Moda PCD e SPFW 25 anos

Neste Pivô, conversamos com grandes vozes da moda para pessoas com deficiência, para entender como a indústria pode ser verdadeiramente mais inclusiva.


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  • Leandrinha Du Art, escritora e midiativista dos movimentos LGBT e de pessoas com deficiência, explica os primeiros pontos para debater moda PCD;
  • Daniela Auler, estilista e idealizadora do perfil @modainclusiva, conta como a indústria pode produzir um design menos restrito;
  • A estilista e consultora de estilo Michele Simões, do @meucorpoereal, e a jornalista Heloisa Rocha, do @modaemrodas, falam como as mudanças na indústria precisam acontecer em toda a estrutura;
  • E ainda: a redação da ELLE relembra os seus momentos preferidos do SPFW, evento que começa nesta semana e em 2020 comemora 25 anos; as parcerias da C&A com Diane von Fürstenberg e da Eastpack com Vivienne Westwood; além do novo livro de André Carvalhal.

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Se preferir, você também pode ler este podcast:

Ainda que de maneira tímida, marcas começaram a inserir pessoas com deficiência em suas campanhas e desfiles de moda. A Savage Fenty, de Rihanna, é um exemplo disso. Mas a verdade é que uma moda plenamente inclusiva para PCDs, está longe de ser uma realidade.

Neste Pivô, a gente convidou quem debate esse tema no dia a dia, tem propriedade no assunto, para nos ajudar a refletir o que é necessário fazer agora para o setor mudar.

Eu sou a Patricia Oyama. E eu sou o Gabriel Monteiro. E você está ouvindo o Pivô, podcast que reúne as principais notícias de moda da semana comentadas pela equipe da ELLE Brasil.

“A primeira coisa que a gente tem que entender é que corpos com deficiência são plurais, diversos, múltiplos. Então você vai achar todos os tipos de tamanhos de corpos, de especificidades de corpos diferentes. O meu corpo, por exemplo, é um corpo destoante da normalidade imposta pela indústria. Então o tamanho da minha roupa, por exemplo, é algo que eu não encontro facilmente dentro de uma loja.”

A voz que você acabou de ouvir é da Leandrinha Du Art. A Leandrinha é escritora, fotógrafa, midiativista, militante do movimento LGBT e do movimento de pessoas com deficiência. E, ah! A Leandrinha também foi um dos primeiros ícones fotografados no retorno da ELLE Brasil, quando a gente fez um open casting por meio da hashtag #olhaELLE.

E o que ela acabou de falar é o primeiro ponto pra começar qualquer discussão sobre moda para PCDs. Essas três letrinhas aí, que são o acrônimo para pessoas com deficiência, engloba em um mesmo guarda-chuva uma multiplicidade de indivíduos. São diferentes necessidades, potenciais, restrições e desejos.

Ou seja, quando nós falamos de moda para PCDs nós falamos de uma moda plural, que pede mudanças constantes em toda a estrutura da indústria, além da construção de ferramentas para que ela inclua verdadeiramente um espectro variado de cidadãos e suas especificidades.

Dado esse primeiro recado da Leandrinha a gente chega ao segundo ponto fundamental para pensar em moda para pessoas com deficiência. Só é possível fazer isso exercitando uma coisa que você está fazendo aí agora, a escuta. Se informar, conversar, estudar, ler e, sobretudo, trocar com quem vive a realidade de ser PCD, é fundamental para compreender e botar em prática uma moda mais inclusiva.

Quem afirma isso é a Michele Simões, que é estilista, consultora de estilo, além da idealizadora da plataforma Meu Corpo é Real. A Michele procura promover, por meio desse perfil, pontes entre pessoas com deficiência e os segmentos de moda e de beleza, informando sobre o assunto e impulsionando ações de inclusão:

“Eu acho que o que a gente pode fazer para tornar a moda mais inclusiva é começar a abrir novos diálogos. Eu acredito que todo processo de inclusão precisa acontecer por meio da conversa, por meio do entendimento maior sobre a perspectiva de quem vive essas demandas. De ter maior qualidade desde o processo de consumo, de acessibilidade de compra, de produtos que tenham, sim, um design que vá atender demandas específicas. Mas acho que o principal ponto começa quando essa indústria se dispõe a ouvir e se dispõe a aprender com a gente, numa troca e numa construção contínua.”

