A moda e a guerra na Ucrânia

Apelo por embargo à Rússia, boicote, doações, protestos na porta de desfiles. Neste episódio do podcast ELLE News, falamos como a indústria da moda tem reagindo à situação na Ucrânia, após o país ter sido invadido pelo exército russo.


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Na quinta-feira passada, no terceiro dia da semana de moda de Milão, a blogueira Poly Kyrychenko, embaixadora de marcas ucranianas na Itália, chegou ao desfile da Max Mara pela manhã com um cartaz improvisado em um pedaço de papelão dizendo “No War in Ukraine”. À tarde, um pequeno grupo de pessoas pedia o fim da guerra na porta do desfile da Prada.

No dia seguinte, também houve uma manifestação a favor da Ucrânia na entrada da apresentação da Versace. Mas foi só no domingo, dia 27, três dias depois da invasão da Ucrânia pela Rússia, que a guerra finalmente se fez presente dentro da sala de desfiles.

Giorgio Armani, que você acabou de ouvir, apresentou sua coleção de inverno 2022 sem nenhuma trilha sonora em sinal de respeito às pessoas envolvidas na tragédia que se desenrola na Ucrânia.

Nos dias seguintes, como o mundo tem acompanhado, a tensão no leste europeu só aumentou e os ataques russos se intensificaram, atingindo as cidades de Kharkiv e a capital Kiev. E cresceu também a pressão sobre os grandes players da indústria da moda para se posicionarem em relação ao conflito.

Na terça-feira, dia primeiro de março, publicações de moda da Ucrânia se uniram para pedir aos grupos de luxo e às grandes grifes que suspendessem as transações comerciais com a Rússia. No manifesto postado nas redes sociais das edições ucranianas da ELLE, da Vogue e da L’Officiel, as publicações marcaram os grupos LVMH, Kering e Richemont, além de grifes como Chanel, Hermès, Dolce & Gabbana e Valentino, entre outras.

De acordo com o manifesto: “Mostrar sua consciência e escolher a humanidade no lugar de benefícios financeiros é a única postura razoável que se pode ter para enfrentar o comportamento violento da Rússia.”

Algumas marcas e varejistas já anunciaram medidas restritivas em relação ao país comandado por Vladimir Putin. A Adidas anunciou que rompeu o contrato de patrocínio com a Federação Russa de Futebol. As redes H&M, ASOS e Boohoo suspenderam as vendas locais.

A marca dinamarquesa Ganni e a húngara Nanushka estão entre as primeiras grifes de moda a cessar negócios com a Rússia por causa do conflito.

Puma, Nike, Burberry e a rede online Yoox Net-a-porter, do grupo Richemont, também suspenderam as entregas no país.

Mas não é só o posicionamento político que está levando as marcas a deixarem temporariamente o mercado russo. Com o fechamento do espaço aéreo do país e as sanções econômicas internacionais, a logística para as entregas lá está cada vez mais complexa.

A Burberry, por exemplo, explicou que a suspensão das exportações foi tomada devido a “desafios operacionais”, e que a prioridade da empresa é oferecer apoio às pessoas e parceiros, principalmente na Ucrânia e na Rússia”. A Burberry também vai fazer uma doação em dinheiro para a Cruz Vermelha, em prol da Ucrânia.

Fazer doações também foi o caminho escolhido pelos conglomerados de luxo Kering e LVMH para se posicionarem no conflito. A Kering postou em seu Instagram que fará uma “doação significativa” para a Agência da ONU para Refugiados. Já o grupo LVMH anunciou que fará uma primeira doação emergencial de 5 milhões de euros ao Comitê internacional da Cruz Vermelha, além de lançar uma campanha de arrecadação de fundos para essa entidade entre os funcionários do grupo, que detém 76 maisons.

