Ocimar Versolato do Avesso: A escalada até a Lanvin
No segundo episódio: as primeiras coleções que conquistaram o mercado internacional; a chegada à Lanvin, o gosto amargo da crítica e as amizades desfeitas pelo caminho; o desfile no Brasil com Vera Fischer, Hebe Camargo e Rita Lee na passarela; e os figurinos icônicos para Sônia Braga, Ney Matogrosso e Edson Cordeiro.
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Se preferir, você também pode ler este podcast:
“E aí quando ele foi fazer esse desfile, ele me explicou, ele falou: ‘Vera, eu quero desconstruir a tua imagem, sabe? Eu quero botar você com uma… Uma roupa preta. Mas eu quero que você use uma peruca branca, parecendo uma coisa louca.”
Se você tem o ouvido apurado, já deve ter adivinhado que Vera é essa. Sim, é a diva Vera Fischer, que conversou com a gente e relembrou o dia em que participou do primeiro desfile de Ocimar Versolato no Brasil, em 1996.
“E aí ele sugeriu… Eu não sei se era uma saia longa ou uma calça pantalona longa, com aquele… Com uma coisa transparente preta, toda bordada por cima. Então ele falou pra mim assim… Ah, eu tenho um sutiã assim. Eu falei, vamos usar sem sutiã? Aí ele falou, você tem coragem? Eu falei: ‘Eu tenho! Eu estou fazendo uma coisa diferente.’ E foi um furor no dia do desfile! Porque as outras atrizes também estavam meio caracterizadas. Mas o meu chamou muito a atenção.”
Vera não exagera. A imagem imponente da atriz, com os seios à mostra sob o top transparente bordado, foi capa da revista Caras e reproduzida por diversas publicações na época. Mas o fato é que o desfile, como um todo, foi um grande estouro. E serviu pra tornar o nome de Ocimar conhecido no país pra além do circuito da moda. Na TV, nas revistas, nos jornais, Ocimar Versolato era o brasileiro que tinha conquistado Paris.
Eu sou Patricia Oyama. Eu sou Gabriel Monteiro. E este é Ocimar Versolato do Avesso, o podcast da ELLE Brasil que conta a história do estilista nascido em São Bernardo do Campo, que alcançou o topo da moda, caiu e se levantou mais de uma vez, numa montanha-russa que continuaria até a sua morte, há oito anos.
Neste segundo episódio, a gente vai acompanhar a escalada de Ocimar no mercado, que culminou com a sua contratação por uma das maisons mais tradicionais da França.
“Agora, o Ocimar fez um trabalho, fez um desfile aqui no Brasil, que foi uma das coisas mais geniais que eu já vi na minha vida. Olha, que eu já vi desfile, tá? Eu já vi tudo quanto é desfile que você puder imaginar. Eu já assisti, assim, os primeiros desfiles do John Galliano, do Alexander McQueen, já vi tudo isso. Comme des Garçons, na época áurea dos anos 80, de Yohji Yamamoto, já vi tudo. Já vivi tudo isso. Lagerfeld com Chanel nos anos 80, já assisti tudo isso. Mas o Ocimar fez um desfile aqui, que foi uma das coisas mais geniais e incríveis que eu já vi na minha vida.”
Quem fala aqui sobre o desfile que Ocimar fez em dezembro de 1996 em São Paulo é Mônica Mendes. E, como deu pra perceber, ela fala com conhecimento de causa. Mônica, que hoje comanda a agência de consultoria de marketing Reset, foi por muitos anos o braço direito de Eliana Tranchesi da Daslu, onde era diretora de marketing e PR nacional e internacional, além de ter assessorado diversas grifes de luxo no Brasil.
O desfile em questão foi realizado na histórica Estação Julio Prestes, hoje Sala São Paulo, em comemoração aos 30 anos do Shopping Iguatemi, com direção de José Maurício Machline. O evento teve 1.600 convidados, que receberam o convite em uma caixa cor-de-rosa e preta, juntamente com um boné de couro também preto, a marca registrada de Ocimar.
Na passarela de 75 metros, em formato hexagonal, 28 personalidades desfilaram criações do brasileiro, que haviam sido lançadas previamente em Paris. Além de Vera Fischer, que a gente ouviu no início do episódio, participaram do casting nomes como Débora Bloch, Fernanda Torres, Daniela Mercury, Hebe Camargo, Carolina Ferraz, Claudia Ohana, Christiane Torloni, Denise Fraga, Irene Ravache, Maitê Proença, Patricia Pillar, Rita Lee, Simone, Silvia Pfeiffer e Tônia Carrero.
E se o elenco era formado só por celebridades nacionais, a equipe de beleza veio toda da França, por exigência de Ocimar, e incluía o cabeleireiro estrelado Nicolas Jurnjack, como lembra Mônica:
“Os cabelos que o Nicolas Jurnjack fez nessa turma era uma coisa fora da realidade. Você olhava assim para elas e você falava meu Deus, eu não estou acreditando que estou vendo a Hebe Camargo com esse cabelo. A Rita Lee assim, com esse cabelo, com essa maquiagem. E ele fez elas desfilarem como modelo. Ele colocava a roupa de modelo, colocava tudo de modelo. Foi um desfile que eu fiquei chocada até hoje.
Essa sacada de tratar as atrizes como modelos, de fato, fez a apresentação ter todo um impacto na plateia. Rita Lee, por exemplo, entrou total na personagem, como mostra essa entrevista feita nos bastidores por Renata Ceribelli para o Vídeo Show:
“A ovelha negra Rita Lee teve que se concentrar bastante e levou até um incenso para energizar o camarim.
(Renata Ceribelli) – Conta pra gente esse que estilo é esse de Rita Lee na passarela!
(Rita Lee) – É um estilo antipático. Porque eu, como manequim e atriz, sou antipática.
(Renata) – E como vai ser sua performance na passarela?
(Rita) – Eu não posso contar, absolutamente.
