Paris Fashion Week: Chanel, verão 2026

Matthieu Blazy dá início a uma nova era na Chanel em uma das estreias mais consistentes e promissoras da temporada.


Chanel, verão 2026
Chanel, verão 2026. Foto: Divulgação



Como quase todas as estreias desta temporada – e olha que foram várias, foram 15 no total – a de Matthieu Blazy na Chanel também dividiu opiniões. Independentemente de qual seja a sua, a minha, a nossa, uma coisa é certa: foi um acontecimento histórico. É uma marca com mais de 100 anos e, ao longo de sua história, a gente só conheceu duas versões dela: a da própria Gabrielle Chanel, entre 1910 e 1971, e a de Karl Lagerfeld, entre 1983 e 2019. Sim, teve um breve período em que a casa foi comandada por Virginie Viard, mas ela apenas deu continuidade ao legado do mestre e amigo – e preparou o terreno para uma transição menos dramática.

Agora, sob direção criativa de Matthieu Blazy, a maison entra numa terceira fase completamente nova e desconhecida. Tudo começa com algumas fotos de Coco Chanel com uma camisa branca. Supostamente, a peça não era dela, era emprestada de um boy. No caso, o seu boy: o inglês Boy Capel, grande amor de sua vida. Eles tiveram uma relação de 1909 até 1919, quando ele sofreu um acidente de carro e morreu. Foi ele quem financiou os primeiros anos de operações da grife. Foi ele também quem entupiu os ateliês da couturier de camélias quando ela reclamou que nunca recebia flores.

Boy só usava camisas da Charvet. Fundada em 1838, ela existe até hoje e, a pedido de Matthieu, fez três modelos especiais para o desfile. Bruno Pavlovsky, presidente da divisão de moda da Chanel, refutou a ideia no início. Ele afirmou que a grife não fazia colaborações. Com jeitinho, o recém-chegado diretor criativo convenceu o chefe de que se tratava de um ofício específico, não muito diferente dos realizados pelos ateliês artesanais comprados pela Chanel, como o Lesage, de bordados, ou o Michel, de chapéus. Resultado: foram criados três modelos. Um meio de festa, com uma cauda longa, outro clássico (só um pouquinho oversized) e um azul cropped. Todos com o nome da etiqueta bordado, como nos anos 1920, e com correntes de metais aparentes nas barras.

Chanel, verão 2026

Chanel, verão 2026. Foto: Divulgação

Chanel, verão 2026

Chanel, verão 2026. Foto: Divulgação

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Chanel, verão 2026. Foto: Divulgação

Chanel, verão 2026

Chanel, verão 2026. Foto: Divulgação

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Os primeiros looks da apresentação são uma dupla de ternos de lã superleve, acabamento a fio, com bordas desfiadas, shape quadrado, comprimento encurtado e proporções levemente afastadas do corpo. Afinal, Gabrielle era pequena e seus boys, alguns números maiores. A jaqueta da primeira entrada, aliás, foi cortada a partir de uma peça do próprio Matthieu, daí a silhueta masculina.

Daria para passar horas falando, ponto a ponto, sobre códigos e elementos originais da Chanel que Matthieu Blazy atualizou ou interpretou. Só para citar alguns, tem o gosto (curioso) da estilista por espantalhos e objetos de palha. Isso aparece em uma trama de algodão de aspecto seco, mas supermacio e leve, em tom de dourado, com acessórios em formato de trigo, outra paixão da francesa.

O jérsei aparece em combinações bem soltinhas de blusas alongadas e saias retas ou em vestidos monocromáticos. Alguns desses itens, aliás, nem são de jérsei na real. São de uma malha de seda feita em um processo similar ao da produção de meia-calça. O vestidinho preto é reimaginado em tricô ou como camiseta alongada com saia em camadas.

