Blá-blá-blá-blá-core

No scroll frenético de conteúdos efêmeros, a moda dos múltiplos cores prospera. Mas até quando suportaremos – humanos e planeta – a enxurrada de microtendências?

No que depender das passarelas, a onda de tendências de estilo específico, marcante e, convenhamos, um tanto limitante está diminuindo. Nas coleções de inverno 2024, desfiladas no início do ano, as principais propostas eram de peças de aparência clássica e/ou familiar: um bom blazer, uma camisa pronta para qualquer situação, a calça com corte que não vai parecer desatualizado na estação seguinte.

Do lado corporativo, o das marcas, trata-se de contenção de riscos: com vendas em baixa no mundo todo, é melhor apostar no que pode agradar um maior número de pessoas. É que as qualidades básicas ou clássicas funcionam como uma tela em branco, sobre a qual qualquer um pode construir a própria representação, a própria imagem.

E aí, entra outra interpretação sobre essa suposta não-tendência. No atual frenesi de estar sempre atualizado, o clima constante de reinvenção trouxe uma exaustão estética. Não à toa, desconectar para se reencontrar e deletar apps de redes sociais em momentos de descanso surgem como antídotos para a fadiga.

Não é preciso ser expert para perceber que a moda nunca andou tão rapidamente. A revolução das redes sociais acelerou o caminho entre tendências e produtos à enésima potência. Se hoje você acordou desejando um look athleisure e amanhã se pega flertando com um estilo gótico suave, provavelmente a culpa é das mídias sociais. A cada novo vídeo viral e suas famigeradas hashtags, uma tendência pode nascer e, mais rápido ainda, desaparecer.

“O surgimento de referências virais vem da ascensão do nicho com a nova norma.”
Mariana Santiloni

A trend das trends:

A palavra tendência acumula impressionantes 2 trilhões de visualizações no TikTok. O aplicativo, com mais de 1 bilhão de usuários ativos mensais, é palco para criadores de todos os estilos. “O surgimento de referências virais vem da ascensão do nicho com a nova norma. A cultura digital deixou de ser macro para se tornar micro, e isso abriu espaço para interesses específicos”, explica Mariana Santiloni, especialista em tendências na empresa de consultoria WGSN. 

Enquanto o mundo físico ainda impõe algumas barreiras, o ambiente virtual é um oásis de experimentação destemida. A exibição instantânea seguida de likes gera uma onda de dopamina digital – fenômeno conhecido como Instant Gratification. A hashtag #tiktokmademebuyit (o TikTok me fez comprar isso) representa os 74% dos usuários do aplicativo que afirmam ser influenciados pela plataforma nas suas decisões de compra.

Shein e a moda na velocidade da luz

Ninguém entendeu e capitalizou melhor esse fenômeno do que a gigante chinesa Shein. Enquanto marcas tradicionais ainda estão ajustando suas coleções para a próxima estação, a Shein já lançou, testou e talvez até descartou milhares de novos itens. “Essa geração quer se sentir ouvida e contemplada. As marcas precisam estar atentas à aceleração do ciclo de tendências para se manterem relevantes com o público jovem”, comenta Mariana.

Com um ciclo de produção que varia entre sete e dez dias, a Shein é capaz de transformar uma microtendência emergente em produto disponível para compra em tempo recorde. Essa estratégia de pequenos lotes, dos quais apenas os itens que viralizam são produzidos em massa, permite que a marca seja superresponsiva às mudanças de gosto do consumidor.

“Ela consegue traduzir em roupas o que estamos vivendo digitalmente.”
Henrique Diaz

“A Shein é uma empresa de dados que tem sua materialização via moda. Ela consegue traduzir em roupas o que estamos vivendo digitalmente”, diz Henrique Diaz, VP de Seeding e Scale na Box 1824. Em um ritmo que desafia a lógica tradicional do varejo, a ultrafast fashion inclui entre 2 mil e 10 mil novas peças em seu site diariamente. 

Armada com um arsenal de algoritmos e insights de big data, a empresa disseca o comportamento do consumidor com precisão cirúrgica, além de servir como um espelho das microtendências na produção em escala industrial. “A capacidade de transformar insights em algo material é realmente nova. Essa roupa retroalimenta o comportamento e impacta a própria indústria da moda”, complementa Henrique. Ou seja: a Shein bebe das microtendêcnias para produzir suas peças, mas também inspira criadores de tendências, que consomem os seus produtos. 