(Renata) – Nada, nem um trechinho? Uma ensaio assim, como você ensaia? Pelo menos a expressão do rosto…”
Bom, a gente pode dizer, então, que esse desfile marcou o reconhecimento no Brasil do sucesso que Ocimar estava fazendo lá fora. E agora a gente vai retomar do ponto em que paramos no episódio anterior, para acompanhar como o estilista alcançou esse patamar.
Ocimar estava formado no Studio Berçot, mas sem grana nenhuma e precisando ampliar os seus contatos. Ele começou então a fazer assistência para outros designers.
O primeiro deles foi Gianni Versace. Era 1988 e o italiano estava em Paris para fazer o figurino do espetáculo de música e dança Java Forever. A performance tinha como estrela a cantora e bailarina Zizi Jeanmaire, uma das grandes vedetes francesas da década de 1950.
A música que você acabou de ouvir é dela. Trata-se de Mon Truc en Plumes, cantada ao vivo por Zizi no programa estadunidense The Ed Sullivan Show, em 1965. Se você não é dessa época, mas reconheceu a melodia, há uma explicação: essa faixa foi recentemente recuperada por Lady Gaga, durante as aberturas dos Jogos Olímpicos de Paris 2024. Aliás, toda a performance original, que envolve leques de plumas, foi reverenciada pela Mother Monster na apresentação à beira do Rio Sena.
Voltando à ligação entre Ocimar e Gianni: foi o estilista Antonio D’Amico, namorado e braço direito do fundador da Versace, que ficou responsável pelos ajustes dos looks de Zizi. Ocimar, por sua vez, o ajudou nessa tarefa. Os trajes eram todos bordados e chegaram a ser desfilados na apresentação de inverno 1989 da Versace. Em seu livro, Ocimar recorda que o peso das peças era tão grande, que foi um desafio para a dançarina usar os looks naquela época, aos 65 anos de idade.
Ocimar trabalhou ainda como assistente de Antonio D’Amico e, consequentemente, Gianni, na primeira coleção de alta-costura da Versace em Paris. O desfile foi no Museu d’Orsay, em janeiro de 1989, no formato de um jantar intimista, como costumavam ser as apresentações da Atelier Versace. E toda a experiência próxima de Gianni fez o olhar de Ocimar em relação à moda do estilista mudar.
“Cá entre nós, confesso que detestava a moda de Versace antes de conhecê-lo pessoalmente. Não tinha cabimento um estilista de peso como ele fazer aquelas coisas cafonas, que davam a impressão de a mulher ter saído na rua usando a cortina de casa de campo. Mas esse é o típico pensamento do estudante de moda que acha que entende de tudo. Depois, eu compreendi o motivo pelo qual Versace era considerado um mestre, e porque todos o reverenciavam. O temperamento e as atitudes dele eram de uma constante e colossal generosidade, refletida, inclusive, nos excessos de suas criações. Passei a achar a moda dele admirável.”
Foi outro couturier, porém, que ajudou Ocimar a consolidar seu nome em Paris. A indicação partiu de Marie Rucki, a diretora do Studio Berçot, que praticamente apadrinhou esse início de carreira do brasileiro. Segundo Ocimar, ela defendia que ele não começasse em uma grande maison, mas ao lado de um profissional reconhecido que ajudasse a engordar a agenda de telefones. No caso, Hervé Léger.
A jornalista Lilian Pacce, que também conheceu Ocimar por meio de Marie, recorda dessa fase:
“E na verdade eu conheci Ocimar através da Marie, em uma dessas vezes que ela veio para cá. Ele veio meio que de assistente dela, porque ele foi aluno dela. E ok. Daí ele entrou no Hervé Léger e foi a Marie. Ele começou com o Hervé Léger, que é o rei do vestido bandagem, né? Há divergência se é o Alaia ou Hervé Léger, mas, na verdade, a moda do bandage mesmo, embora o Alaia fizesse, é do Hervé.”
Aqui vale a gente dar uma breve biografia do primeiro chefe de Ocimar. Hervé estudou história da arte na Escola de Belas Artes de Paris, mas abandonou o curso e virou chapeleiro. Em 1981, foi incentivado por Karl Lagerfeld a entrar na moda. Com Lagerfeld, Hervé atuou na Fendi e, depois, na Chanel. Ele também colaborou com a Lanvin e Diane von Furstenberg antes de inaugurar a própria butique, em 1984. Uma curiosidade: o sobrenome de Hervé, na verdade, era Peugnet. Foi o próprio Kaiser quem sugeriu que ele adotasse o nome Léger, derivado de “légèreté”, termo francês para “leveza”.
“Tomei um choque logo na chegada. Ele me recebeu vestido numa jaqueta de daim camelo com franjas enormes balançando nas mangas, calças jeans 501 da Levi ‘s e bota cowboy caramelo pespontada de salto chanfrado… muito estranho. Hervé me mostrou a coleção que havia preparado. A coisa mais patética que eu já tinha visto.”
Essa é a descrição de Ocimar, em seu livro, sobre a primeira vez em que viu Hervé Léger. O brasileiro segue ainda falando que a coleção, inspirada em hortaliças, parecia um festival de verduras: tinha um vestido de lycra com o decote bordado parecendo um alface, a mulher tomate e a mulher repolho. Mas, embora desdenhasse das criações do chefe, o fato é que, com o novo emprego, Ocimar alcançou um dos objetivos que tinha nesse trabalho: abrir portas. Isso fica evidente quando ele teve a oportunidade de representar Hervé no Festival de Cannes de 1990, vestindo estrelas do cinema em nome da grife.
Quem tem boas memórias dessa temporada em Cannes é a francesa Corinne Lucquiaud, que conheceu Ocimar no ateliê de Hervé, onde ela trabalhou na mesma época. Corinne é stylist e designer de chapéus – cria acessórios para desfiles de Rick Owens e Giambattista Valli, entre outros – e naquele início dos anos 90 se divertiu com Ocimar nas festas repletas de estrelas que rolavam durante o festival de cinema no balneário francês.
