Ocimar Versolato do Avesso: O hi-lo de Ocimar

No terceiro episódio de Ocimar Versolato do Avesso: O término abrupto com a Lanvin; o investimento da família Pessoa de Queiroz; a consagração na alta-costura; a volta ao Brasil na Casa de Criadores; e a relação paterna que teve com os sobrinhos.


ocimar versolato ep3 destaque




Ouça Ocimar Versolato do Avesso em: Spotify | Apple Podcasts | Amazon Music | Deezer

Se preferir, você também pode ler este podcast: 

Champanhe, caviar, tapete vermelho e roupas logotipadas de cabo a rabo. É assim que Ocimar Versolato descreve no livro Vestido em Chamas o seu segundo desfile para Lanvin, em outubro de 1996. Depois do fiasco na estreia na maison francesa, pensada para ser um evento pequeno e intimista, mas que desandou completamente, como vimos no episódio anterior, o brasileiro decidiu que iria virar o jogo.

Saíram as modelos punks e entraram as madames de cashmere, usando tailleurs acinturados, pérolas e tons adocicados de rosa, azul e amarelo. A guinada deu certo. As críticas foram favoráveis e, comercialmente, a coleção foi igualmente bem-sucedida. Ocimar, no entanto, teria que lidar com um outro obstáculo para o seu sucesso: ele mesmo.

Eu sou Patricia Oyama. Eu sou Gabriel Monteiro e este é Ocimar Versolato do Avesso, o podcast da ELLE Brasil que conta a história do estilista brasileiro que teve uma projeção internacional como nenhum outro, mas não conseguiu levar seus negócios adiante e foi praticamente apagado da história da moda nacional.

Neste terceiro episódio, vamos acompanhar a primeira queda do designer, a volta por cima com a consagração na alta-costura, outro tombo e o recomeço no Brasil.

“We heard very good news from the American department stores, from professional people in the States that say that there is a young talent that’s really coming up, and it’s Ossimar Versalato. The big challenge for him is a very modern style, okay? Jeanne Lanvin is very elegant, very… It’s an institution. It’s to try to mix this very modern style to what Jeanne Lanvin’s spirit is, and on the other hand, to bring modernity to Jeanne Lanvin. It’s both ways, and it’s not easy. It’s a big challenge. And I think he really did a good job.”

A gente ouviu agora o trecho de uma entrevista com Gerald Asaria, então CEO da Lanvin. Ele comenta que Ocimar Versolato tinha um grande desafio, que era o de levar modernidade ao espírito elegante da fundadora da grife, Jeanne Lanvin. E finaliza dizendo que achava que o brasileiro havia realmente feito um trabalho muito bom.

Aqui a gente pede desculpas por não conseguir descobrir em que programa ou rede de TV essa entrevista foi veiculada. Esse trecho estava em um DVD, com um compilado de desfiles e recortes de entrevistas, que pertenceu a Ocimar e foi guardado pelo paisagista Alex Hanazaki, amigo do estilista, que a gente ainda vai ouvir neste podcast. 

Bom, na Lanvin, Ocimar, depois do descompasso inicial, parecia ter acertado o tom. Estava conseguindo injetar uma dose de frescor à tradicional maison francesa, o que se refletia em um aumento significativo nas vendas. No entanto, em outubro de 97, dias antes do desfile de verão, a Lanvin anunciou que Ocimar estava deixando a direção criativa da casa e aquela seria a última coleção da grife assinada por ele. No comunicado oficial: 

“No momento em que Lanvin deseja estender e desenvolver suas coleções femininas depois do sucesso da linha Il pour Elle e da modernização de suas linhas de noite, o senhor Ocimar Versolato quis dedicar mais tempo ao desenvolvimento de suas atividades pessoais.” 

Em seu livro de memórias, Ocimar conta que, nessa época, a sua marca própria enfrentava um problema de caixa, porque o banco havia negado um empréstimo de 2 milhões de francos, necessário para recompor seu capital de giro. Com a negativa da instituição financeira, ele se viu numa sinuca de bico.

Ao saber disso, a Lanvin teria se oferecido para fazer o empréstimo, com as seguintes condições: a marca de Ocimar ficaria em poder da maison e a dívida deveria ser quitada em seis meses – tempo insuficiente, segundo o estilista, para fazer o giro e devolver o dinheiro. 

A interpretação de Ocimar foi de que a intenção da Lanvin, na verdade, seria de forçá-lo a vender a sua marca a preço de banana, pra depois fechar a grife e ter o brasileiro trabalhando exclusivamente pra eles. Ocimar teria, então, optado pelo contrário: rescindiu o contrato com a maison após pouco mais de dois anos para se dedicar à sua própria marca. 

Bem, essa foi a versão do estilista. Nos bastidores da moda, a história que circulava era outra. Ocimar teria sido demitido por problemas de relacionamento. E o trauma que ele teria deixado na equipe respingou até na jornalista de moda Lilian Pacce, que deixou de ser convidada para os desfiles da Lanvin por umas boas temporadas:  

“Depois, eu vim a saber que ele era um déspota, assim, com a equipe, com as pessoas, tratava as pessoas mal e tal, a ponto de essa assessora de imprensa, quando ele saiu, ela deixou de me convidar, porque ela achava que eu era muito amiga dele. Só depois de muitas coleções que eu encontro ela e, enfim, a gente começa a conversar. E daí deu um clique nela e, daí, ela viu que eu não era uma cupincha do Simari. Daí, ela voltou a me convidar.”