Compreendendo a multiplicidade de pessoas com deficiência e que só elas saberão como ninguém das suas necessidades e vontades, que a indústria pode começar a fazer um design mais inclusivo, seja com a criação de peças novas ou adaptações de roupas. Esse processo pode ser estabelecido por meio de uma co-criação, segundo Daniela Auler, designer idealizadora do perfil @modainclusiva, além de uma das representantes do Fashion Revolution no Rio de Janeiro.

Depois que ela se formou em moda, a Daniela se especializou em sustentabilidade e em responsabilidade social. E, há pelo menos quinze anos, tem promovido o projeto Moda Inclusiva, que começou como uma pesquisa, casando moda e saúde, refletindo design para PCDs, dentro do hospital de reabilitação Rede Lucy Montoro, localizado em São Paulo, um centro de saúde dedicado a pessoas com deficiência. E foi com muita conversa que ela reuniu técnicas de adaptações no design para ajudar o cotidiano de pessoas com deficiência. Ela deu um exemplo para gente de uma calça jeans para uma pessoa que usa cadeira de rodas:

“Uma calça jeans se você tem um bolso atrás ele pode gerar escara, uma ferida que ela se dá por conta da pressão da pessoa sentada e que faz um machucadinho, então não tem necessidade de ter um bolso atrás. Você pode colocar na frente. Ele é legal tanto para quem está na cadeira de rodas, quanto para quem não está. Uma abertura lateral, uma abertura com um zíper até a altura do joelho. Eu gosto muito de usar aquele zíper trator de jaqueta, de esporte, e colocar uma argola, porque se a pessoa não tem a pinça da mão ela pode colocar o dedo, subir e descer. Aberturas na parte de baixo do pé, porque às vezes ele fica enrijecido e você consegue passar se ela for mais skinny, mais slim, você não vai machucar a pessoa. O elástico atrás. Você pode também trabalhar com botões na frente pra alargar ou apertar na cintura. E como que você sabe como fazer? Conversando com as pessoas. Não tem um estudo melhor do que conversando com as pessoas. Eu acho que o processo criativo, a cocriação é o mais legal da moda inclusiva.”

E, claro. Como nós estamos falando de moda não se trata apenas de função, mas também de estilo. Quem conhece a Leandrinha Du Art, que abriu o Pivô agora a pouco, sabe que ela é uma garota de presença no look, ela curte de um visual mais street, ao classicão, com direito a vestido longo… enfim, estilosa é pouco pra descrevê-la!

“Eu sou um corpo com deficiência que tem cabelo colorido, é cheio de tatuagem e não dá pra passar despercebida quando o assunto é look. Então eu sempre opto por peças autênticas, diferentes, estilosas. A questão é que a maioria dessas peças são inacessíveis para muitos corpos com deficiência. Querendo ou não eu tenho uma certa dificuldade para vestir algumas das roupas que eu tenho. Existe toda uma logística de achar uma roupa personalizada, única, estilosa e que ainda contemple o meu desejo e que também contemple as minhas necessidades por ser um corpo com deficiência.”

Então, sim. A falta de roupas adequadas para PCDs é um fato. Inclusive, é um desperdício de mercado. De acordo com o IBGE são 45,6 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência no Brasil. Isso corresponde a mais ou menos a população de todo o Estado de São Paulo. De acordo com o The Guardian, compradores com deficiência representam 249 bilhões de libras em poder de compra, seguem como o maior mercado consumidor inexplorado, ainda que tenha movimentado no ano passado, segundo a Coresight Research mais de US$ 288 bilhões de dólares.

Leandrinha ressalta que o mercado perde mesmo um público em potencial. E, Daniela Auler, além de concordar, avalia que esse tipo de mudança nas marcas, quando o assunto é design de peças mais inclusivas, não se trata de algo tão complexo assim. Depende muito mais de uma vontade real em ser mais diversa.

“O que eu falo muito é que se você já tem uma marca, você não precisa mudar a sua marca, mas você pode ampliar ela com uma linha que contempla pessoas com deficiência e sem deficiência também. Você só vai expandir o seu negócio. E às vezes nas próprias lojas nós temos roupas adaptadas que as pessoas nem sabem que são. Tênis com zíper, com elástico. Tem uma coleção da adidas com a Stella McCartney que tem peças que são totalmente inclusivas como a calça esporte que todo mundo estava usando e tinha vários botões na lateral. Moda inclusiva! Precisamos pensar em construir uma sociedade mais justa, mais harmoniosa, porque o mundo é feito de diferenças, o que nos torna único!”.