“One of the best, the funniest, you know, memory is the Cannes Film Festival, because we were between Anjelica Huston, Jack Nicholson, Ocimar and me. And I’ll never forget, I was wearing a rubber dress that I bought in New York, latex, like now…”
Corinne lembra de uma passagem particularmente divertida, em que eles estavam em uma reunião que tinha Anjelica Huston e Jack Nicholson entre os convidados. A noite acabou em gargalhadas com Ocimar caindo de smoking em cima de um canteiro de flores e o vestido de látex de Corinne se quebrando em pedacinhos quando eles voltaram para o apartamento que tinham alugado.
O tombo no canteiro de flores mencionado por Corinne é relatado no livro de Ocimar e rendeu outro episódio bem-humorado. O estilista levou apenas dois smokings na viagem: um preto e um branco. O preto foi destruído na queda no jardim. Restou, então, a outra alternativa pro jantar de encerramento. Vestido de smoking branco, ele acabou sendo confundido com os garçons – e penou a noite inteira para conseguir alguma bebida, já que o staff da festa achava que ele era algum colega folgado infiltrado no meio dos convidados.
Durante os três anos em que Ocimar trabalhou com Hervé, a relação entre os dois passou por altos e baixos. Houve estranhamento no início, mas também jantares e baladas, que eles curtiram como amigos próximos. Ambos compartilhavam o interesse pela sensualidade nos vestidos e desenvolveram técnicas juntos, como a de esconder o zíper em modelos extremamente ajustados.
Mas o fato é que Ocimar tinha uma autoestima, digamos, bastante elevada, e não demorou a chegar à conclusão de que poderia ir muito mais longe sozinho. No processo de criação do ateliê, o cargo que ele exercia ia bem além de ser um mero assistente: Ocimar fazia croquis e criava peças que, no fim, levavam a assinatura do francês. Pelo menos era isso o que ele contava para a modelo Gisele Zelauy, que a gente já ouviu no episódio passado e conheceu Ocimar justamente em um desfile de Hervé.
“E o Ocimar, na verdade, ele… Ah, ele falava assim, que o Hervé falava pra ele: ‘Ah, fica fazendo design, fica fazendo mais desenho, fica fazendo mais, dá mais, dá mais’. E foi pegando as ideias do Ocimar, os desenhos do Ocimar e assinando ele. Mas a ideia original veio do Ocimar. Por isso que o Ocimar, ele viu que ele tinha… que ele tava no lugar errado, que ele podia crescer muito mais, que ele não precisava ficar embaixo da asa de ninguém.”
Aos 33 anos, então, Ocimar deixa o ateliê de Hervé Léger para criar sua própria marca. E aí entra em jogo outro grande talento do estilista: ele tinha o dom de atrair e convencer investidores. Uma das primeiras a quebrar o cofrinho e apostar no designer foi a própria Gisele, juntamente com o fotógrafo Fabio Toscano, com quem ela era casada na época.
“Isso foi acho que em 93, quando ele me pediu dinheiro, que ele ia abrir a companhia dele. E eu e o meu ex-marido, a gente estava em Nova York já. E a gente… Eu acho que vai ser legal, investir nessa companhia, porque ele é supertalentoso. Nosso amigo, porque ele era amigo, assim, a gente, ele se mudou pro meu apartamento em Paris.”
Quer dizer, Gisele e Fábio, não só investiram em Ocimar como cederam o apartamento para ele. E foi lá que o estilista criou a sua primeira coleção.
“Com eu tinha um apartamento em Nova York e outro em Paris, ele acabou ficando com o apartamento de Paris, porque ele não tinha dinheiro, assim, pra ter um ateliê ainda. Aí ele abriu o ateliê quando a gente… Quando ele conseguiu todos os investors. O dinheiro não foi, não veio só meu, ele conseguiu vários investors. Aí ele abriu um ateliê dele. Eu não me lembro que rua que era, mas acho que era no Marré. Tudo novinho. Tudo começando, assim, sabe? Cheio de ousadia, cheio de hope.. E ele colocando toda a criatividade dele pra fora, e era maravilhoso como ele montava os vestidos.”
Gisele Zelauy teve ainda outra participação fundamental nessa arrancada de Ocimar na moda. Ela ajudou o amigo a conquistar os primeiros grandes compradores. E eles eram ninguém menos do que os buyers da Bergdorf Goodman, a luxuosa loja de departamentos de Nova York.
“E ele veio pra Nova York e eu fiz, tipo, um meio, um minifashion show pras buyers do Bergdorf. Porque o que ele precisava era ter um department store comprando a roupa dele. E o Bergdorf bateu o olho nele e falou: ‘A gente quer você exclusivo.’”
Com uma amiga que investe dinheiro na sua marca, cede o apartamento para ser seu ateliê e ainda ajuda na conquista dos seus primeiros compradores, é de se imaginar que Ocimar tenha ficado grato à Gisele Zelauy pelo resto da vida, né? Bom, não foi bem isso o que aconteceu. Mas isso a gente vai ver mais pra frente.
Por enquanto, vamos entender a importância que esses compradores da Bergdorf Goodman tiveram na ascensão de Ocimar. E quem explica como ele conseguiu furar a bolha da moda é Mônica Mendes.
“Ele furou essa bolha porque a Bergdorf Goodman comprou ele. E essa bolha é furada exatamente assim, tá? Eu sei porque eu trabalho com moda há muitos anos, e trabalho com moda internacional há muito tempo. Eu furei essa bolha com a Daslu também, então eu sei como é que é. Quando você chama a atenção de um grande comprador, tá, um grande comprador já comenta, já fala que ela descobriu uma grande estrela.E aí a imprensa internacional toda… A americana, principalmente, a francesa e a italiana, são as três que contam, pra poder despontar um nome etc, já falam: ‘Epa, então a gente tem que estar de olho nisso’”.
Quer dizer, o mercado e a imprensa internacional estão sempre em busca do próximo grande nome da moda. Nessa procura, Mônica explica, não importa de onde veio o designer ou qual a estrutura financeira por trás dele. Todo mundo quer descobrir aquela gema rara do novo talento, o jovem criador revolucionário, afinal, essa é uma indústria que precisa de novidade e sangue fresco para sobreviver. E em meados da década de 90, o nome de Ocimar Versolato estava em alta na casa de apostas da moda.
