Os principais temas e tendências do inverno 2021 masculino de Paris

Das referências lúdicas e infantis, passando pelas colaborações artísticas e desconstrução de arquétipos por meio das roupas, explicamos tudo o que você precisa saber sobre os desfiles da semana de moda francesa.


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Louis Vuitton Fotos: Cortesia



Depois de uma temporada apática em Milão, os desfiles masculinos de inverno 2021 ganharam um pouco de força criativa em Paris. Diferente da fashion week italiana, quase toda focada em desdobramentos do vestir em tempos pandêmicos, a francesa se propôs a questionamentos outros, da estrutura e construção da roupa até sua função na maneira como construímos arquétipos sociais e culturais. Teve ainda parcerias com artistas plásticos, apresentação em forma de livro e um constante retorno a ideias e representações infantis.

Na Louis Vuitton, Virgil Abloh conseguiu sintetizar muitos dos temas citados. Começando pela própria apresentação. Não chega a ser uma collab nos moldes daquelas da Dior Men ou da Loewe. Ainda assim, o vídeo de Josh Johnson e participações como as de Saul Williams e Kai Isiah Jamal indicam um tipo de parceria e cocriação bem relevantes para o trabalho do estilista – e para como se faz moda hoje.

 

Aí vem o mix de culturas e referências, muitas delas bem próximas às vivências do próprio diretor criativo. Um dos looks mais emblemáticos e mais postados nas redes sociais é uma espécie de saia tipo cobertor, com jaqueta volumosa, rosto coberto por máscara, um grande chapéu de cowboy (tudo na mesma padronagem) e uma mala prateada numa espécie de carrinho de feira. Porém, o que entrega o modus operandi de Abloh são as interpretações sobre o tecido Kente. Em entrevistas, ele disse se tratar de uma lembrança de seu pai, que não abandonou a veste mesmo depois de se mudar de Gana para os EUA.

A combinação do Kente com alfaiataria, moletom e todo um vasto repertório de streetwear indicam muito do que há por trás da coleção (o styling impecável é de Ibrahim Kamara). Ainda mais ao levarmos em conta a própria história de Virgil. Fala de transição, adaptação, adequação, pertencimento e transformação. Nem sempre de maneiras positivas ou fáceis. Muitos dos arquétipos socioculturais de hoje foram construídos sob perspectivas eurocêntricas. A ideia aqui é justamente subverter tudo isso, mostrar possibilidades a partir de outras narrativas, outros pontos de vistas – mais negro, trans e marginalizado.

De volta à infância

Não foi à toa que Virgil pensou sobre a pergunta “o que você quer ser quando crescer?”, durante a elaboração desta coleção. A resposta de uma criança tende a ignorar construções sociais muitas vezes impeditivas à realização de seus sonhos. Abordar estéticas infantis, trabalhar com elementos lúdicos e buscar algum tipo de conexão com a infância pode ser visto como uma tentativa de desconstrução – e reconstrução – de um mundo e realidade livres das opressões e estruturas há tempos vigentes.

O assunto foi recorrente entre alguns dos principais desfiles masculinos da temporada de inverno 2021. Apareceu nos macacões de tricô da Prada, nos acessórios da Jil Sander, nas modelagens oversized de Dries Van Noten. Diferente de coleções passadas, esta mais recente do estilista belga não tem um tema ou inspiração específica. Também não é focada em estampas, texturas ou elementos têxteis preciosos, como de costume. A intenção é explorar novas possibilidades de construções de peças clássicas. A camisa perfeita, a calça com corte perfeito, o blazer ideal e por aí vai. Devido às proporções e formas amplas, muitas peças lembram as que vestíamos de nossos pais quando eramos crianças – o que dá ainda mais frescor à coisa toda.

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Dries Van Noten.

Na Loewe, depois da caixa enviada para jornalistas e compradores, o diretor de criação Jonathan Anderson criou um livro com imagens da coleção, estampas, amostras de tecidos, textos e algumas de suas referências. Ainda que não exatamente infantis, suas roupas trazem uma inocência impúbere, um frescor na exploração da identidade a partir da relação entre corpo e roupa. Muito provavelmente devido à principal inspiração desta coleção: o artista Joe Brainard.

Parcerias artísticas

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Dries Van Noten. Loewe.

Não é de agora que Jonathan Anderson olha para nomes criativos queer em busca de inspiração e conexão com os tempos atuais. Porém, elementos do trabalho de Brainard o tornam particularmente interessante para o momento. Uma de suas principais qualidades estava em aproximar temas extraordinários de contextos reais – e vice-versa. Suas obras tinham uma estranha qualidade cotidiana capaz de tornar sublime elementos dos mais banais e traduzir para a realidade nua e crua algo aparentemente intangível.

É interessante pensar nisso em tempos de privações. Com acessos limitados, o que está próximo e sempre presente ganha outros ares, outras aparências. Podem abrir caminhos para explorações estéticas e identitárias das mais diversas e interessantes. Como bem exemplificam as imagens da coleção.

Outra parceria, já menos filosófica e mais com cara de colaboração tal qual estamos acostumados, é a da Dior Men com o pintor Peter Doig. O diretor criativo Kim Jones conheceu o artista por intermédio do chapeleiro Stephen Jones. Este, por sua vez, estudou com o escocês na Central Saint Martins. À época, Doig e Stephen faziam parte de uma mesma cena clubber londrina que serve de gatilho criativo para muita gente até hoje – Kim, inclusive (não faltam referências aos anos 1990 na coleção, com destaque para as calças de alfaiataria com barra aberta nas laterais).

Elementos de suas pinturas como os leões de Judá (de Rain in the Port of Spain), pescadores (de Spearfishing) ou as silhuetas contra-luz de homens com seus chapéus (de Two Trees), aparecem das mais variadas: em estampas, tramadas, bordadas, em jacquard. O preciosismo das peças tem conexão direta com o trabalho recente de Jones em transportar para o masculino alguns elementos da alta-costura da Dior. Vide os botões dos casacos de inspiração militar, uma adaptação dos que o couturier Marc Bohan usou em um vestido na década de 60.

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