O paradoxo da sustentabilidade

Nesse ritmo inquieto de produção e consumo, onde fica a tal da sustentabilidade?

Embora a geração Z seja conhecida pela alegada preocupação com o meio ambiente, o apetite por novidades, somado ao aumento do custo de vida, continua impulsionando os jovens a consumirem uma moda mais barata e acessível. “Somos seres paradoxais. E o mundo contemporâneo permite mais isso”, afirma Henrique Diaz.

Se a indústria do fast fashion do início dos anos 2000 já era apontada como vilã ambiental, o compasso em velocidade máxima das de agora eleva a preocupação a um novo patamar. As emissões de carbono da Shein triplicaram nos últimos três anos, superando as da Zara, Nike e de todo o conglomerado LVMH.

Relatórios da Global Fashion Agenda sugerem que, embora haja uma crescente demanda por moda sustentável, o apelo das tendências se sobrepõe às preocupações ambientais. Em 2022, a empresa chinesa atingiu 22,7 bilhões de dólares de faturamento no mundo. Segundo a Daxue Consulting, em 2023, o aplicativo da marca teve 261,9 milhões de downloads, com mais de 53 milhões de usuários. “Essa geração vive num dilema: dividida entre a realidade da emergência climática e o estresse da crise do custo de vida. Embora 64% dela esteja disposta a pagar mais para comprar produtos ambientalmente sustentáveis, na prática, ela ainda recorre às marcas populares e de fast fashion”, explica Mariana Santiloni.

Fomo, Folo e outros medos contemporâneos

Um dos motores por trás da adesão quase compulsiva às microtendências é a Folo, ou Fear of Logging Off (medo de se desconectar), uma espécie de versão digital da Fomo — Fear of Missing Out, ou o medo de perder algo. 

Na lógica digital, ser visto como relevante nas redes sociais é tão importante quanto qualquer outra forma de aceitação na vida real. Com cada nova tendência, nasce uma oportunidade de se destacar e a Gen Z sofre com a ideia de não fazer parte desse fluxo. “Ao contrário dos millenials, o medo da geração Z não é o de não saber algo, mas sim o de não conseguir pertencer a determinado grupo”, explica o antropólogo Michel Alcoforado.

“Ao contrário dos millenials, o medo da geração Z não é o de não saber algo, mas o de não pertencer a determinado grupo.”
Michel Alcoforado.

Uma pesquisa recente do WGSN sobre comportamento do consumidor aponta que as gerações mais jovens valorizam a fluidez e a flexibilidade de identidades. As microtendências refletem essa vontade de ser de tudo um pouco com muita eficácia. 

O fato é que vivemos uma revolução na forma como a moda é concebida e consumida. “Para o cliente da geração Z, a autoexpressão e a capacidade de cocriar o futuro são incrivelmente importantes”, afirma Sandeep Seth, diretor global de marketing e presidente da América do Norte da Coach, considerada a marca de bolsas premium favorita dessa geração.

Nesse cenário, o menu de estilos que convivem nas redes é tão vasto e eclético quanto as séries do seu streaming favorito. Para os eternos otimistas, o barbiecore pinta o mundo em tons de rosa, enquanto os amantes do lado sombrio encontram refúgio no whimsigoth e quem suspira pelo passado enxerga no cottagecore e royalcore uma saída bucólica e distante da correria atual.

Nessa troca constante de skins, a Gen Z luta por pertencimento e autenticidade em um mundo onde a permanência é cada vez mais rara.

Silêncio é ouro

Se tudo é tendência, será que alguma coisa de fato é? Nesse zum-zum-zum de incontáveis referências, o silêncio volta a querer ter vez. O desejo de não ser notado ganha espaço enquanto encontros que excluem as redes sociais se popularizam entre as marcas – no último desfile da The Row, o convite proibia o uso do celular. 

O cansaço das microtendências tem feito também com que marcas reconhecidas pela qualidade e pelo status atemporal voltem aos holofotes. A estética quiet luxury, sem logos, com cores sóbrias e cortes clássicos foi abraçada até por Kylie Jenner. “Esta é a grande mudança no mundo contemporâneo: não vivemos mais um tempo no qual uma coisa precisa desaparecer para outra poder existir. Elas coexistem”, explica Henrique.

Enquanto o pêndulo oscila entre o efêmero e o eterno, a nova geração redesenha o modo como nos vestimos, provando que, às vezes, o statement mais poderoso é justamente aquele que faz menos barulho.