A designer Corinne Lucquiaud, que a gente ouviu no episódio passado, contando das aventuras com Ocimar no Festival de Cannes, também se recorda da fama de difícil que ele ganhou no novo emprego.

“It was impossible. Everybody was complaining. You know, my friend who was working on the show, you know, she said, I cannot cope with him. He’s lost it. And that was his problem, actually. So that’s why, you know, I guess Lanvin got rid of him. That’s what we all thought, you know, he didn’t quit, he got fired.”

Antes mesmo da ida pra Lanvin, Corinne já havia rompido com Ocimar, por causa do temperamento do estilista. Mas tinha notícias dele por meio de uma amiga em comum, que trabalhava na maison francesa. E o comentário era de que o estilista era impossível de lidar e por isso acabou demitido. Essa amiga vive hoje no Marrocos e a gente tentou falar com ela. Ela chegou a responder ao primeiro contato por WhatsApp, mas depois não continuou mais a conversa.

E aqui cabe um parênteses. Durante os mais de três meses de apuração pra este podcast, várias pessoas que foram próximas a Ocimar responderam prontamente aos pedidos de entrevistas, contaram histórias e chegaram mesmo a se emocionar com as recordações do amigo. Por outro lado, eu e a Pat também ouvimos vários nãos de pessoas que conheceram o designer e preferiram não participar do podcast, porque disseram que não teriam nada de bom pra falar dele. 

Bem, a gente entrou em contato com a Lanvin e não conseguiu esclarecer muita coisa. Laure Harivel, responsável pelo departamento de patrimônio da empresa, respondeu que, da época de Ocimar, sobraram apenas três esboços e algumas amostras de roupas. E o fato é que, demitente ou demitido, Ocimar Versolato ficou em uma situação bem difícil após a saída da maison. Amargava uma dívida com a previdência social francesa equivalente a 300 mil dólares, segundo notícias da época, e tinha que negociar com fornecedores pra manter sua marca de pé. O sufoco, entretanto, não durou muito tempo.

“O talento dele era inquestionável e ele é sempre muito bem recebido pela crítica e tudo. E aí começamos a história.”

Este é Ricardo Pessoa de Queiroz Filho. Ricardo vem de uma das famílias mais tradicionais do país, com uma árvore genealógica que inclui o ex-presidente da República Epitácio Pessoa. Hoje ele comanda, junto com a esposa Bruna, a Usina de Arte, um museu ao ar livre construído na área onde funcionava uma antiga usina de cana-de-açúcar da família, no município de Água Preta, em Pernambuco.

Naquele final de 97, Ricardo ainda trabalhava no setor de produção e comércio de açúcar e álcool e queria diversificar os negócios. Eis que, um dia, o empresário lê em uma revista sobre o momento crítico que a marca de Ocimar atravessava. E vê ali uma oportunidade. 

“Na época que ele estava meio que saindo da Lanvin. Mas tava, em paralelo, já estava tentando desenvolver a Ocimar Versolato como marca. E aí eu falei, liguei para a minha irmã, que morava na França e pedi que ela procurasse ele, pra ver se ele tinha interesse no investimento e tal. Eu sabia que ele estava atrás disso, né?”

A irmã de Ricardo era Ana Luiza Pessoa de Queiroz, que faleceu em 2016. Ana Luiza já morava há vários anos na França, onde era uma conhecida agente de moda, ou seja, ela tinha um showroom e ajudava a alavancar a carreira de jovens estilistas. Em um primeiro momento, Ana Luiza achou que o irmão estava brincando.

“Depois de uns 15, 20 dias, liguei pra ela de novo e ela falou: ‘Não, não procurei não, achei que era brincadeira’. ‘Não, não é brincadeira. Procure o cara aí que eu tô falando sério. Aí ela procurou e tal, isso era final de ano. E aí ela me retorna no outro dia, superexcitada, que ele estava muito interessado, mas com muita pressa, queria que fosse no dia seguinte.”

O dia seguinte, no caso, era véspera de Natal. Ricardo disse que não tinha chance dele faltar à ceia na casa da mãe para ir a Paris, mas, assim que o ano virou, ele desembarcou na capital francesa.

“Primeiro dia de janeiro eu fui para lá. Aí a gente mais ou menos firmou as bases de uma sociedade, onde a gente iria investir um capital para levantar a empresa, fazer um turnover. O negócio dele estava atolado em dívidas e tal. E aí eu acertei essa base, chamei minha irmã para ser sócia. E aí começamos.”

As dívidas foram renegociadas e quitadas e a marca Ocimar Versolato entrou em 1998 prontinha pra retomar o crescimento do ponto em que havia parado. Ou melhor, não foi do mesmo ponto, não. O ateliê saiu da rue du Renard, no Marais, para o número 12 da Place Vendôme, um dos lugares mais icônicos e caros de Paris, no exato prédio onde morreu o pianista Frédéric Chopin, e hoje está instalada a marca de relógios de luxo Chaumet.

Em seu livro, Ocimar escreve que gostou muito do novo endereço, mas que a mudança foi uma escolha dos sócios. Já Ricardo Pessoa de Queiroz diz que não foi bem assim, não. 

“E aí, contra a minha vontade, eles decidiram, já convenceu minha irmã que tinha que mudar de endereço. E eu dizia, gente, a gente precisa continuar onde está e fazer produzir, vender. Você tem talento, você é supercriativo, você sabe… Fazer o que as pessoas gostam, especialmente o feminino, né? Ele é realmente um mágico nisso. Mas, enfim, resolveram mudar para a Place Vendôme, para um ateliê enorme e tal.”