Afinal, se encantar pelo estilista brasileiro, muitos dizem, era fácil. O primeiro desfile, em março de 1994, na semana de moda de Paris, inclusive foi todo feito na parceria: as modelos, o maquiador, o cabeleireiro e até quem entregou os convites trabalhou por amizade ou por acreditar no potencial do designer.
Na passarela, a coleção tinha principalmente vestidos de cashmere de lã, em tons de cinza, preto e padronagem xadrez, mas que valorizavam o corpo e deixavam a pele à mostra. Segundo o próprio Ocimar sobre a estreia no calendário de prêt-à-porter:
“Na primeira coleção que lancei em Paris, inspirada no jet set dos anos 1970, realcei os decotes, fendas e transparências da maneira mais sofisticada que pude, sem qualquer vestígio de vulgaridade e isso encantou o mundo inteiro.”
A gente aproveita a deixa aqui para apontar algumas características da moda de Ocimar.
Primeiro, tudo era feito em moulage, que é a modelagem construída diretamente no corpo da cliente – ou, claro, em um busto – de forma que o tecido é moldado, com o auxílio de pregas, pences, drapeados, torções, etc. No caso de Ocimar, todos relataram que ele fazia isso de um jeito muito ágil e surpreendente, como conta Mônica:
“Eu vi ele em cena, sabe, fazendo vestido no corpo das mulheres. Era uma coisa surreal. Ele pegava uma musseline, colocava no corpo, ia drapeando aquilo na mão, fazendo uma moulage, costurando. Quando você percebia, primeiro que era um tecido plano e ele ia transformando aquele tecido plano num vestido em algo que você ficava, assim, era de cair o queixo. E nisso, eu vi ali a Naomi Campbell, ele fazendo isso na própria Naomi. E a Naomi Campbell saiu de lá falando pra todas os modelos que ela tinha encontrado um gênio, entendeu?
Outras assinaturas eram os pontos das costuras que não costumavam aparecer, os tecidos, em sua maioria, transparentes e leves, as alças, quando presentes, finíssimas. Muitos looks tinham um corset por baixo estruturando tudo, enquanto os recortes nas pernas e no colo eram bem angulares e as costas geralmente cavadas.
Em uma crítica da jornalista de moda Erika Palomino para a Folha de São Paulo em dezembro de 1996, ela descreve o estilo de Ocimar da seguinte forma: “a roupa conquista pela riqueza de materiais, corte arrojado e preciso, o acabamento impecável, a sensualidade e a feminilidade à toda prova.”
Conversei também com Costanza Pascolato por telefone, que decidiu não participar do podcast, mas quis dizer rapidamente o que achava da moda do paulista. Ela afirmou que não chegava a considerá-lo um gênio, como muita gente dizia, mas reconhecia a sua qualidade de destacar o corpo de forma sexy.
Por sinal, um dos motivos de Ocimar ter se destacado na cena internacional naquele momento foi que a sensualidade levada pelo brasileiro às passarelas estava na contra-mão das macrotendências do início dos anos 1990, como a desconstrução da forma e das noções tradicionais da feminilidade.
Em um trecho da sua autobiografia, ele diz:
“A tendência grunge exerceu uma influência negativa sobre o sexo, então senti a necessidade de fazer alguma coisa sensual, com cortes, tecidos e cores, de maneira que a roupa refletisse um objeto de prazer tanto para quem veste como para quem olha. Em rápida análise, a década de 1980, em decorrência da Aids, distanciou o sexo das pessoas, tornou o prazer maldito, gerando uma moda assexuada, despojada, introvertida, espelho de um receio generalizado de se falar e de se fazer sexo, tranformando-o até numa experiência malvista. Eu achava isso uma bobagem, por razões simples e óbvias: à partir do momento em que se está bem informado, não faz sentido reprimir o instinto humano.”
De fato, durante aquela década, a moda precisou rever o que pensava sobre o desejo. Afinal, o mundo lidava com as perdas significativas da epidemia de HIV. Vale dizer, Ocimar não era o único atento a isso, mas tinha clareza sobre o assunto enquanto criava.
Um brasileiro agita Paris: esse era o título do texto publicado em uma edição da ELLE Brasil, em 1994, assinado por Regina Guerreiro, então diretora de redação da revista: “Meu queridíssimo amigo Ocimar Versolato acaba de entrar com tudo nesse decantado Olimpo. Com a cara e a coragem, apresentou uma microcoleção (apenas 16 modelitos) para a imprensa mais esnobe do mundo, que é a de moda, claro. E… DEU CERTO!”
Regina escreve aqui sobre o segundo desfile de Ocimar em Paris, em outubro de 1994, que a gente já deu um spoiler no primeiro episódio e é apontado por vários jornalistas como o melhor desfile da sua carreira.
No verão de Ocimar, a lã fria, tão comum na fabricação de ternos, foi parar na construção de vestidos noturnos bem contemporâneos, assim como tecidos de camisaria, como conta a jornalista Lilian Pacce, que estava no hotel Lutetia naquele dia.
“E era uma coleção deslumbrante, porque ele pegou só tecidos de camisaria. Ou seja, imagina assim, uma tricoline listradinha, branquinha. E fez roupas de festa, assim, que eram lindas. Você via que ali tinha um trabalho de modelagem, que era uma coisa impressionante. E era uma festa que nunca ninguém tinha visto. Porque ele estava usando tecido de camisaria para uma festa. Então, foi emocionante, emocionante.”
Lilian se lembra que ficou impressionada ao ver nesse desfile o fotógrafo Sebastião Salgado, que mais tarde se tornaria um grande amigo de Ocimar. Naquela ocasião, Sebastião havia sido contratado pela revista francesa Paris Match pra fazer registros daquele brasileiro em ascensão e estava na boca de todo o mercado de moda, inclusive nas agências de modelo, como conta Silvia Pintor.
“Eu lembro que a minha agência falou, falou: “Você tem que ir ver o Ocimar Versolato”. Ele tá fazendo umas coisas lindas, ele tá cheio de menina que quer fazer o desfile dele. Eu falei: “Claro”. Aí eu fui e deu deu certo da gente trabalhar juntos.
