Carta da editora

Retrato de um tempo.

Carta da Editora

A moda faz parte da história da humanidade desde o primeiro apetrecho com caráter simbólico. Usada ao longo dos milênios como abrigo, fonte de distinção social, dominação política, hierarquia religiosa etc., ela demorou (uns 1,5 mil anos d.C.) para ser estabelecida tal qual a conhecemos, sob o signo ocidental eurocentrista. Mas a verdade é que, desde aquele ancestral remoto enfeitado com adornos de ossos, conchas ou metais, podemos usá-la para analisar um tempo, uma civilização. No mínimo, fazermos um recorte. E é disso que se trata esta edição da ELLE View. Um recorte em 2024, uma leitura sobre o mundo em que vivemos – acelerado, confuso, repleto de informações (e desinformações) o tempo inteiro. Um mundo em que temos saudade até dos bons e velhos celulares burros.

Para começar, nada mais natural do que analisar justamente o corre – ou core – que tomou conta das mídias sociais e passou a ditar, de uma maneira bem antiga, aliás, qual tendência é a da hora. Do dia, do momento. Em Blá-blá-blá-blá-core, a jornalista Juliana Franco traz dados e insights para que a gente possa entender o fenômeno e todas as suas contradições. “Se tudo é tendência, será que alguma coisa de fato é?”, questiona.

Dúvida que surge também em outra matéria, dessa vez escrita por Rafaela Fleur. Sustentável ou plástico disfarçado joga luz em um dos temas mais importantes deste século, a sustentabilidade. Sim, alternativas ao uso de insumos animais são fundamentais (e aqui vai um salve para a última campanha de Stella McCartney, It’s about fucking time!), mas é preciso estar atenta e forte para não cair no greenwashing. Trocar pele animal por pele fake pode ser uma escolha bem danosa ao planeta, já que a falsa provém quase sempre de derivados do petróleo. Em suma: também não dá, se você for uma fashionista consciente.

Mais um tema que apareceu nas passarelas e que ecoa bem esse 2024: a quantidade de brinquedos e personagens infantis nas roupas e nos acessórios, a tal nostalgia de infância, que geralmente está ligada a períodos tumultuados (sendo bem eufemista e um tantinho psicanalista). Em Brincadeira de gente grande, a repórter Natália Gadagnucci nos guia por esse parquinho fashion, de Marc Jacobs a Alexandre Pavão e cia. (Update: a tendência se estende por 2025, vide a coleção da Bottega Veneta)

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Coleção de Alexandre Pavão com Hello Kitty. Foto: Divulgação

Bom, setembro. Mês clássico em que todas as revistas de moda trazem as novidades que vão pautar a temporada. E por aqui não seria diferente, mas é especial! No report From runnaway to elleway, elencamos dez movimentos constantes no inverno 2024 internacional, que chega agora às lojas e, claro, interfere nas nossas coleções de verão também. Mundo globalizado que chama, estações cada vez mais indefinidas, nomeie. PS: não deixe de clicar nos vídeos feitos pela ELLE internacional para resumir o moodboard de temas como country e anos 1960.

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Drielly Oliveira Foto: Fernando Louza

E, numa produção made in ELLE Brasil, a modelo Drielly Oliveira, que voou para São Paulo especialmente para fotografar nossa capa e ensaio, mostra que nessa dança da moda transparências, brilhos e todo um desejo de festa/escapismo voltam ao palco principal – repare como tudo tem um dedinho de fuga nesta temporada, junte com guerras, desastres naturais, crise econômica, incertezas e, pronto, é a moda dando a sua cota de resposta a um período em que muita gente não está querendo mesmo encarar a realidade.

Alô, Hegel

Em sintonia com o zeitgeist, conceito alemão popularizado por Hegel, que significa “o espírito do tempo”, falamos também sobre a “moda” do celibato. Sim, eu sei, é estranho chamar de moda, mas, como esse é um assunto que cada vez mais vem se popularizando e ganhando adeptos, também tentamos entender o que está por trás dessa decisão. Na matéria Sexo, não obrigada!, o repórter Thiago Andrill entrevista adeptos e especialistas em saúde mental para traçar um panorama da abstinência consciente e desejada.

Outro traço da cultura atual, o retorno de um homem com uma imagem, digamos, mais tradicional, mais Glen Powell, menos Timothée Chalamet, é mapeada por Milene Chaves em Só um cara normal. E a possível volta do famigerado batom Snob ganha análise também, pelo nosso editor de beleza, Pedro Camargo, e levanta uma das questões-chave de agora: será que tudo o que parece tendência de fato é? Tá imperdível.

glen powell

Pra terminar, deixo aqui mais uma sugestão de leitura e de possível descobrimento. Se a moda é mesmo o retrato de uma época, não tem como pensar em 2024 sem pensar na moda influenciada pela diáspora africana. A boa notícia é que tá rolando até o final do ano uma exposição sobre o tema e, ainda que ela seja em Nova York, trazemos aqui os destaques e a importância de estar em contato com a moda negra. “Esse fenômeno (a diáspora) desencadeou uma história marcada por traumas e violências, mas também evidenciou a capacidade de recriação das culturas africanas, que não só mantiveram a sua essência viva como também conseguiram criar novas estéticas e identidades nesses territórios. E é justamente essa a perspectiva que a exposição quer destacar”, narra a historiadora de moda afro-brasileira Ana Rafaella Oliveira em Novas histórias das roupas.

Como diz o imortal Ailton Krenak, o futuro é ancestral. A roda gira mais uma vez.

Um beijo, obrigada pela companhia e até a próxima!
Renata