Um dos argumentos de Ocimar pra convencer os investidores era de que o ateliê estava num clima meio pra baixo e que essa mudança pra Place Vendôme ajudaria a revigorar os ânimos da equipe. Se a nova localização teve algum efeito relevante, não sabemos dizer, mas a notícia que viria pouco depois certamente causou um impacto no time.  

“Ele não acreditou. Ele levou um susto. Ele chegou para mim. Eu lembro que eu estava lá em Paris também. Ele chegou de queixo caído. Ele olhou para a minha cara e falou assim… Você não vai acreditar no que aconteceu. Eu falei… O que aconteceu? Ele falou assim… Eu não consigo nem falar. Eu estou com a perna bamba. Eu fui convidada pela Chambre Syndicale para fazer o desfile de alta-costura. Para entrar no calendário da alta-costur a. Eu falei… Eu não estou acreditando. E eu não tinha noção de que era muito difícil. Mônica, você não tem noção. Ninguém entra. Esse calendário não abre. E eles abriram para mim. Eu falei… Uau! Eu falei… Então, agora você calma. Faz tudo direitinho.”

Em junho de 1998, Ocimar Versolato passou a integrar o calendário oficial da semana de alta-costura. No áudio que você acabou de ouvir, a amiga Mônica Mendes relata a emoção do estilista ao descobrir que havia sido aceito nesse seleto grupo. Antes de avançar, vale esclarecer o que essa conquista significa.

A Câmara Sindical da Costura, dos Fabricantes de Roupas e Alfaiates para Mulheres foi fundada em 1868, em Paris. Em 1945, o termo Haute Couture, ou Alta-Costura, tornou-se uma patente exclusivamente francesa, e a instituição adotou o nome de Câmara Sindical da Alta-Costura. Desde 2017, com o título de Federação de Alta-Costura e da Moda, a organização concentrou o gerenciamento da alta-costura, do prêt-à-porter e da moda masculina. 

O ponto central é que, desde 1945, passou a existir uma organização formal das apresentações e dos métodos de criação das casas de luxo francesas. Para ingressar nesse grupo, é necessário receber uma designação da Câmara e obter aprovação de uma comissão específica, vinculada ao Ministério da Indústria francês.

Entre as exigências, a maison deve manter ao menos um ateliê em território francês e empregar um número mínimo de artesãos em regime integral. Além disso, a casa de alta-costura precisa apresentar ao público duas coleções anuais – uma de verão, em janeiro, e outra de inverno, em julho – com pelo menos 50 modelos originais para o dia e a noite, entre outras especificações.

É importante destacar que, naquele período, a alta-costura vivia um momento de transformação. Em julho de 1998, a Câmara contava com sete novos nomes, que haviam sido incluídos no calendário ao longo dos 18 meses anteriores. A proposta era acolher criadores como Thierry Mugler, Jean Paul Gaultier, Josephus Thimister e o próprio Ocimar Versolato. Tratava-se de um esforço para equilibrar a preservação do savoir-faire francês e também não perder o bonde da contemporaneidade.

Naturalmente, surgiram tensões entre as maisons tradicionais, que atendiam aos critérios, e alguns recém-chegados, cujas propostas envolviam valores mais acessíveis com prazos de entrega reduzidos. Na época, para se ter uma ideia, um vestido de alta-costura partia de cerca de 12 mil dólares. Os novos estilistas apresentavam criações com preços que podiam começar por volta dos 3 mil dólares e ainda diminuíam o tempo de espera: se antes ela chegava a dois meses, podia baixar para cerca de um mês.

Isso se estendeu por alguns anos até que a Câmara estabelecesse as categorias de membros permanentes e convidados. Estes últimos não precisam cumprir todas as normas de 1945, mas contribuem com o desejado frescor para o evento. Para entender melhor isso, conversamos com outro brasileiro que, em 2011, virou membro permanente da Câmara. Pois é, Ocimar Versolato foi o primeiro a entrar para o clube, mas não foi o único. O estilista Gustavo Lins também chegou lá.

“Tinham as casas principais, Dior, Chanel, Lacroix, à época, Armani, Valentino, Saint-Laurent não fazia mais alto-costura, então tinham pouquíssimas casas, tinham poucos desfiles de auto-costura na época. Então eles tiveram a ideia de chamar novas marcas para integrarem o calendário.”

Natural de Minas Gerais, Gustavo Lins é formado em Arquitetura e se mudou para Paris no final dos anos 1980 para seguir carreira na moda. Passou por marcas de peso, como Kenzo, Louis Vuitton e Hermès. Em 2003, ele fundou a própria grife, marcada pela alfaiataria e o diálogo com silhuetas asiáticas, como o quimono japonês. Três anos depois, teve a sua primeira experiência como estilista convidado na semana de alta-costura.

“Na primeira vez, quando eu fui convidado em 2006, eu fiz uma apresentação em 2007 e eu não fiz desfile. Eu fiz uma exposição. Eu não queria fazer desfile. Aí eles me obrigaram, na estação seguinte, seguinte, eles me disseram, agora tem que ter um desfile. Aí eu fiz, custou, custou três a quatro vezes mais do que a exposição, porque tudo é mais caro, e aí é uma coisa que você faz um desfile em janeiro, um em julho, e vai acumulando perdas, chegou uma hora que você não tem como continuar.”