Silvia Pintor foi um dos grandes nomes brasileiros nas passarelas internacionais nos anos 1990. Quem coleciona as edições da ELLE Brasil deve se lembrar de uma capa bem icônica que ela estampou, em janeiro de 94, fotografada por Ruy Teixeira. Silvia mora há 27 anos em Nova York e segue na carreira de modelo, mas agora é uma fit model, ou seja: ela participa da prova de roupas para a produção de marcas como GAP e Oscar de la Renta, pra ajeitar o caimento, ver se a peça não esta pegando aqui ou ali.
“É um trabalho assim, muito mais técnico, mas eu adoro. Adoro, adoro. Porque não tem pressão. Nesses últimos 20 anos da minha vida, só o que eu faço é isso, e eu adoro.”
Em março de 1995, no entanto, Silvia estava no olho do furacão fashion. E se lembra de quando participou do terceiro desfile de Ocimar, ao lado de outras tops, como Karen Mulder, Naomi Campbell, Patrícia Hartmann, Claudia Maison e Gisele Zelauy.
“Eu nunca tinha ouvido falar dele, de repente ele estava em todos os lugares, né? De repente assim, cheguei a fazer o desfile, eu falei: ‘Nossa!’ Eu falei: ‘Gente, parece que eu estou fazendo Dolce & Gabbana, parece que eu estou fazendo Chanel’ Todas essas meninas aqui, era incrível. Realmente, é… São poucos os que conseguem. Se tem uma estilista que consegue colocar numa passarela, num show, Linda Evangelista, Naomi, Karen Mulder, é, não tinha tantas, um estilista consegue isso, ele, ele vai ficar assim na boca de todo mundo da, da, da, da indústria fashion. É, ele tava muito Porque ele tava poderoso.”
Na nossa conversa com Lilian Pacce, ela comentou que o terceiro desfile é a prova dos nove de um estilista.
“Se você lança três coleções e vai bem, quer dizer que, digamos, o seu caminho está garantido.”
E o brasileiro passou na prova. Um dos destaques dessa terceira apresentação foram os primeiros modelos de tailleur de Ocimar, que queria expandir a sua oferta de produtos, antes majoritariamente feita de vestidos. A essa altura, a grife já era vendida nas maiores multimarcas do mundo, como Sak’s, Bergdorf & Goodman, Neiman Marcus, Barney’s, Harvey Nichols e Harrods. E, com esse sucesso todo, o nome de Ocimar passou a ser cotado para a direção criativa de diferentes maisons internacionais.
Em passagem pelo Brasil em 1995, Ocimar deu uma entrevista para o programa Roda Viva, da TV Cultura, e falou sobre as especulações em torno dele.
“Não, porque é o seguinte, depois do desfile, do segundo desfile, teve várias pessoas que ligaram pedindo para eu trabalhar. E eu acho que a minha situação é muito frágil. Eu espero estruturar um pouco mais a minha própria história para poder fazer o trabalho para alguém. Senão a força se divide. Eu tenho que concentrar toda a minha força para o que eu estou fazendo. Ainda está frágil. E eu acho que isso daqui a duas estações eu posso assumir algum outro compromisso e desenhar uma coleção para uma outra Maison. Hoje eu não tenho condições.”
Segundo contou Ocimar pra bancada de entrevistadores, ele já havia sido convidado por cinco maisons. Entre elas, a Givenchy, que acabou contratando outro talento em franca ascensão na época: um certo estilista britânico que estava dando o que falar, chamado John Galliano.
A entrevista no Roda Viva foi ao ar em maio de 1995. E Ocimar não seguiu seus próprios conselhos de se estruturar mais antes de assumir outra marca. Apenas dois meses depois, o estilista foi confirmado na direção criativa da Lanvin.
Isso mesmo: aos 34 anos de idade, Ocimar Versolato assinou um contrato com a Lanvin, a maison de moda francesa mais antiga em operação. Fundada em 1889 por Jeanne Lanvin, a marca começou como uma casa de chapéus em Paris, mas expandiu para o vestuário feminino, linhas masculinas e perfumes. Ocimar substituiu a estilista Monique Morlotti no prêt-à-porter feminino. A alta-costura já não existia mais, pois foi encerrada em 1992.
Vale aqui uma contextualização: naquele momento, a moda estava passando por uma série de mudanças na direção criativa das maisons, com o objetivo de trazer energia nova para as casas. E esses meados dos anos 90 tiveram ainda uma particularidade: havia mais estilistas não franceses do que franceses para apresentar as coleções de verão 1996 em Paris, que estava por vir: Chanel com o alemão Karl Lagerfeld, Givenchy com o britânico John Galliano, Dior com o italiano Gianfranco Ferré, e ainda o estadunidense Oscar de la Renta na Balmain e o brasileiro Ocimar Versolato na Lanvin. No final de 1996, John Galliano assumiria a Dior, enquanto o também britânico Alexander McQueen ficaria com o seu posto na Givenchy.
Internamente, a própria Lanvin também passava por reestruturações. A grife havia sido adquirida em conjunto, em 1990, pela L’Oréal e pela holding da família Vuitton, então chamada Orcofi. Em abril de 1993, os controladores demitiram o presidente em exercício após a marca acumular prejuízos de 50 milhões de dólares durante dois anos.
Um executivo da L’Oréal assumiu o comando, reduzindo o quadro de funcionários, vendendo uma mansão da Lanvin e fechando vários andares da boutique masculina.
Em resumo, Ocimar Versolato tinha uma missão: ajudar a levantar a marca. Mônica Mendes, que acompanhou essa ida do brasileiro para a grife francesa, lembra bem do barulho que a notícia causou.
“E aí, eu estive lá na Lanvin, nos primeiros dias dele de Lanvin, estive com ele, no ateliê. Foi uma notícia gigantesca, entendeu? Foi uma notícia monstruosa. Um novo estilista asssume uma casa como a Lanvin. Hoje é muito recorrente um estilista assumir uma casa. A dança das cadeiras é muito normal. Naquela época, não era assim. As pessoas ficavam muitos anos numa casa, entendeu? O Ocimar, quando assumiu a Lanvin, era quase como um… sei lá, entendeu? Uma entidade entrar numa casa que, meu Deus do céu, não tinha muito essas coisas. Era muito… Era tudo muito novo isso. Então, foi notícia, assim, no mundo inteiro, tá?”