Mas, em meio à turbulência, nem tudo é prejuízo. Pelo menos uma das grifes comandadas pelo LVMH não teve as vendas prejudicadas na Rússia desde o início da guerra, pelo contrário. De acordo com uma reportagem publicada pela Bloomberg, a Bvlgari registrou um aumento nas vendas nos últimos dias. O provável motivo para isso é que os milionários russos estão investindo seu dinheiro na alta joalheria, uma vez que o rublo está derretendo e as transações financeiras estão cada vez mais limitadas.

Ainda sobre a moda na Rússia, a Mercedes-Benz Fashion Week Russia, o maior evento do setor no país, anunciou em seu Instagram que a edição prevista para acontecer entre os dias 16 e 20 deste mês foi cancelada, mas não deu maiores detalhes.

Na Semana de Moda de Milão

Bom, voltando agora para Milão, a gente foca nos principais desfiles dessa semana que se iniciou ainda com a esperança de uma solução diplomática no leste europeu, mas terminou vendo a escalada do conflito na Ucrânia.

E começamos com uma estreia: o estilista belga Glenn Martens, criador da Y/Project, debutou na direção criativa da Diesel nesse inverno 2022. E não decepcionou em termos de imagem: trouxe as minissaias que estão bombando, em quase todos os desfiles, em uma versão ultracurta e com cintura megabaixa, lembrando um cinto mesmo, além de uma extensa pesquisa com jeans, matéria-prima principal da marca. O tecido se transforma em casacos, vestidos e blusas felpudas por meio de um trabalho de superfície e vários tipos de lavagens e beneficiamentos.

No mesmo dia, um pouco mais tarde, foi a vez de Kim Jones desfilar o feminino da Fendi. Para começar a construir sua coleção, ele explorou desfiles antigos da marca italiana, como uma blusa do verão de 1986, roubada por Delfina Delettrez do guarda-roupa de sua mãe, Silvia Fendi. Depois, Jones juntou essas referências a imagens do inverno 2000 e criou uma moda cheia de transparências em vestidos e saias mídi.

O estilista também fez um contraponto de leveza com looks estruturados, como as camisas com construção de corset e os casacos em couro. Ao que parece, o designer está encontrando o seu caminho na marca, pois muitos afirmaram que foi a sua melhor coleção até agora.

Já no segundo dia de Milão, uma das apresentações mais aguardadas da cidade: a Prada. E aqui é possível fazer mais conexões com o mundo exterior, do que no caso das demais passarelas milanesas. Em tempos de caos mundial, os codiretores criativos Miuccia Prada e Raf Simons preferiram olhar para trás. Relembraram alguns dos símbolos mais famosos da etiqueta, como os casacos do verão de 1996, a temporada em que a estilista criou o conceito de ugly chic, as penas e tecidos franzidos do inverno 2007, a alfaiataria sóbria das primeiras coleções da marca e até as regatinhas caneladas do começo dos anos 2000.

Assim como a Fendi, a Prada também criou uma dualidade entre leveza e peso, com casacos estruturados de lã ou jaquetas bomber bordadas com flores 3D combinados a saias mídi e vestidos transparentes. Os casacos de ombros marcados da última coleção masculina também estavam lá, em versão menos rígida, com ombros mais discretos e cores vibrantes. A ideia é de uma roupa utilitária, que faça sentido e diferença na vida de quem a usa.

Esse desfile também marcou a estreia de Kendall Jenner e Hunter Schafer, atriz da série Euphoria, da HBO, na passarela da marca italiana. Na primeira fila, por sua vez, Kim Kardashian estava a postos para ver a irmã brilhar e até tirou uma foto com Raf e Miuccia no jantar após desfile. Selfie de milhões!

Outro destaque de Milão foi a Gucci, que apresentou sua colaboração com a Adidas em uma passarela cheia de espelhos. As três listras brancas e o logo da marca esportiva serviram como base para interpretações que combinam o estilo retrô da Gucci com o legado da empresa esportiva alemã. Em comunicado à imprensa, o estilista Alessandro Michele comentou como os espelhos distorcem nossa imagem. E os vidros refletivos da passarela da Gucci justamente distorciam o corpo das modelos que caminhavam por ela, aumentando quadris, crescendo narizes e alongando braços.