Em 2011, Gustavo passou a integrar o grupo de membros permanentes, mas relata que a experiência foi difícil. Segundo ele, a exigência de cumprir todas as regras acabou se tornando insustentável.

“Porque de um lado lado te dar muita visibilidade. Só que é uma faca de dois gumes porque você tem uma série de obrigações para respeitar e ao mesmo tempo a coleção que você faz do edifício de alta-costura não é o que você apresenta aos clientes do prêt-à-porter que eu tinha então, enfim foi um período péssimo da minha vida. Péssimo.”

Atualmente, o estilista segue atuando na moda, mas de forma muito mais leve, dedicado ao prêt-à-porter na loja Lins Paris, no número 221 da rue Saint-Martin, nas proximidades do Museu Georges Pompidou, em Paris.

Mas voltando a Ocimar… para aquele garoto do ABC paulista que tinha o sonho de virar o maior estilista do mundo, ele havia alcançado o Olimpo da moda.

Em julho de 1998, Ocimar estreou na Semana de Alta-Costura. A apresentação aconteceu na luxuosa sede da maison, na Place Vendôme. Na passarela, o estilista mostrou a sua interpretação da obra do artista plástico venezuelano Jesús Rafael Soto, um dos pioneiros da arte cinética em meados do século 20. Daí vêm os vestidos de silhuetas gráficas e a escolha por tecidos papelados e paetês tridimensionais.

Uma estola de seda desfiada criava a ilusão de pele sobre um casaco, enquanto uma novinha Gisele Bündchen dava os seus primeiros passos na carreira internacional. A trilha sonora, composta por clássicos da bossa nova, foi assinada por Michel Gaubert, um dos mais renomados diretores musicais da moda. Ele é especialmente conhecido por sua colaboração histórica com a Chanel, de Karl Lagerfeld aos dias atuais, com o novo diretor criativo Matthieu Blazy.

“Eu acho que essa que eu mostrei para vocês foi a que é emocionante, porque o jeito que foi construído ali a Bossa Nova e não foi nem eu que fiz, foi o queridinho do Lagerfeld, que é o Michel Gaubert, que é um gênio de trilha, né? A gente só jogou pra ele os 200 CDs que o Ocimar tinha de bossa nova MPB, e ele pirou no estúdio com aquilo, né?”

Quem comenta a trilha é Eduardo Corelli, um dos grandes amigos de Ocimar e colaborador na pesquisa musical conduzida por Michel Gaubert. Talvez você também conheça Eduardo por outro nome. Afinal, ele é um DJ histórico da noite brasileira: Selma Self Service, a primeira DJ drag queen do país.

“Eu era a Selma Self Service. a primeira DJ drag do Brasil uma loucura na minha cabeça de aquariano de querer me vestir e fantasiar pra me esconder na timidez pra tocar e o Mauro Borges, que era do Massivo dono do Massivo falou, eu quero de quinta-feira duas quintas por mês mesmo sabendo que você trabalha no Detran mas duas quintas você consegue se montar e vir tocar aqui beleza”

Sim, você ouviu corretamente: Selma Self Service trabalhava no Detran. Ou melhor, Eduardo Corelli ainda trabalha no Detran. São 37 anos divididos entre as picapes e o Departamento Estadual de Trânsito, onde hoje ele ocupa um cargo de diretor. E foi montado, durante uma noite no Massivo, que ele conheceu Ocimar, que estava acompanhado de Edson Cordeiro e Gisele Zelauy.

“E um dia chegou o Edson no Massivo justamente com quem? Com o Ocimar e com a Gisele Zelauy porque eles eram grudados era a turma grudada eu já sabia de revista da Ilustrada da, como chamava, a Joyce Pascowitch, quem era o Ocimar e quem era a Gisele Zelauy, que era a Gisele da época, cada época tem sua Gisele e ela era a Gisele daquela Época. Eu montada assim, vem o Edson Cordeiro na cabine quer apresentar um amigo eu falei, já sei quem é, estilista, brasileiro já sei conhece também a modelo que tá com ele daí ele subiu na cabine e falou com licença, deixa eu arrumar o botão do seu vestido eu falei, como você sabe que o botão tá abotoado errado eu fiz esse vestido era um Hervé Léger.”

Bem, como você deve imaginar, não foi simples para Edu Core lli quando colegas do Detran descobriram que ele era drag queen e atuava como DJ na noite paulistana. Edu passou a sofrer bullying e não podia usar nem o banheiro masculino nem o feminino. Tinha que sair do prédio, onde hoje funciona o MAC, para ir ao banheiro no Parque do Ibirapuera. Ele ficou tão abalado com a situação que, justamente naquele dia em que conheceu o estilista, havia pedido afastamento do órgão. Ao ficar sabendo disso, Ocimar fez a seguinte pergunta a Edu:

“‘E você gosta de moda?’ Eu falei, eu adoro. Música, dá pra ver que você toca bem. Vamos comigo pra Paris? Foi assim. Foi assim na lata. Eu falei: Como? Eu tirei a mega sena. Eu falei: lógico”

Nasce aí uma parceria musical que renderia várias colaborações de trilhas com o estilista – entre elas a do desfile comemorativo dos 30 anos do Iguatemi. Mas é daquela primeira apresentação de alta-costura, na Place Vendôme, que Edu guarda as melhores recordações:

“Pelo amor de Deus, tava o Mitterrand, gente. Tava babado. Eu tava lá, do lado do Michel Gaubert, montado de Selma, que depois eu toquei na festa que teve na casa dele. Tava um mar de modelada! E aí não cabia mais gente dentro, depois do pós-desfile. Foi maravilhoso. Foi incrível.”