No entanto, uma moda verdadeiramente mais inclusiva, para pessoas com deficiência, não fica restrita apenas ao design de peças. Ela demanda mudanças nas atitudes, em todo o jeito de pensar da indústria e em sua estrutura, como explica a Michele Simões:

“Na minha opinião moda inclusiva abarca uma série de coisas. A gente não pode falar só de produtos. Eles são uma parte importante desse segmento, mas temos muitas outras frentes que precisam ser trabalhadas, como a acessibilidade dessas imagens. Os desafios que a gente encontra na moda são muitos.”

Heloisa Rocha, que é jornalista e idealizadora do Moda Em Rodas conta que os desafios vão muito além da escassez de roupas adaptadas e que facilitem o ato de vestir e despir da pessoa com deficiência ou de seu cuidador.

“Existem barreiras atitudinais no setor da moda, especialmente no varejo. O vendedor, no geral, não é treinado para atender uma pessoa com deficiência. Em muitos casos o profissional quase sempre se dirige ao acompanhante como se a gente não fosse capaz de fazer as nossas escolhas. Outra barreira é arquitetônica, pois boa parte das lojas não estão aptas a receber um cliente com deficiência. Na acessibilidade são muitas, como a ausência de rampas, provadores maiores, piso tátil, corredores largos para facilitar a circulação de quem usa cadeira de rodas, andador ou até mesmo bengala. Isso ocorre porque quem projeta não visualiza que uma pessoa com deficiência seja um potencial cliente. E saindo da loja física para o e-commerce, as próprias marcas não investem em ferramentas e recursos de acessibilidade, para que o consumidor com deficiência possa efetuar a sua compra com autonomia, já que menos de um por cento dos sites brasileiros são acessíveis.”

Campanhas publicitárias e desfiles de moda de algumas marcas, ainda que de forma tímida, começaram a incluir modelos com deficiência nos últimos anos, dando pistas de uma transformação, mesmo que lenta. Mas, para Heloisa, a única maneira de incluir mesmo pessoas com deficiência no mundo da moda, e fazer isso de forma natural, valorizando as suas potências e não as suas deficiências, é contratando profissionais PCD em toda a cadeia. Algo que Leandrinha Du Art também considera imprescindível:

“A primeira coisa como passo estratégico mesmo é ter a participação de corpos com deficiência dentro da indústria, desde o início do desenho, da concepção, da costura, todo esse processo, essa cadeia produtiva moda deveria conter corpos com deficiência porque são esses corpos que vão conseguir ditar o que é melhor para eles, o que eles desejam, entendendo que a gente não quer vestir apenas o simples, uma camiseta quadrada sem personalidade. Nos somos estilosos, nós respiramos moda também, a gente trabalha com moda, trabalha com visual, a gente quer algo personalizado, que imprima a nossa personalidade. Aí eu acho que a indústria precisa ouvir esses corpos, precisa ouvir quais as demandas desses corpos e o que eles estão reivindicando. A verdadeira inclusão não é feita apenas colocando pessoas com deficiência para desfilar na sua passarela, não é chamar apenas para fotografar a sua campanha de moda, é você realmente inserir esse corpo dentro da sua linha de produção, dentro das suas criações, entendendo que eles são reais consumidores. Não é só colocar corpo com deficiência na passarela e falar ‘ai, já está lindo’. Não é assim.”

É importante destacar os estilistas e as marcas que têm feito um trabalho importante na criação de moda para pessoas com deficiência aqui no Brasil. Por isso, vale muito acompanhar o que casas como Angels Grace, Equal, Frida, Iguall e Lado B Moda Inclusiva, além de Via Voz Fashion vem fazendo. Internacionalmente, a Levi’s foi uma das primeiras grandes marcas a criar roupas para pessoas com deficiência, na década de 1950, por meio do trabalho da estilista Helen Cookman, com jeans de zíper nas costuras laterais, que se abriam de cima para baixo, por exemplo. Tommy Hilfiger é outra casa apontada como um case a ser seguido, por conta de uma linha que mantém para PCDs, a Tommy Adaptive, além das marcas Target, Zappos e Open Style Lab.