Ocimar, contam os amigos e familiares, dormia pouco e trabalhava muito. Virar noites na labuta era coisa corriqueira. E só assim mesmo para ele conseguir dar conta de tudo naquele auge em que vivia. Porque, ao mesmo tempo em que desenvolvia as coleções para a Lanvin e para a própria grife, Ocimar ainda arrumava tempo para se dedicar a outra paixão: a criação de figurinos.
A convite do diretor Cacá Diegues, Ocimar criou os looks de Sonia Braga usados no filme Tieta, de 1996. O estilista também teve uma de suas criações, um vestido preto de busto transpassado e drapeado e decote generoso, exibido pela atriz Teri Hatcher, no filme 007 – O Amanhã nunca morre, de 1997.
Mas Ocimar criou figurinos principalmente para o palco. O cantor Edson Cordeiro, que conheceu o designer ainda em 1987, quando ele estava de mudança para Paris, conta que foi o primeiro homem a vestir Ocimar Versolato:
“E o primeiro figurino que eu usei dele, tá até no YouTube, eu usei pro prêmio Sharp, que hoje é o prêmio da música brasileira, né? E eu canto “Vida de Bailarina”, era uma homenagem a Angela Maria. Foi o primeiro figurino, e aí ele fez vários depois disso.”
Se você já era adulto ou foi adolescente no início da década de 90, como a Pat, deve ter na cabeça a imagem de Edson Cordeiro de cabelos cacheados pelo ombro, quando ele cantou a ária A Rainha da Noite, da ópera A Flauta Mágica, de Mozart, no vão livre do Masp e deixou o público estarrecido com o alcance dos seus agudos. A apresentação pode ser vista no YouTube, inclusive no canal do próprio Edson, e vale ser conferida:
Já se você nasceu nos anos 90, como o Gabe, é mais provável que tenha em mente o visual atual do cantor, com a cabeça totalmente raspada. A voz única, no entanto, que fez Edson Cordeiro ser chamado de “a oitava maravilha vocal do mundo” pela imprensa europeia, permanece poderosa. E o sapato de salto vermelho, criado por Ocimar para uma das turnês do cantor e amigo nessa época, faz justamente referência ao virtuosismo do artista.
“Foi até capa de disco. E a ideia era que no século 18, só a nobreza e os castrados, cantores que eram castrados pra cantar pra corte, tinham meio o direito de usar o salto vermelho, que era uma cor difícil de encontrar. Mostrava um certo status. A ideia é uma ideia histórica, assim, uma releitura moderna de algo barroco, que tinha a ver com a minha história de voz e tudo, né?”
Como Ocimar, Edson é do ABC, mais exatamente, de Santo André, e foi apresentado ao estilista por um primo dele, que conheceu quando fazia o musical Hair, no final dos anos 80. A amizade perdurou até os últimos anos de vida do designer e Edson foi testemunha ocular de um momento crucial na trajetória de Ocimar. Foi ele que apresentou o estilista ao ídolo Ney Matogrosso.
“E aí o Ocimar já era uma celebridade internacional, mas não muito conhecida no Brasil ainda. E eu lembro que eu conheci o Ney, era amigo do Ney, e falei: ‘Vamos ver um show do Ney?’ E o Ocimar falou: ‘Ah, vamos’. E eu circulava com o Ocimar em Paris, eu ficava na casa dele, eu via grand monde que ele frequentava, né? Aquela coisa toda. E quando eu apresentei, foi no Canecão, o Ocimar ao Ney foi a primeira vez que eu vi o Ocimar tímido na minha vida. Eu lembro, ele colocou a… se encostou na parede, colocou o pé na parede, fumando nervosamente, assim. Eu falei: ‘Olha, o Ocimar tá tímido, é o grande ídolo dele’. E daí veio uma grande amizade.”
A parceria entre Ocimar e Ney, que começou em 1994, no show Estava escrito, rendeu figurinos icônicos, como o terno claro com forro vermelho, de Beijo Bandido e o macacão dourado, todo bordado com minilantejoulas, da turnê Inclassificáveis.
A gente tentou muito falar com Ney Matogrosso pra este podcast. O cantor, que está em turnê nacional, pediu desculpas e não conseguiu participar. Mas ele fez um comentário no Instagram da ELLE, em um dos nossos posts sobre esta série: escreveu que Ocimar criou os figurinos mais belos que ele já teve. E para não ficar sem a voz de Ney aqui, resgatamos o trecho de uma entrevista que ele deu para Lilian Pacce, em que fala justamente do figurino dourado de Inclassificáveis.
“Eu vou falar pra vocês como foi esse macacão dourado. O macacão dourado, eu tava vendo um programa de televisão sobre uma civilização da América do Sul, né? E aí tinha lá um mito de um rei que tomava… Que uma época do ano ele cobria o corpo todo com pó, ouro em pó e mergulhava no lago de Titicaca pra oferecer esse ouro aos deuses. Aí eu achei essa ideia tão interessante. Aí a gente disse assim, Ocimar, olha que ideia boa, é um arquétipo assim latino-americano, né? Como é que a gente pode reproduzir isso? Eu queria uma coisa que fosse meu corpo, mas não fosse uma roupa, que fosse como no meu corpo. Aí ele veio com os materiais, que era um material muito transparente e elástico. E ele fez aquelas duas… Como chama isso? Pele? Segunda pele, né? Ele fez a segunda pele dourada e eu tirava essa segunda pele dourada e eu também queria alguma coisa relacionada… A índios brasileiros. Então a segunda pele de baixo era tatuada por um tatuador em motivos do Xingu. E a primeira era meu corpo de ouro, porque era uma segunda pele com um lugar pro sexo, para as nádegas, como se eu estivesse nu, né?
Uma das canções do set list desse show era “Um pouco de calor”, de autoria do ator e diretor Dan Nakagawa, que ficou amigo de Ocimar por meio de Ney Matogrosso e acompanhou a criação dos figurinos.