Como deu pra notar o barulho em torno da semana de moda de alta-costura era – e é – imenso. O próprio Ricardo Pessoa de Queiroz comentou que a mídia espontânea gerada pelos desfiles era de um valor imensurável. Só que glamour e visibilidade apenas não pagam a conta. 

Na primeira conversa que teve com sócio, o investidor fez uma analogia com a aviação: ele estava dando uma quantidade de combustível para fazer o avião de Ocimar decolar, e o estilista teria que fazer esse combustível render ao máximo, até que ele alcançasse a velocidade de cruzeiro e pudesse pilotar o avião com tranquilidade.   

Bom, como a gente viu, Ocimar já saiu queimando boa parte da sua querosene na mudança pra Place Vendôme, e o investimento previsto inicialmente foi consumido rapidinho. Então, em fevereiro de 1999, desembarca em Paris a advogada Maria Thereza Monte, enviada do Recife pelos investidores.

“Fui para lá com uma função muito específica. Era um ano de contrato para permitir que a empresa, o grupo Ocimar Versolato, fizesse quatro eventos de moda, quer dizer, eventos, que eu digo, são coleções, de moda, no ano, as quatro coleções. E para ver se, a partir dali, o grupo continuaria a seguir com Ocimar Versolato ou se encerrariam as atividades por conta do limite de financiamento que tinha sido estabelecido por eles.”

Ou seja, Maria Thereza foi a Paris pro vai ou racha. Elaborou um plano de negócios pra marca e tinha a missão de fazer com que esse planejamento fosse seguido à risca. E como Ocimar recebeu a nova integrante da equipe?

“Ele era uma pessoa que sabia ser muito encantadora, envolvente, de acordo com o que ele precisava nos momentos, na carreira dele.”

Maria Thereza, por sua vez, que trabalhava há anos com consultoria de empresas, já tinha uma certa habilidade para lidar com situações delicadas. 

“Quer dizer, eu sabia muito bem o meu papel ali, mas… O ingresso dentro daquele grupo e com o Ocimar Versolato, que era uma personalidade muito forte, então, era necessário uma pessoa que chegasse com um jogo de cintura para não ser…  Para não criar imediatamente um problema, que era tudo que não se queria à época. Eu precisava me instalar e me transformar em uma pessoa de confiança também de Ocimar.”

No final, Ocimar e Maria Thereza se deram muito bem e a advogada tem não apenas lembranças do trabalho, mas também de episódios de pura diversão. Como uma ida a Lisboa de última hora, pra assistir a um show de Ney Matogrosso com hospedagem no Ritz, a convite da filha de um banqueiro, e de uma festa de aniversário no apartamento de Ocimar, na avenue Montaigne, com Sidney Magal e outros sucessos da Discoteca do Chacrinha tocando a toda altura.

“Ele era uma pessoa que… sabe um pouco ‘vida louca vida’, que você vive a mil por hora, você aproveita a sua vida a mil por hora, que dá a impressão mesmo de que alguma coisa dizia a ele que aquilo ele não ia ficar velhinho.”

Ricardo, que ia a Paris a cada dois ou três meses, também não teve problemas no trato com Ocimar. Mas ele acha que a personalidade centralizadora do estilista, que fazia questão de participar de todos os departamentos da empresa, acabou atrapalhando os negócios. 

“Acho que a gente talvez não tenha tido o know-how na época de enquadrar ele na condição de estilista e não deixar ele querer mexer em tudo. Isso é uma dificuldade. O criador não é para isso.”

O que acabou por determinar o fim da sociedade, no entanto, foi um fato bem específico, envolvendo a linha esporte da marca, focada em jeans. E quem relembra o caso é Maria Thereza.

“Essa coleção dele, que era a primeira e a mais importante para o negócio, porque era o que ia sustentar a parte financeira do empreendimento, foi conceitualizada por ele e a produção dos protótipos e onde seriam produzidas as peças era na Índia.”

A escolha do país de produção foi motivada pelos bordados que Ocimar havia planejado para os jeans. Assim, o estilista, Maria Thereza e o chefe de produção foram até a Índia conhecer os ateliês e acertar os detalhes. Os protótipos foram feitos, enviados a Paris e apresentados pra venda. E a recepção foi ótima: a marca recebeu várias encomendas de lojas como Bergdorf Goodman, Neiman Marcus e a brasileira Daslu. Mas aí começou o pesadelo.

“A partir do momento em que as peças começaram a chegar da Índia e que nós começamos a distribuir para os compradores, começou a haver um problema que… não estava de jeito nenhum no que pretendíamos, que era uma diferença entre os números e o que seriam as peças vendidas.”

Trocando em miúdos: por um erro de modelagem, as peças que os compradores estavam recebendo não condiziam com o que havia sido apresentado nos protótipos. 

“Houve um problema ali que foi um problema grave. A peça não estava vestindo do jeito que os protótipos vestiam. Então, as empresas que compraram, elas devolveram as peças. ‘Não vou comprar porque elas não estão de acordo.’Aí para a empresa foi um imprevisto pleno de consequências.”