Houve uma espécie de crítica à dismorfia corporal, distúrbio em que as pessoas se enxergam diferentes do que realmente são, principalmente com tantas telas e câmeras apontadas para a nossa cara o tempo todo.

As roupas da Gucci e toda aquela cacofonia de referências de Michele aparecem mais uma vez em terninhos coloridos, vestidos românticos e no acento vintage que ele tanto gosta. O ponto alto são os corsets triangulares que criam uma ilusão de cintura finíssima, mesmo sem precisar marcá-la. Parece que, afinal, a Gucci nem precisava do auxílio de espelho, com tal design.

Aliás, a silhueta marcada é de fato uma das maiores tendências deste inverno, principalmente em forma de corsets. Lembra que a gente já falou deles durante a semana de moda de Nova York? Eles apareceram de novo, em volume ainda mais alto, na Versace. As estruturas corseletadas roubam a cena em tops curtinhos, vestidos justos, jaquetas puffer volumosas e até em casacos compridos.

A barriga de fora também apareceu com tudo na Versace e é composta com uma parte de baixo mais volumosa, como calças coloridas e jeans envernizados ou até com minissaias estampadas em conjuntinhos de blazers, tipo Patricinhas de Beverly Hills.

Quem também volta nesse desfile são os sapatos pesados da Versace que são um best-seller da marca nas últimas estações. Dessa vez, eles viram também botas até o joelho envernizadas, que compartilham espaço com coturnos e mary janes de bico fino. E é sempre aquele casting bem estrelado que geral adora ver: Bella e Gigi Hadid, Lila Moss, Precious Lee, Eddie Campbell e Vittoria Ceretti.

Outro momento bastante esperado em Milão era a estreia de Matthieu Blazy na direção criativa da Bottega Veneta, após a saída abrupta de Daniel Lee da casa. A gente comentou sobre esse caso na semana passada, no ELLE News. Resumo: o desfile não quebrou paradigmas, mas isso não quer dizer que não houve mudança. A imagem criada pelo estilista surpreende nos detalhes, já que suas formas são menos espalhafatosas e estridentes. O corte é extremamente sofisticado, com as costas e as mangas arredondadas, lembrando silhuetas clássicas da marca.

Como a gente ressaltou logo no começo do episódio, foi nesse clima de incertezas políticas que, na segunda-feira, estreou a Semana de Moda de Paris, a última do calendário e que, com certeza é uma das mais esperadas pela imprensa, buyers e influenciadores.

A semana francesa deu start com um clima de homenagem: foi o último desfile da Off White, desenhado por Virgil Abloh, designer que morreu em novembro do ano passado. No início da apresentação, a voz de Pharrell Williams, em uma entrevista de 2020, fala sobre “compartilhar códigos”, comentando a indústria da música. Essa fala diz muito do jeito de fazer moda de Virgil e também do seu legado. O designer foi um dos primeiros negros a comandar uma marca de luxo, além de levar o tal do streetwear para esse mercado. Na Off White, ele mostrou outros caminhos possíveis, abriu portas. Compartilhou os códigos.

O desfile foi dividido em duas partes. Na primeira, que era a coleção de inverno 2022, tivemos os clássicos da moda de rua como calças cargo, moletons largões e jaquetas puffer. Há também uma presença mais forte de alfaiataria, como nas últimas apresentações da etiqueta. A surpresa fica para a segunda parte do desfile, em que foi desfilada a nova linha de alta-costura da Off White, criada por Abloh e finalizada pela equipe da marca. Eram saias volumosas de tule plissado, bordados mil e até um vestido de noiva, que Bella Hadid desfilou com tênis nos pés e carregando o salto na mão. Era uma espécie de fim de festa. Nele, supermodelos como Cindy Crawford, Naomi Campbell e Helena Christensen se uniram a novos nomes da cena, como Kendall Jenner e Kaia Gerber.

As aspas que se tornaram assinatura da marca traziam a mensagem “Question Everything”. Em tempos de incertezas, de perdas e de muita insegurança, essa é a parte do legado de Virgil Abloh que fica para a história.

