Renaissance, juntamente com a estreia do documentário Renaissance: a film by Beyoncé, parte da equipe do Beyoncé Access, fã-clube formado por Pamela Taketomi, Marcelo Vinicius, Bruna Dias e Isaak Gonçalves, conheceu a cantora pessoalmente.

“Até hoje, parece que não aconteceu. Nem nos meus maiores sonhos eu imaginei que poderíamos chegar a conhecer a Beyoncé, a nossa maior inspiração. Quando fomos convidados pela TV Globo e pela Parkwood Entertainment, não estávamos esperando que ela fosse aparecer. Tudo aconteceu de surpresa. Não sabíamos de nada”, conta Marcelo Vinicius, estudante de publicidade.

“Assim que entrei no camarim, vi pessoas que trabalhavam com ela há anos e todos foram muito simpáticos. Eu disse que a amava e que ela é uma inspiração para mim desde a infância e ela respondeu: ‘Eu também amo você’. Agora ela sabe que eu sou de Manaus e que uma das donas da página é de uma cidade que fica na floresta Amazônica”, celebra Pamela Taketomi, que ainda ganhou um beijo da cantora na bochecha. “Foi uma honra conhecê-la e confirmar o que já sabíamos: a pessoa humilde, simpática e gentil que ela é.”

Depois desse evento, o perfil no X, que atualmente conta com mais de 180 mil seguidores, ganhou muita visibilidade. “A própria equipe da Beyoncé começou a interagir com nossas publicações, e eles estão atentos a tudo que postamos. Como resultado, nos tornamos mais criteriosos, o que impactou nosso filtro de postagens e a maneira como nos expressamos, sem, obviamente, perder a essência do Beyoncé Access”, diz Bruna Dias, formada em direito.

“Meu principal propósito sempre foi levar notícias aos fãs de forma acessível, proporcionando entretenimento e ajudando a fazer com que o trabalho da Beyoncé fosse mais reconhecido”, explica Isaak Gonçalves, diretor de marketing, que criou a página em 2016. “Todo o trabalho é realizado por fãs, que querem que seu trabalho e sua arte sejam propagados da melhor maneira possível.”

Para conciliar o dia a dia de cada um, o quarteto se divide em turnos para traduzir, legendar e editar conteúdos. “O que há de mais valioso na vida é o tempo, e, consequentemente, é o melhor presente que podemos dar a alguém. É a nossa maneira de mostrar a Beyoncé que a amamos e de reforçar para o Beyhive que somos uma família. Dedicamos parte de nossa vida a ela, mesmo que nem todos compreendam esse amor. Só quem é fã vai entender”, pontua Pamela Taketomi.

“Já passamos por muitos momentos difíceis. Marcelo e eu cobrimos sozinhos cerca de 50 shows em quatro redes sociais diferentes. São muitas publicações todos os dias, mas sempre damos um jeito. No entanto, com certeza vamos abrir vagas no futuro. Não dá para repetir essa loucura novamente. Precisamos cuidar da nossa saúde mental também”, diz Taketomi.

“Às vezes, deixamos de fazer algo por nós mesmos para nos dedicar à página, mas sou extremamente grato a cada pessoa presente na equipe. É muito bom olhar para trás e ver aonde a página chegou”, conclui Gonçalves.

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SWIFTIE

Em 2009, época em que Taylor Swift era uma aposta da música country nos Estados Unidos, o Taylor Swift Brasil foi criado para aproximar os fãs brasileiros da cantora. Quase 15 anos depois, com uma equipe de 12 pessoas, entre 20 a 30 anos, que se divide para atualizar o site e todas as redes sociais com notícias e curiosidades, a fanbase é composta de jornalistas, publicitários, professores de inglês e português e uma psicóloga, entre outros profissionais. “Cada um de nós acrescenta algo e adquire experiência com os demais. É uma troca mútua, que vai além de um hobby”, explica Eduarda Altmann.

“No dia a dia, nossa equipe é dividida em diferentes áreas de atuação para evitar sobrecarregar alguém. Também temos um time dedicado a questões mais específicas, como parcerias, pagamentos, questões jurídicas e gestão da equipe”, diz Rebeca Gois.

“Nós levamos esse trabalho muito a sério. Conciliar nossa rotina de trabalho e estudos com a dedicação ao TSBR não é fácil, mas nos esforçamos ao máximo para dar conta de tudo. Nossa equipe é bastante unida, e isso faz toda a diferença. Esse sentimento de comunidade, formado pelo nosso amor em comum, torna tudo mais prazeroso. O nosso pagamento é sempre o carinho que recebemos dos seguidores”, completa Laura Fragoso.

Atualmente com mais de 360 mil seguidores no X, o perfil tem um podcast chamado SwiftieCast, indicado ao prêmio Melhores Podcasts do Brasil de 2024, e acompanhou de perto todos os momentos da The eras tour pelo Brasil no ano passado. Fazer a cobertura em tempo real da megaturnê, que comemora os 18 anos de carreira da cantora, foi um grande desafio para a equipe, que passou noites sem dormir, viajou para outros estados e se reuniu com grupos de swifties para fabricar pulseiras da amizade.

