Conheça 4 marcas nacionais que resgatam sua herança asiática

Tansu, Gahee, Katsukazan e Shui ganham destaque no mercado de moda brasileira ao aliarem design e desejos atuais a elementos das culturas asiáticas de seus ancestrais.


Tansu, Gahee, Shui e Katsukazan: conheça quatro marcas nacionais que se inspiram na sua herança asiática
Foto: Tansu/Divulgação



De acordo com um censo do IBGE de 2010, aproximadamente dois milhões de brasileiros se identificam como amarelos – termo usado para se referir à população de origem asiática, que, no Brasil, é majoritariamente japonesa, chinesa, coreana e taiwanesa. Imigrantes ou descendentes, essa parcela representa uma simbiose de culturas que, apesar das adversidades enfrentadas, é capaz de promover fortes pulsões criativas.

Pelo menos foi assim com os criadores por trás das marcas Tansu, Gahee, Shui e Katsukazan. Cada um à sua maneira, eles buscam na ancestralidade a inspiração para uma moda contemporânea, brasileira e global ao mesmo tempo. Abaixo, contamos mais sobre eles:

Tansu

Marcas brasileiras com herança asiática que você precisa conhecer: Tansu

Tate Wasabi posa para sua marca Tansu. Foto: Divulgação

“Minha avó por parte de mãe era costureira de bairro. Minha maior referência na moda é ela, que já não trabalha mais”, diz Tatiana, conhecida nas redes sociais como Tatê Wasabi. O sobrenome, vale dizer, não é o de registro. É um apelido deinfância que pegou. Na época, os amigos de escola quiseram chamá-la de Tati Sushi. Desgostosa, sabendo que parecia errado mas sem entender o porquê, ela rebateu: “Quer saber? Me chamem de algo que nunca vão comer! Me chamem te wasabi”. 

Durante o período escolar, além do apelido (e dos questionamentos resultantes dele), ela se deparou com uma possível carreira na moda, apesar de não levar a coisa muito a sério. “Lembro de desenhar roupas para as minhas amigas, mas quando chegou a época do vestibular, ainda não entendia o quanto a moda podia ser plural.”, diz Tatê. Se inscreveu, então, num curso de arquitetura, mas largou a faculdade no último semestre. Seu chamado era mesmo para moda. 

No último ano da segunda faculdade, começou a se organizar para lançar sua marca própria. “Foram anos juntando grana, mas aí veio a pandemia. Não dava para sair de casa e pesquisar tecido pela internet era inviável”, lembra. 

Dez peças foram lançadas na primeira coleção, todas inspiradas em casas tradicionais japonesas. “O tema não aparece de forma escancarada, mas a partir do jogo de luz e sombra, linhas geométricas e outro padrões perceptíveis”, explica a designer. Exemplo máximo é a saia best-seller Cortina, plissada com lateral aberta. 

O nome Tansu também tem inspiração no mobiliário do país. “É um estilo de armário que surgiu no Japão feudal. Tinha até rodas, como uma carreta, para que as pessoas pudessem se locomover com ele, levando louças e comida. Não era um objeto decorativo, mas com o tempo e o surgimento de outras demandas, perdeu as rodas e ficou para fora das casas, servindo de depósito. Só depois que voltou para dentro, como decoração.”

“É um objeto versátil. E acho que uma marca, qualquer que seja, precisa ser versátil e adaptar sua essência ao que a sociedade precisa”, fala Tatê.  “Muita coisa da Tansu é ajustável, traz cordas que você pode usar soltas ou presas, cintos para ajustar dependendo de como quer o caimento, elementos que você esconde ou enfatiza”, exemplifica ela. 

Essa dualidade está intrinsecamente relacionada com a sua vivência pessoal. “Acho engraçado que as pessoas falam ‘a Tansu é uma marca japonesa’, mas não! É uma marca brasileira criada por uma descendente de japoneses. Existe um estereótipo do que é  brasileiro. Precisamos expandir nosso conceito porque o Brasil é plural, e o criador brasileiro parte de uma base diversa de influências.”