Na época, Ocimar alegou que o erro havia sido da fábrica na Índia, não do time de Paris. O fabricante, por sua vez, disse que as peças foram produzidas seguindo exatamente os moldes enviados pelo ateliê da Place Vendôme. Para os investidores, o que ficou claro nesse episódio é que Ocimar e a equipe comandada por ele não estavam aptos a dar esse passo: de produzir roupas em maior escala pra tornar a marca viável comercialmente.

“Em linguagem de negócio, a gente diz que o pior negócio é aquele que está quase dando certo. Porque no quase, você diz, não, vou apostar mais. Esse valor que eu tinha pré-determinado, a gente acabou investindo mais de três vezes o valor que eu propus inicialmente.”

O erro na modelagem, no entanto, colocou um ponto final nas apostas dos investidores. E Ricardo foi a Paris comunicar a decisão a Ocimar.

“Eu mesmo falei para ele. Olha, como a gente combinou, meu investimento ia até aqui, e daqui para frente eu não sigo, vamos encerrar. Então é isso, investimento é isso, você faz, às vezes dá certo, às vezes dá errado. Eu fiquei com muita pena que não deu certo, porque eu reconhecia nele esse talento, tinha muita vontade que esse negócio desse certo.”

Maria Thereza também acompanhou esse encerramento, e se recorda dos momentos finais da sociedade que rendeu ao Brasil seu primeiro estilista na Câmara Sindical de Alta-Costura.

“Eu me lembro que saímos do ateliê, Ricardo e eu, tristes, decepcionados um pouco com aquilo, mas ao mesmo tempo com aquela sensação de que tínhamos vivido na nossa vida um ano ímpar, uma coisa única.”

Essa segunda queda bateu fundo em Ocimar. Em seu livro, o estilista conta que ficou angustiado, tinha insônia e sentia falta de ar repentinamente. Em uma viagem ao Brasil, foi diagnosticado com depressão profunda, acompanhada de uma síndrome do pânico. O tratamento incluía medicação e sessões de terapia e Ocimar decidiu que era hora de voltar ao país natal.

“Voltar em definitivo para o Brasil depois de tantos anos em Paris não foi uma decisão premeditada. Aconteceu naturalmente. Recordo-me muito bem de, nos últimos tempos, ao chegar a Paris, ser tomado por certa tristeza, um quê de melancolia, Em contrapartida, sempre que voltava ao Brasil me sentia ótimo.”

Então, no ano 2000, Ocimar Versolato estava de volta a São Paulo, disposto a iniciar uma nova fase. Instalou-se em uma mansão na rua Panamá, onde atendia clientes que agora podiam encomendar ali, no Jardim Europa, vestidos sob medida do estilista formado em Paris. A depressão e a síndrome do pânico foram desaparecendo aos poucos, com o ritmo de trabalho e o apoio emocional da família e de amigos fiéis. Mas Ocimar também teve de lidar com as fofocas sobre os motivos do seu retorno ao Brasil e com o sumiço de amigos não tão fiéis assim, como lembra o cantor Edson Cordeiro.

“Eu vi vários altos e baixos do Ocimar. Eu fui testemunha de como essas pessoas nunca mais apareceram, nunca mais ligaram, e como os convites deixaram de chegar pelo correio. Só quem ficou ao lado dele foram amigos muito íntimos, amigos verdadeiros, né? Porque eu fui testemunha desse circo, dessa indústria.”

A arquiteta Raquel Silveira é outra amiga que acompanhou Ocimar dos anos 90 até os últimos dias. E conta que era difícil saber se Ocimar estava passando por apuros financeiros, porque ele era uma pessoa extremamente generosa. O estilista, inclusive, fez o vestido do terceiro casamento de Raquel, com o cantor Paulo Ricardo, em 2001. E não cobrou:

“Não dava para saber. Ele alugava aquela casa maravilhosa, linda, nos Jardins, e era gente todo dia champanhe, todo dia. Sempre aquela figura generosíssima. Assim nunca na vida ele me cobrou um vestido. Nunca. Nem o de casamento.”

Raquel falou também como era a postura do estilista durante os reveses na carreira e se lembra da boataria em torno do nome dele naquele início dos anos 2000.

“Ele era uma pessoa muito forte nisso, porque falavam tudo, falavam que ele saiu devendo de Paris, que ele não sei o quê. Que ele não podia voltar em Paris, que não sei o quê. Que não podia entrar na Europa, blá, blá, blá, blá, blá, blá. É tão engraçado, né, que tinha muita gente que parecia que gostava da derrota dele.”

No métier da moda brasileira, vamos combinar, Ocimar nunca fez questão de fazer muitas amizades. Em seu livro Vestido em Chamas, por exemplo, ele distribui várias alfinetadas nos colegas, às vezes recorrendo a pseudônimos como Graça Preá e Rinaldo Botelho. Atribui a Jean Paul Gaultier um comentário de que os criadores nacionais nem se dariam ao trabalho de comprar uma peça para fazer a cópia: vêm a foto de uma roupa em uma revista, copiam a frente e depois procuram uma parte de trás para completar a peça, criando uma mistura de Issey Miyake com Chanel. Conta ainda o caso de estilistas que teriam sido flagrados fotografando looks da Comme des Garçons no provador e ido parar na delegacia por causa disso. 

Em fevereiro de 2001, no entanto, quando foi perguntado pelo repórter Francisco Chagas, do programa Over Fashion, se a moda brasileira seria muito influenciada pelo que vem de fora, Ocimar deu uma contornada na questão. 

Ocimar tinha realmente muito mais o que fazer. E nesse recomeço no Brasil precisava encontrar novos aliados entre os seus compatriotas. 