“O Ocimar estava fazendo o figurino, fez o figurino desse show. Então a gente convivia diariamente, assim, sabe? E toda vez que o Ney vinha para cá, a gente se via, saía, jantava, saía para passear, balada, tudo. Não, balada o Ney não ia, né? Ia só eu e o Ocimar. Mas eu lembro de acompanhar ele fazendo, criando junto com o Ney, os figurinos. Eu acompanhei ele costurando na pele do Ney, assim, sabe? Mas ele era um gênio, Patricia, um gênio.”
Além de presenciar todo esse processo de criação, Dan Nakagawa também testemunhou o papel central que Ney Matogrosso ocupava na vida de Ocimar.
“Central e que centrava o Ocimar. Era a única pessoa que o Ocimar ouvia, de verdade. É a única pessoa que o Ocimar parava, escutava e ouvia. Ele tinha um respeito pelo Ney, assim, que era só pelo Ney. Era a única pessoa que conseguia (falar): ‘Para, Ocimar. Olha o que está acontecendo. Põe o pé no chão. Entendeu?”
Bom, mas, pelo jeito, seriam necessários uns três Ney Matogrossos pra segurar o gênio difícil de Ocimar nessa nova fase em Paris.
Quando assumiu a Lanvin, Ocimar sabia que a missão não seria fácil.
Em entrevista ao jornal Women’s Wear Daily, ele deu a seguinte declaração: “Será um processo complexo; temos uma quantidade enorme de trabalho pela frente. Meu objetivo é redescobrir o espírito de Jeanne Lanvin.”
Mas depois de ser ovacionado em seus três primeiros desfiles, ele definitivamente não estava preparado para a repercussão negativa da sua estreia na maison francesa.
O desfile em questão foi em março de 1996, no Museé des Arts Décoratifs do Louvre. E aqui vai a descrição da apresentação pelo próprio Ocimar:
“Não queria um espetáculo, mas o tiro saiu pela culatra. Apareceram duas mil pessoas se debatendo para tentar entrar. Quebraram a porta de vidro da entrada; o corpo de bombeiros e a polícia foram chamados. Teve gente que apanhou, gente que bateu, barricada, uma baixaria. Fiquei assustadíssimo. O desfile se desenrolou em clima pesado. As modelos adentraram à passarela de forma muito bizarra: passadas largas e retas, silhuetas punks, pernas totalmente de fora, parte de cima exageradamente volumosa e iroquais na cabeça.”
Bem, como deu para sentir, nem as expectativas de Ocimar foram alcançadas com esse desfile. Mas, para a crítica especializada, a sensação era ainda pior: a de que o ego inflou e a ambição o traiu:
“Daí tem o desfile da Lanvin, que foi uma das coisas mais chatas e equivocadas que eu já vi na minha vida. Acho que ele fez, assim, cento e… Cem mil looks. Era, assim, no mais de cem looks. E uma coisa, assim, antiga, sabe? Era o oposto da estreia dele, que era uma coisa tão moderna, sabe? Tão nova, tão… E aquela Lanvin era tão antiga… Eu fiquei muito arrasada. Arrasada como jornalista, arrasada como pessoa, como brasileira que está lá. Sabe quando você fica… Para vocês terem uma ideia, eu caí de febre. Eu… Eu terminei a crítica e eu caí de cama com febre, de tão arrasada que eu fiquei, por estar…Por não estar gostando daquilo. Sabe quando você… Você, como jornalista, fica muito arrasada. Como crítico, você se questiona muito. Eu lembro que eu, na matéria, eu falava assim… Não é fácil uma pessoa fazer duas coleções ao mesmo tempo. E coleções tão grandes. Eu ainda tentei, assim, de uma maneira, sabe? Tipo… Acho que talvez tenha sido demais. Para ele. Sabe? E, de fato, não foi bem. Deixou a desejar. E daí a marca dele também foi péssima. Sabe quando você fala o que aconteceu? Não é possível!”
Lilian Pacce ficou entre a cruz e a espada. De um lado, ela torcia por Ocimar: sendo uma representante da imprensa nacional, queria levar boas novas sobre o compatriota para o Brasil. Por outro lado, o dever jornalístico chamava, e ela tinha que reportar o que havia acontecido. Ela escolheu a segunda opção e ganhou um inimigo.
“Bom… O Ocimar queria me matar. E eu recebi mil recados de vários amigos em comum. Tipo… O Ocimar não quer te ver. O Ocimar não sei o quê. Eu entendo, assim. Não foi a primeira vez que um estilista ficou chateado com uma crítica que não era positiva. E, geralmente, essas coisas duram seis meses. Depois de seis meses, você volta para o desfile. Você pode… Enfim… Pode durar um ano, ou dois. Mas, geralmente, quando as coisas entram no… No… No eixo, né?”
É, Ocimar não gostou nada do que leu. E o rancor do estilista durou bem mais do que uma temporada. Ele não convidou Lilian para o desfile grandioso de aniversário do shopping Iguatemi, no Brasil, que a gente descreveu no início deste episódio. Na temporada seguinte da semana de moda de Paris, o convite para o desfile da segunda coleção de Ocimar Versolato na Lanvin não chegou para Lilian Pacce.
“Daí, chega em Paris a Anne Ruckie era assessora do Ocimar. E fala… Me enrola, me enrola, me enrola. Com um convite. Daí, ela fala… Ai, a sala está supercheia. Antes, eu ficava na primeira fila. A sala está supercheia. Não tem lugar, tal. Daí, eu falei… Anne, eu preciso saber, porque eu sou a jornalista que está aqui cobrindo os desfiles. E ele é o único brasileiro. Então, se eu não for convidada, eu preciso explicar para o leitor por que eu não estou falando do único brasileiro que desfila em Paris. Daí, ela volta. Fala… Ah, então, Lilian, infelizmente, eu só consegui um standing. Daí, você não vai querer, não é?”
E aqui uma rápida explicação. Standing, dentro do vocabulário dos desfiles, é algo como depois da última fila. Isso significa que a pessoa fica de pé durante a apresentação. Antes da publicação do fatídico texto, Lilian tinha lugar garantido na fila A, que é a primeira, para checar de perto as roupas.