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Gahee

Marcas nacionais com herança asiática para você conhecer: Gahee

Mary jane Gudu da Gahee. Foto: Divulgação

Desde a faculdade de moda, finalizada em 2017, Gabriela Song tinha a vontade de abrir uma marca própria. Só não conseguia definir qual seria seu produto. Filha de coreanos e nascida em São Paulo, a designer cresceu  bem próxima à indústria de moda. Sua estudou na Parsons School of Design, em Nova York, e junto a seu pai comanda uma marca de atacado no bairro do Bom Retiro, na capital paulista. “Acabou sendo uma inspiração para seguir esse caminho”, confessa. 

“Mas tenho um lado de arte muito forte. Fiz uma pós em práticas artísticas contemporâneas. Queria criar roupas com identidade e seguir um caminho diferente daquele dos meus pais – um caminho, diria, de sobrevivência, focado no lucro. Então existia um questionamento enorme de como eu venderia minhas peças.”

Isso e outras experiências que apareceram no meio do caminho – como morar no país de origem de seus ancestrais – fizeram com que deixasse o desejo de lado por um tempo. Até que em meados de 2020, durante a pandemia, retomou sua pesquisa. Observando as fotos de seu casamento, reparou no sapato que usou para a ocasião: um modelo com ponta virada para cima que completava seu hanbok, roupa tradicional da Coreia usada na cerimônia. “É um calçado típico das dinastias, época de reis e rainhas. Existiam vários modelos, como um de palha, um de madeira e esse com a ponta levantada. Com o tempo e o encontro com ocidente, foram abandonados na rotina.”

Meses depois do “reencontro” nasceu seu primeiro produto: a mary jane Gudu, que combina a forma da sapatilha com a do sapato coreano. Desenvolvido nas cores areia, preto, azul e amarela, o lançamento deu à luz a Gahee, marca que leva o nome de Gabriela na língua do país de seus pais e avós.

“A essência da Gahee é essa mistura da Coréia do Sul com o Brasil. É um lugar de expressão cuja base é minha identidade, minha herança cultural e a migração dos meus ancestrais”, conta a fundadora. “Isso me permite imensas possibilidades de criação.”

Depois de uma pausa por conta do nascimento de sua filha e outras questões pessoais, a marca será retomada neste segundo semestre com foco em produtos de lifestyle. “Vou abrir um espaço físico que funcionará como escritório e showroom. Estou em processo de finalização, mas posso adiantar que nessa nova fase objetos serão destaque”. O sapato, por outro lado, deverá seguir no portfólio. 

 

Shui

Marcas nacionais com herança asiática para você conhecer: Shui

A Shui é inspirada no street style asiático. Foto: Divulgação

“Tenho uma foto da gente estendendo pano na rua do Brás e vendendo ali mesmo, gritando”, diz Ronaldo Pan Ye, criador da Shui. Seus pais, nascidos na China, migraram para o Brasil na década de 1990 e, desde então, trabalham com venda de roupas. “Sou o famoso chinês do centro. Comecei a ajudá-los aos 12 anos, no Shopping 25 de março. Foi ali que aprendi a vender.”

Cinco anos depois, aos 16, resolveu montar o próprio negócio. “Minha família tinha dívidas de até 7 dígitos por investimentos não que fruíram. Vivi uma infância sofrida por isso, e queria ganhar dinheiro. Crescer no Brasil foi difícil. A cultura e os costumes não batem. Eu era o único chinês da escola, e nos meus primeiros lanches, eu levava arroz e peixe. O pessoal achava esquisito.” 

Com vontade de crescer e superar as crises financeiras e emocionais, criou o site de revenda de sneakers Cloud State. Tocou o negócio ao mesmo tempo em que começou a vender on-line peças da confecção do seus pais. O ano era 2020, e o comércio físico estava limitado devido à crise da Covid-19. “Criei uma loja virtual para eles, mas só consegui os lucros pelo Instagram”, diz Ronaldo. É que, na época, ele começava a ganhar influência com o público por meio de vídeos sobre k-pop e comédia postados nas redes sociais. 