“Um belo dia, meu telefone toca, André, André, esse é Ocimar Versolato, eu… O próprio. O próprio. Aí eu falei, oi, aí ele falou, eu quero fazer casa de criadores. Assim, tipo, nem se apresentou, nem precisava, né? Quero fazer Casa de Criadores, quero falar com você que eu quero fazer casa de criadores. Eu, ah, tá, claro, vamos conversar.”

Você acabou de ouvir André Hidalgo, que fundou a Casa de Criadores em 1997, uma semana de moda que hoje está em sua 56a edição e nasceu com o propósito de funcionar como um celeiro de novos talentos da moda brasileira. Bem, até hoje André lembra do impacto que sentiu quando o estilista que já havia participado da semana de alta-costura parisiense pediu para integrar o line-up da sua CdC. 

“E aí, assim, quando ele falou que era para fazer Casa dos Criadores, eu falei, mas, Ocimar, você podia estar onde você quisesse, né? Tipo, por que você quer fazer Casa de Criadores? Ah, porque eu acho bacana. Ele era generoso também, em certos sentidos, sabe? E aí ele me disse que ele queria dar o aval dele para a nova geração. É isso. Quero dar o meu aval. Quero estar ali ao lado da nova geração. E ele era esperto. Ele queria ir onde estava também o novo, né? Essa movimentação do novo e tudo mais. E também porque ele tinha outros desafetos que não vêm ao caso aqui.”


Entre as conversas dos dois realizadas no casarão da Rua Panamá e no escritório de André, então localizado na Galeria Ouro Fino, Ocimar explicou que pretendia fazer uma apresentação dupla. Uma delas seria dedicada, claro, aos seus vestidos-assinatura. Já a outra marcaria o lançamento de uma nova linha, a O.V., com perfil mais comercial, focada em jeans e propostas tanto femininas quanto masculinas.

Ficou decidido que Ocimar abriria a edição seguinte da Casa de Criadores, a de número 10, realizada no estádio do Pacaembu, com a estreia da coleção de denim, e encerraria a semana com o desfile de looks noturnos.

Corta para julho do mesmo ano e Ocimar fala com Francisco Chagas para o programa Over Fashion, pouco antes da apresentação da O.V. Como deu pra ouvir no papo, a coleção tinha 85 looks… E o bastidor dessa estreia do veterano de Paris na CdC foi, digamos, um tanto caótico, como lembra André. 

“Então, começava às 8 horas da noite, o desfile e tal, ok. Quando foi próximo desse horário, eu fui lá para dentro para a gente iniciar. Então, as pessoas já entrando. Eu falei, vamos começar o desfile. Quando eu entro, tem uma assistente minha com uma cara assim, transtornada. Aí, eu falei, o que foi? Aí, ela falou, André, vai lá no camarim.”

Em vez de encontrar os modelos prontos, ou quase prontos, André se deparou com Ocimar ainda editando tudo, decidindo, naquele momento, o que cada um vestiria na passarela.

“Ele olhava e falava assim, eu vou botar essa calça com essa camisa. Não, não, não. E aí, ele ia trocando, e ele ia estar fazendo a edição na hora. Mas, num processo que, querido, sabe que horas começou o desfile? Às 11 horas da noite. Ele era o primeiro. Depois dele, ainda tinham três ou quatro estilistas para desfilar. Todo o público, todo mundo esperando. As pessoas só não me mataram e saíram e foram embora porque tinha realmente muita expectativa em cima do desfile dele. Porque começou, te juro, Gabriel, começou às 11 horas da noite. Terminou mais de meia-noite.”

Se a apresentação da linha jeans manteve a pompa e segurou a plateia, o desfile dos vestidos noturnos, sua marca registrada, não ficaria atrás.

“O camarim estava servidíssimo. Aí, ele fez questão de ter champanhe no camarim pras modelos. Era muito Paris, assim, no camarim, mas muita champanhe. Muita champanhe pra os modelos já entrarem no clima e todas bebendo, celebrando. E ele recebendo muitos convidados no próprio camarim, muita cliente, muitas pessoas da imprensa também, né? E tinha champanhe também pros convidados, sabe assim? Com ele tinha que ser assim, né? É, era, e se não fosse… Não, ele tinha muito problema com pobreza.”

Para essa apresentação, o entorno da icônica piscina do Pacaembu foi transformado em passarela. E aquele desfile ficou pra sempre marcado na memória do evento.

“Aí, o desfile dele na piscina foi apoteótico. Foi incrível. Foi super… Foi maravilhoso. Foi realmente muito bacana. Eu lembro que tinha um público muito estrelado. Muita socialite. E um público muito estrelado, assim. Das celebridades da época. Digamos assim, né? Porque realmente ele tinha um mailing muito interessante e diverso, né? Mas aí, foi assim, um festival de vestidos belíssimos.”

Paralelamente à reestruturação da carreira, a volta de Ocimar ao Brasil marcou outra fase na vida do estilista. Ele virou um supertio.

“Foi num Natal, que ele havia chegado de volta de Paris. Antes disso, eu não vi ele. Ele veio em outras oportunidades, mas a gente não vivia junto. A gente não tinha como se cruzar ali. Mas quando ele veio pro Brasil, eu encontrei ele num… Ele fez um Natal, chamou a família toda. E aí foi a primeira vez que eu vi ele, assim.”