Chanel, verão 2026

Chanel, verão 2026. Foto: Divulgação

Chanel, verão 2026

Chanel, verão 2026. Foto: Divulgação

Chanel, verão 2026

Chanel, verão 2026. Foto: Divulgação

Chanel, verão 2026

Chanel, verão 2026. Foto: Divulgação

Chanel, verão 2026

Chanel, verão 2026. Foto: Divulgação

Chanel, verão 2026

Chanel, verão 2026. Foto: Divulgação

E tem o tweed, que merece atenção especial. Eles são levíssimos. Leveza, diga-se de passagem, é a qualidade mais essencial de uma roupa atualmente. Quem tem tempo, disposição e energia para passar um dia inteiro numa roupa dura e pesada? Voltando, os tweeds são feitos de maneiras diversas. Para um deles, Matthieu e a equipe do ateliê Lesage desenvolveram um novo fio de algodão que permite uma trama mais encorpada e, ao mesmo tempo, aberta. Outros são completamente bordados. E tem uns que aparecem estampados, porém são diferentes tecidos colados com o calor.

A, e não esqueçamos das bolsas. Em especial, a 2.55, meio amassadinha, com aba dupla, meio aberta. Parece bobagem, mas é um detalhe bem interessante e representativo de como Matthieu olha para o passado para expressar o presente de forma relevante. O jeitão meio amarrotado, por fazer da tal bolsa, sugere pressa, movimento, sem tempo, irmão. Não custa lembrar que o grande boom da Chanel coincidiu com toda a revolução modernista e com a produção automobilística em linha de série.

Algumas roupas têm também acabamento ou efeitos que simulam dobras e desgastes feitos pelo tempo ou pelo uso recorrente. Muito já se falou sobre encontrar beleza na imperfeição e coisas do tipo. A própria Chanel era adepta dessa ideia, bem como da desconstrução de convenções sociais no vestir e no comportamento. Aqui, porém, não se trata disso. Ou não disso. Esse, na verdade, é um olhar quase antigo, previsível e superficial sobre o assunto.

Chanel, verão 2026

Chanel, verão 2026. Foto: Divulgação

Chanel, verão 2026

Chanel, verão 2026. Foto: Divulgação

Chanel, verão 2026

Chanel, verão 2026. Foto: Divulgação

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O que essas roupas com aparência comum, conhecida, familiar e usada sugerem tem a ver com uma mudança de olhar na moda que começou a tomar corpo mais expressivamente nesta temporada. Para resumir, rolou uma descida do pedestal generalizada. A gente viu isso nas passarelas da Versace, Loewe, Alaïa, Celine e, em certa medida, na Dior.

Na Chanel, foi onde esse movimento se concretizou de forma mais consistente, coerente e fundamentada – no que a marca representa, principalmente. Lá nos anos 1920 e, mais tarde, entre as décadas de 1950 e 1960, Coco Chanel provocou rupturas similares ao desmontar a pompa e o espetáculo dominantes nas modas de então. O cansaço, a forçação de barra e a artificialidade provocados pela economia da atenção e pelas lógicas de funcionamento das mídias sociais não são uma novidade.

E sim, a gente já viu e ouviu respostas a tudo isso em temporadas anteriores. Acontece que agora parece ser diferente. Menos conversinha e mais substância (ou essência) de fato. Não tem o blá-blá-blá do quiet luxury, da oposição de uma coisa ante a outra. São apenas roupas boas, para serem vestidas, usadas, sentidas. Não apenas mostradas e repostadas. Se parece coisa pequena ou aquém, talvez seja só questão de ajustar o olhar, as expectativas ou sintonizar melhor a frequência com tudo que está rolando no mundo.

Chanel, verão 2026

Chanel, verão 2026. Foto: Divulgação

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Chanel, verão 2026. Foto: Divulgação

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Chanel, verão 2026. Foto: Divulgação

Mudanças de paradigma são sempre polêmicas e dividem opiniões. E tudo bem. Só é importante separar gosto pessoal de evidências de transformações de comportamento, estética e pensamentos. Caso contrário, fica difícil seguir em frente, evoluir.

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