Durante a passagem de Taylor pelo Rio de Janeiro, no dia 17 de novembro, Ana Clara Benevides Machado teve uma parada cardiorrespiratória dentro do estádio do Engenhão e acabou morrendo por exaustão térmica após ser levada ao hospital. Na ocasião, a cidade atravessava uma onda de calor intensa, com uma sensação térmica de quase 60 ºC.

“Assim que recebemos a notícia do falecimento, nos mobilizamos para usar nossa plataforma e ajudar de alguma forma. Graças ao forte senso de comunidade entre os swifties, foi possível arrecadar um valor para que a família pudesse resolver as questões mais urgentes, tudo isso em apenas uma madrugada. Embora seja triste que algo tão trágico tenha ocorrido, a The eras tour mostrou a força dos fãs não apenas para enaltecer um artista, mas para fazer o bem. Outros fã-clubes, que compartilharam essa experiência conosco, conseguiram água gratuita para as pessoas nas filas no dia seguinte, e a mobilização do fandom resultou também na distribuição de água nas demais apresentações. Isso abriu um precedente muito positivo a partir de algo que nos abalou profundamente e ainda mexe com todos nós.”

Com a repercussão do caso, um projeto de lei que garante a distribuição de água gratuita em grandes eventos e carrega o nome de Ana Clara foi aprovado e, no último dia da turnê, realizada em São Paulo, a família da jovem tirou uma foto com Swift nos bastidores – a cantora havia sido criticada por não citar Ana nem fazer qualquer tipo de homenagem nos shows.

“Defendemos Taylor de ataques pessoais e informações falsas. Essa também é uma das nossas funções na internet. Muitas vezes, tentamos apaziguar a relação que os Swifties têm com outros fandoms, mas percebemos que nem sempre eles fazem o mesmo esforço. Ainda há muita briga, mas, no fim do dia, Taylor continua sendo uma das artistas mais famosas de sua geração e possui um legado inabalável”, pontua Eduarda Altmann.

“Acho que falta em algumas pessoas essa lembrança de que a Taylor, assim como qualquer outro artista, é um ser humano. Ela erra, sente, não é perfeita e muitas vezes precisa estabelecer limites para preservar sua vida pessoal. Além disso, falta aos artistas em geral a consciência de que nós, que estamos do outro lado da tela, não somos apenas números. Muita coisa mudou ao longo dos anos, mas, dentro do estádio, com as luzes brilhando e a música tocando, ninguém está mais próximo dela do que nós. Essa conexão mútua é o que fortalece a nossa relação com qualquer artista”, finaliza Laura Fragoso.

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ANGEL

A força e o impacto dos fandoms não estão restritos a artistas consagrados, premiados ou com alcance global. Charli XCX, que recentemente furou a bolha da música alternativa e caiu no gosto do público com o álbum Brat, deve muito à sua pequena base fiel e dedicada de fãs, intitulada Angel.

Lançado em julho, o sexto disco de estúdio da cantora britânica já dominava as redes sociais antes mesmo de seu lançamento, em parte devido à sua capa minimalista, feita de verde neon, sem nenhuma foto, destacada apenas pela palavra “brat”, termo em inglês usado para se referir a crianças mimadas e mal-educadas.

A imagem, que viralizou primeiro entre os fãs, gerou uma série de memes e virou até tendência de moda com a hashtag #BratSummer. Marcas como a TV Globo e o Burger King também entraram na brincadeira e coloriram as suas logomarcas com a cor.

“Ajudar a transformar a percepção inicial negativa sobre a capa de Brat em algo positivo foi uma experiência surreal. Esse projeto é revolucionário, unindo o pop e o hyperpop de maneira única, algo que Charli sabe fazer como ninguém. Passamos a acompanhar os charts, views e streams com muito mais intensidade, e cada atualização se tornou uma notícia importante em torno do álbum”, conta Ghabs, fundador da fanpage Info Charli XCX.

“É louco como a fanbase é fiel a ela de uma maneira única, sempre apoiando seu trabalho e ouvindo seus álbuns. O sucesso do Brat foi uma grande surpresa, tanto para quem já a conhecia quanto para os novos ouvintes. O burburinho causado pela capa foi inesperado e explosivo. Foi nesse momento que vi uma grande oportunidade para amplificar ainda mais o nosso projeto”, diz Ghabs, que cuida sozinho da página, criada em 2021 e que recentemente ultrapassou 16 mil seguidores.

“Ter o carinho e apoio da comunidade é essencial. Algumas vezes, convido amigos para me ajudar, como aconteceu quando ela veio para São Paulo fazer seu DJ set especial no Zig Club. Tem dias difíceis, mas faço tudo com amor, tanto pela Charli quanto pelos angels que nos seguem hoje”, completa.

Outros fandoms da música pop para conhecer e ficar de olho:

BLINK, do grupo de k-pop BLACKPINK.
Little Monster, da cantora Lady Gaga.
Belieber, do cantor Justin Bieber.
Navy, da cantora Rihanna.
Arianator, da cantora Ariana Grande.
Selenator, da cantora Selena Gomez.
Lovatic, da cantora Demi Lovato.
Directioner, da banda One Direction.
KatyCat, da cantora Katy Perry.
Smiler, da cantora Miley Cyrus.
Hooligans, do cantor Bruno Mars.
STAY, do grupo de k-pop Stray Kids.
RBDManiaco, da banda RBD.