Falei… Não, eu vou. Falei… Eu vou, porque é meu papel. E acho que eu preciso estar presente, acompanhando a trajetória dele. Daí, quando eu cheguei lá… Ah, e daí, nessa estreia da Lanvin e terceira coleção dele, outros veículos de mídia também criticaram. Tipo, o New York Times. Tipo, Harold Tribune. Vários. Não lembro se foi o Figaro, Le Monde ou Liberation. Enfim, sabe? Foi uma coisa… No final, era um consenso. Mas, até eu ver que havia um consenso, você fica muito mal, não é? E… Bom… E daí, eu falei que eu ia, cheguei lá, realmente era um standing. Mas, quando eu vejo, todas as pessoas que tinham criticado estavam nos lugares que era ao meu lado. Mas, eu falei… Não é possível. É… Sabe? É muito complexo de tupiniquim. Querer exercer o poder em cima dos seus pares e baixar a cabeça para o imperialismo, não é?”
Como Lilian apontou, antes fosse só a crítica dela que tivesse sido negativa. A realidade é que vários jornais entenderam como equivocadas as decisões do estilista para a Lanvin, da trilha ao look. Em seu livro, Ocimar lembra até da crítica desfavorável de Laurence Benaïm, do Le Monde. Ela escreveu: “ele apunhalou as pessoas com um conceito hostil e agressivo”.
No lado pessoal, Ocimar também dava motivos para comentários nada elogiosos. E enquanto escalava os degraus da moda, foi perdendo bons amigos no caminho.
“Ele achava que ele tinha o right de insult. E ele falava o que ele queria. Ele não tinha medo de fazer inimigos. Ou talvez ele nem achasse que o que ele estava falando era tão venenoso ou tão detrimental.”
Essa voz já ficou bem reconhecível, não é? Isso! É Gisele Zelauy, a Gisele La Belle. A modelo rompeu com Ocimar antes mesmo da ida dele pra Lanvin. E um dos motivos para isso foi que, apesar da ascensão da marca de Ocimar naqueles primeiros anos, ela nunca mais viu o dinheiro que investiu no negócio.
Gisele relata que o estilista teria feito um pedido de falência estratégica para não pagar a dívida. Abriu uma nova empresa e continuou a operar sem os passivos anteriores.
“Ele decidiu que ele não precisava mais de ninguém que tinha começado com ele. Agora, eu vou para o next level. Então, para diluir o valor da minha ação, das pessoas que tinham dado dinheiro para ele e como ele é protegido pela lei por ser bankruptcy, foi o que ele fez. Eu nunca mais falei com ele. E o Fábio, meu ex-marido, na verdade, continuou amigo dele. E tentando meio que pegar. Nunca pegou dinheiro nenhum. Ele nunca pagou. Ele estava nem aí. Ele queria só o dele. Ele só pensava nele. E aí, ele começou nessa trajetória e ele sabia muito bem onde ele estava indo, quem que ele estava andando, quem ele precisava para subir mais.”
A amizade, conta Gisele, acabou. Ela preferiu se distanciar de Ocimar, tomou aquilo como um cautionary tale, algo como uma lição de vida. E atribuiu as derrocadas que Ocimar sofreu ao longo da vida a esse padrão de comportamento que ela identificava ali no ex-amigo:
“E ele achava… Who cares? I’m gonna use as many people as I can. Porque ele não tinha envolvimento emocional com ninguém. Ou tinha sempre alguém lá em cima pra puxar ele mais pra cima. Alguém vai me puxar mais pra cima e puxar. Aí quando chegou, não tinha mais ninguém pra puxar. Porque é aquela coisa. Tem um saying do Lincoln que diz. You can fool some of the people all the time. You can fool all the people some of the time. But you cannot fool…all the people all the time.”
E no próximo capítulo de Ocimar Versolato do avesso.
“Na época que ele estava meio que saindo da Lanvin. Mas tava, em paralelo, já estava tentando desenvolver a Ocimar Versolato como marca. E aí eu falei, liguei para a minha irmã, que morava na França e pedi que ela procurasse ele, pra ver se ele tinha interesse no investimento e tal. Eu sabia que ele estava atrás disso, né?”
“Houve um problema ali que foi um problema grave. A peça não estava vestindo do jeito que os protótipos vestiam. Então, as empresas que compraram, elas devolveram as peças. ‘Não vou comprar porque elas não estão porque elas não estão de acordo.’Aí para a empresa foi um imprevisto pleno de consequências.”
“Um belo dia, meu telefone toca, André, André, esse é Ocimar Versolato, eu… O próprio. O próprio. Aí eu falei, oi, aí ele falou, eu quero fazer casa de criadores. Assim, tipo, nem se apresentou, nem precisava, né? Quero fazer Casa de Criadores, quero falar com você que eu quero fazer casa de criadores. Eu, ah, tá, claro, vamos conversar.”
A saída da Lanvin, mais um investidor que reergueria Ocimar até chegar ao reconhecimento da Câmara Sindical de Alta-Costura, uma nova queda e a volta para o Brasil.
Ocimar Versolato do Avesso é um podcast jornalístico produzido pela ELLE Brasil e faz parte da série Do Avesso, que resgata grandes nomes da moda brasileira. O primeiro biografado foi Clodovil Hernandes, que teve sua trajetória destrinchada em seis episódios, também disponíveis nas principais plataformas de áudio.
Reportagem, roteiro e narração, Patricia Oyama e Gabriel Monteiro. Gravação e finalização: Compasso Coolab. Trilha sonora original, In Sonoris Causa.
Este episódio usou trechos do programa Roda Viva, da TV Cultura, Vídeo Show, da Rede Globo, do The Ed Sullivan Show, da CBS, da apresentação de Edson Cordeiro no vão livre do Masp publicada no canal do Youtube de Olindo Estevam, e da entrevista de Lilian Pacce com Ney Matogrosso exibida no canal do Youtube de Lilian Pacce.
Leia também: Ocimar Versolato do Avesso: O melhor aluno do Studio Berçot
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