Esse é Pedro Versolato, filho de Odamar, o irmão mais velho de Ocimar, que a gente ouviu no primeiro episódio. Pedro nasceu em 1987, o mesmo ano em que o tio se mudou pra Paris.

“Antes dele ir pra Paris, ele me batizou, né? Eu sou o primeiro neto.” 

Como Pedro contou, nas rápidas passagens de Ocimar pelo Brasil na década de 90, eles acabavam não se encontrando. A imagem que ele tinha do padrinho era a de entrevistas que via na televisão. Ele só foi conhecer de fato o tio quando já era adolescente. E os dois se deram bem de cara.

“Quando eu o conheci, ele me chamou pra ficar, tipo assim, no dia que a gente se conheceu, ele me chamou pra ficar na casa dele. ‘Fica aqui comigo aqui esse fim de semana? Fica aqui, no domingo você volta, tal. Aí tá bom. Aí a gente foi ficando e ele era uma pessoa, assim, ele… O trabalho era o primeiro lugar, na vida dele, mas ele se dedicava muito à família.”

Yasmine Versolato, filha de Omara, que contou no episódio 1 como adorava ir com o tio a museus, tinha só 5 anos quando Ocimar voltou pro Brasil, mas também tem lembranças das festas de Natal na casa do estilista.

“A festa de Natal era uma mesa cheia de frutas, toda a família, uma sala cheia de presentes pra todos. Era uma maravilha. Era incrível, era realmente incrível.”

Talvez uma das informações mais surpreendentes nessa apuração, pelo menos pra mim, foi o fato de Ocimar não só gostar de crianças, mas ter jeito pra lidar com elas. Ainda que fosse à maneira dele: 

“Ele tratava todos os sobrinhos como miniadultos. Ele falava com todos como se fôssemos adultos. Ele não tinha drama. Imagina fazer um drama com ele ou um escândalo. Não, não existia. Então, desde pequena ele ensinava etiquetas na mesa, os talheres, os copos. A hierarquia de sentar ele na ponta, a minha avó do lado. Logo vinham meus tios e as crianças na ponta.”

E o papel de Ocimar na formação dos sobrinhos foi muito além das regras de etiqueta. Tanto Pedro quanto Yasmine falam que o tio foi uma pessoa fundamental na vida deles. A relação era de pai e filhos, e Pedro chegou a morar com Ocimar em diferentes momentos, inclusive ainda durante a adolescência. Mais tarde, os dois trabalharam juntos em projetos, como o álbum Beijo Bandido, de Ney Matogrosso, em que Pedro fez o design gráfico. Já Yasmine conta que mora em Madri, onde trabalha como atriz, por causa do tio.

“Porque ele me perguntou: ‘Onde você quer estudar, em que lugar você queria estudar, o que você queria estudar’. E eu falei, com a boca pequena, assim: ‘Olha, eu queria ser atriz’. E esperava alguma reação negativa dele, e ele falou: ‘Não, super, super vamos, vamos: em que lugar você quer estudar?’ Então tivemos várias opções assim, e no final foi Madrid, foi uma paixão à primeira vista.”

Yasmine se mudou para Madri em 2016, um ano antes da morte do estilista. E, nesses anos de convivência com o tio, acumulou um baú de recordações que revelam um lado amoroso de Ocimar a léguas de distância do jovem estilista que queria subir a qualquer custo. Uma das lembranças mais antigas de Yasmine é também uma das mais ternas, e tem como palco o casarão imenso e com pouquíssimos móveis da rua Panamá:

“Minhas primeiras memórias eram de nós dois dançando juntos valsa no meio do salão. Dançamos valsa, caíamos, levantávamos e íamos dançando.”

No próximo e último episódio de Ocimar Versolato do Avesso:

“Ocimar, você inaugurou no ano passado sete lojas, 15 milhões de reais pra cima de investimento. Não foi ousadia demais pra você, num país com crise, com dificuldade, lançar uma grife de luxo já com lojas nos melhores shoppings, melhores endereços de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília?”

“Foi um dia bem estranho, porque estava todo mundo lá, pediram uma reunião com todo mundo e, nessa reunião, disseram: ‘Muito obrigado, amanhã ninguém mais abre, ninguém mais precisa vir’.​ Foi bem brusco. Bem brusco.”

“E aí, no outro dia eu fui trabalhar e quando eu recebi um telefonema de manhã falando que ele tava, tinha tido um AVC e tava no hospital, né? E lá no hospital, parece que deu entrada com uma pessoa não conhecida, porque acharam ele a alguém ligou ah de madrugada falando que tinha uma pessoa passando mal, na rua tal, tal, tal.”

A sociedade relâmpago que abriu e fechou sete lojas no Brasil, a empreitada no ramo de cosméticos e a partida cedo demais.

Ocimar Versolato do Avesso é um podcast jornalístico produzido pela ELLE Brasil e faz parte da série Do Avesso, que resgata grandes nomes da moda brasileira. O primeiro biografado foi Clodovil Hernandes, que teve sua trajetória destrinchada em seis episódios, também disponíveis nas principais plataformas de áudio.

Reportagem, roteiro e narração, Patricia Oyama e Gabriel Monteiro. Gravação e finalização: Compasso Coolab. Trilha sonora original, In Sonoris Causa. 

Este episódio usou trechos do programa Over Fashion do canal do Youtube Over Fashion por Francisco Chagas. 

 

 

 

Para ler conteúdos exclusivos e multimídia, assine a ELLE View, nossa revista digital mensal para assinantes