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A virada para o Instagram determinou o nascimento da Shui, única operação que toca atualmente. “A primeira peça que vendi por lá era uma calça cargo da confecção do meus pais. A partir dela, e de todo o conteúdo que criava, o pessoal passou a pedir mais do que eu vestia e roupas inspiradas na Ásia”, diz ele. Hoje, seus pais não trabalham mais para o atacado e toda estrutura da confecção é utilizada para o desenvolvimento das coleções da marca.

“Minha inspiração é a Ásia inteira – da China ao Japão, da Tailândia à Singapura”, fala, sobre a fonte por trás de seus moletons amplos, pólos e  camisetas ilustradas. “Além de serem mestres (os asiáticos) na fabricação, eles têm um entendimento muito bom de caimento e modelagem. Novas marcas nascem o tempo inteiro por lá porque o crescimento econômico e o processo de criação são muito rápidos.”

A coleção que será lançada no fim deste ano será composta de roupas utilitárias, com estética militar, criadas para simular como sobreviveriam os humanos no fim dos tempos. “Imaginamos o planeta sem água”, adianta Ronaldo. Curiosamente, é o recurso natural que dá nome à marca – shui é água em mandarim. “Tirei da frase ‘be like water’ do Bruce Lee, em quem eu era completamente viciado enquanto criança. A água é fluida, preenche rachaduras. Mas também pode ser tão forte a ponto de quebrar uma pedra. Ela se molda às diversas circunstâncias, como quero me moldar para não sofrer como sofri durante meu crescimento.”

 

Katsukazan

Marcas nacionais com herança asiática para você conhecer: Katsukazan

Bolsa Pastel de Vento da Katsukazan. Foto: Divulgação

Talvez você já tenha se deparado com fotos de bolsas de lona vinílica, quase sempre em cores vibrantes e em formatos retangulares. Os produtos, criados pelo casal curitibano Priscila Sabino e Guilherme Akio, viraram uma febre nas redes sociais – atualmente, os lançamentos são seguidos por mais de 46 mil pessoas por lá. 

Katsukazan, que significa vulcão ativo em japonês, foi a palavra escolhida pela dupla para dar nome à marca focada em acessórios, lançada em 2018. “Queríamos algo que remetesse à natureza, porque andamos muito de bike. E o vulcão, apesar de ser uma montanha sólida e estática, traz essa ideia de movimento quando está em erupção”, explica Guilherme. 

Para além dos símbolos, a influência japonesa aparece  no minimalismo característico da etiqueta. Apesar da paleta chamativa, que passeia pelo azul ciano, amarelo puro e verde escuro, os formatos nunca fogem da simplicidade. “De início, isso aconteceu por uma falta de habilidade nossa com a modelagem. Somos formados em design de produto, e tínhamos pouco conhecimento de costura. Pensamos em qual seria a forma mais fácil de criar uma bolsa e daí veio a pastel de vento – um modelo simples que é quase uma carteira maximizada”, comenta Guilherme.. 

“Queríamos bolsas resistentes e impermeáveis, que pudéssemos usar com facilidade para cima e para baixo, de forma confortável, pelas andadas na cidade com a bicicleta, o nosso principal meio de locomoção”, diz ele.

Os três modelos apresentados no lançamento da Katsukazan logo ganharam força entre os círculos próximos de amigos ciclistas, mas não demoraram para furar a bolha. “Percebemos o apelo streetwear dos acessórios. E em um determinado momento, a marca começou a se expandir entre esses dois pólos: o da galera do design e o da mobilidade urbana”, finaliza Guilherme. Neste ano, a marca abriu sua primeira loja física, em São Paulo, e começou a expandir seu portfólio para o vestuário. 

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