Herchcovitch;Alexandre, inverno/primavera 2024

Na manhã desta quarta-feira (24.07), abrindo a programação da 54ª edição da Casa de Criadores, Alexandre Herchcovitch mostrou que segue questionando regras na moda. Este é o terceiro desfile desde que o estilista retornou a marca que fundou, a Herchcovitch;Alexandre. Antes mesmo da apresentação começar, já dava para perceber uma dessas transgressões ao pegar a ficha técnica sobre o assento: a estação marcada era inverno/primavera 2024.

A mistura das nomenclaturas se deu por conta de um atraso tanto na produção de alguns dos tecidos trabalhadíssimos da coleção quanto na data do evento, que calhou de ser na metade do inverno brasileiro. Seguindo o calendário tradicional, a temporada agora seria de primavera/verão. Alexandre, no entanto, não quis deixar de apresentar suas ideias para os dias mais frios, nem decepcionar suas clientes que querem um casaquinho mais potente.

Herchcovitch;Alexandre, inverno/primavera 2024 Foto: Zé Takahashi

A venda da coleção será dividida em drops, com o primeiro de inverno. Mas que nem tudo o que se viu vai para as lojas. Muitas das peças serão feitas somente sob encomenda devido à complexidade de construção e custo do tecido.

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Agora, ao desfile: o primeiro bloco é cheio de looks mais pesados, austeros até. Há vestidos e saias longas em um tom bem fechado de cinza, calças de alfaiataria, golas altas, terninhos, suéteres e cardigãs de cashmeres, feitos em parceria com Marisa Ribeiro. A surpresa vem quando as modelos viram de costas: o recorte embaixo do bumbum, que já havia dado as caras no seu último desfile de verão e é um recurso recorrente em seu trabalho.

Herchcovitch;Alexandre, inverno/primavera 2024 Foto: Zé Takahashi

No segundo bloco, há uma transição suave do inverno para a primavera, com veludos de seda usados em calças e vestidos fluidos e paletós mais estruturados. As estampas são as mais genéricas do fornecedor, explica Herchcovitch no backstage. A graça está na mistura delas, que pode até parecer esquisita em um primeiro momento, como se fossem desconexas. Há motivos florais dourados com fundo roxo e mostarda, xadrezes azuis e até uma versão meio abstrata em tons contrastantes. O que alguns chamariam de brega, o estilista usa para construir uma paleta de cores rica e interessante.

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O desfile segue com outras novidades e códigos conhecidos da marca, como o jeans rasgado, sucesso de Alexandre quando dirigiu a criação da Zoomp, aqui com um forro de seda estampada com pequenas caveirinhas que aparece pelos buracos da calça. Os vestidos e doudounes florais são de náilon reciclado, estampado com a técnica Ikat, do Sudeste Asiático, em que os fios são tingidos antes do processo de tecelagem. Daí o efeito embaçado.

Herchcovitch;Alexandre, inverno/primavera 2024 Foto: Zé Takahashi

As silhuetas históricas, emprestadas do século 18, são outro recorrência na pesquisa do designer. Sua versão, no entanto, tem o volume do quadril estruturados não por crinolinas, mas por pregas horizontais, que garantem mais movimento à roupa.

O acento fetichista vem nos macacões colados ao corpo que fazem referência a algo que Herchcovitch diz nunca ter colocado na passarela, apesar de ser parte fundamental de sua história: a sua relação com Marcia Pantera. As roupas que ele desenhou para a drag queen no começo de sua carreira foram feitas pela primeira vez em tons de marrom e bege, com amarrações de elástico que prendiam as pernas e adornavam o torso.

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A montação drag se transforma em roupa “de ginástica” e é combinada a um casacão poderoso de neoprene e uma bolsa porta-salto, um aceno aos yuppies estadunidenses que usavam tênis esportivos para ir trabalhar e trocavam por sapatos altos ao chegar no trabalho.

Herchcovitch;Alexandre, inverno/primavera 2024 Foto: Zé Takahashi

Na parte final, vestidos longos também ganham o detalhe da bundinha de fora. Destaque para o último look, um vestido de jacquard de seda feito com fios de ouro importado da fábrica mais antiga da China, berço do tecido. Ele arremata a melhor coleção do estilista desde que voltou à sua marca homônima.

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Depois do desfile anterior, cheio de colaborações e parcerias, o inverno/primavera 2024 de Herchcovitch chega focado quase exclusivamente em técnica, construção e materiais – algo que faz sentido para o momento de saturação do mercado atual. Mais do que isso, faz mais sentido com o que o estilista se propõe e sempre se propôs a fazer na sua passarela.

Em tempos em que a foto do Instagram parece importar mais que a qualidade da peça, Alexandre Herchcovitch mostra que continua sendo um transgressor de alma. Se não pelo choque da passarela com a cruz invertida e da roupa manchada de sangue – quem assistiu ao documentário da HBO, sabe –, aqui pelo luxo, pela atenção aos detalhes e pela boa construção de roupa e de imagem de moda.