O desfile da Off-White já entrou para a lista de preferidos da nossa editora de moda Suyane Ynaya, que está lá em Paris, cobrindo a semana de moda para a ELLE Brasil. E conta um pouco mais dessa apresentação pra gente.

“Não era só um desfile, mais um desfile da Off-White ou como um desfile de lançamento de mais uma coleção da Off-White. Era o respeito que todas as pessoas tinham sobre o trabalho dele. E isso é muito bonito de se ver, porque mostra que a trajetória artística também é constituída por muito afeto. Porque a gente entende que na moda às vezes o processo hoje e a cada dia ganha-se uma velocidade maior, e às vezes a gente deixa pontos não tão afetivos dentro dos nossos trabalhos para que essa construção seja muito mais visual. Então, acho que o Virgil sempre teve esse tom muito sensível, afetuoso, principalmente com quem participou do seu processo, que são seus amigos. Acho que foi uma despedida com muito respeito e foi muito lindo de ver.”

Na semana que vem, a gente traz a cobertura completa da Semana de Moda de Paris, com mais informações da Suyane direto da fonte.

E na pílula de beauté da semana, a repercussão da guerra na Ucrânia também está na pauta do nosso editor de beleza Pedro Camargo. Diga lá, Pedro!

“Oi, pessoal, tudo bem? Seguindo aqui no tema do podcast dessa semana, na beleza as coisas ainda estão muito incertas. Uma das poucas marcas que já se manifestou a respeito dessa situação foi a britânica LUSH, de cosméticos naturais. Eles vão fechar as quinze lojas que têm na Ucrânia devido à crise e vão doar todo o seu estoque para os refugiados. CEO da LUSH, o Mark Constantine, diz que está em constante contato com seus funcionários e garante que eles estão seguros, mas que fechar as lojas é uma medida de precaução incontornável. Sobre as doações, a LUSH está em contato com suas lideranças locais para fazer a distribuição para os ucranianos. No país, a marca estava presente em Kiev (com seis lojas só lá) e mais nove outras espalhadas por cidades menores.”

E para finalizar o episódio de hoje, a nossa editora de cultura, Bruna Bittencourt, fala como o setor artístico tem se posicionado em relação aos últimos acontecimentos no Leste Europeu. Fala, Bruna!

“Assim como a moda e o esporte, as artes não ficaram indiferentes ao boicote à Rússia por causa da invasão na Ucrânia. Iggy Pop cancelou os shows que faria em Moscou, depois de bandas como Green Day e Franz Ferdinand terem feito o mesmo. No audiovisual, a Walt Disney Company anunciou que vai pausar todos os seus lançamentos em cinemas na Rússia e foi seguida pela Warner Bros, que interrompeu o lançamento do mega blockbuster Batman no país. Pra completar, o Festival de Cinema de Cannes, que acontece em maio, anunciou que não receberá delegações russas ou participantes com vínculos com o governo. Já curador e artistas russos que participariam da Bienal de Veneza no pavilhão dedicado ao país cancelaram sua participação no evento, que começa em abril, um gesto saudado pela organização da Bienal, que expressou sua solidariedade aos artistas. Enquanto isso, Sean Penn foi à Ucrânia em meio à invasão russa para gravar um documentário, e conversou com autoridades do país. Mas na última segunda-feira, publicou no Twitter uma foto caminhando no acostamento de uma estrada, contando que deixou seu carro e seguiu andando até a fronteira do país com a Polônia, como tantos civis ucranianos. Por aqui, a gente fica com ele, Iggy Pop, com “Lust for life”.”

Este episódio usou trechos das apresentações de inverno da Diesel, da Prada, da Versace e da Off-White e da música Lush Life, de Zara Larsson.

E nós ficamos por aqui. Eu sou Patricia Oyama. E eu sou o Gabriel Monteiro. E a gente sempre te lembra: curte o ELLE News?

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Agora, bora sextar. Até semana que vem!

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