E aos outros profissionais de moda, estilistas e marcas, fica a sugestão de Michele, Heloisa e Leandrinha de que uma mudança real só vai acontecer quando pessoas com deficiência estiverem mais e melhor representadas na indústria. Só assim que elas poderão usar plenamente da moda, um agente de autoconhecimento e de autoexpressão.

“As roupas deveriam se adaptar a nós. A moda nos obriga a conhecermos o nosso corpo e a entendermos quem realmente somos. E esse processo de autoconhecimento nos ajuda a entendermos as nossas limitações e diferenças pessoais. Apesar de que o processo de autoaceitação vá muito além disso. Para mim, a moda tem um papel fundamental porque eu consigo transmitir aos demais quem eu realmente sou e o que eu estou sentindo naquele momento. E a confiança vinda de um look criado por mim mesma faz com que a deficiência ou a minha cadeira de rodas seja meramente um detalhe de um todo. Agora, infelizmente, quando o mercado não oferece uma moda projetada para nós dificulta o processo de autodescoberta e a construção de identidade porque passamos a vestir o que podemos e não o que queremos. E eu preciso que a moda nos descubra para que possamos descobrir a nos mesmas.”

E começam esta semana os desfiles da São Paulo Fashion Week, desta vez, em formato 100% digital. De 4 a 8 de novembro, as marcas vão apresentar suas coleções online, pelos canais oficiais do evento. Entre os 36 nomes do line-up, há veteranos nas passarelas, como Ronaldo Fraga, Lino Villaventura e Isabela Capeto, e também marcas estreantes, ainda que com designers já bem conhecidos. Trata-se da Irrita, da estilista Rita Comparato e sa ALG, a segunda linha da À La Garçonne, de Alexandre Herchcovitch e Fábio Souza.

Esta edição marca os 25 anos do evento e a ideia inicial era que a comemoração ocupasse vários espaços da cidade. Mas com a pandemia da Covid-19, a organização teve que fazer adaptações. Além dos desfiles online, a semana também vai ter projeções pela cidade de cenas do acervo da SPFW, e intervenções de artistas visuais.

Aqui, a gente fez uma sessão nostalgia relembrando alguns dos desfiles mais marcantes desses 25 anos. E quem começa falando é o nosso editor de moda Lucas Boccalão:

“Pra mim o desfile mais importante e impactante da história do São Paulo Fashion Week, sem dúvidas, é a primavera de 2004 do Jun Nakao. Foi o último desfile da marca dele, a marca passava por algumas dificuldades já há algum tempo, eles já sabiam que esse teria que ser o último desfile. O Jun sempre teve um trabalho interessantíssimo e superinteligente, mas esse realmente foi incrível. O desfile falava sobre o valor da ideia. Se o que interessa de fato é o conteúdo dela ou se é o produto gerado a partir desse conteúdo e desse pensamento. Então, colocava em questão o que significa moda, o que é produto, consumo. Ele foi uma surpresa completa. No momento de apuração dos jornalistas, antes dos desfiles, perguntando sobre as inspirações, qual seria o tema, qual seria a ideia do desfile, eles mantiveram tudo isso em segredo, eles diziam que era uma coleção inspirada no século 19, com tecidos adamascados, bordados brocados, mas na verdade era tudo feito de papel branco. Eles reproduziam, sim, a estrutura das roupas dessa época, reproduziam esses bordados, padrões, as texturas, mas era tudo um trabalho superdelicado em papel. Era incrível. A grande surpresa do desfile é que no fim todas essas roupas que eram de papel e acho que talvez o público só tenha percebido no fim, é que as modelos pararam na fila final e destruíram. A trilha mudava de música, virava um som caótica e elas começavam a destruir tudo. Então, não sobrava produto. Era um desfile de ideia, mas que no fim não tinha roupa pra ser comprada e usada. O que no fim das contas acabou deixando tudo ainda mais poderoso, sensível e ele é reconhecido como um dos maiores desfiles do século pelo museu de moda da França, foram feitos dois documentários sobre ele e todo mundo lembra dele até hoje, como uma das grandes apresentações do evento.”

Outro momento emocionante e histórico da São Paulo Fashion Week ocorreu em 2016. Foi a estreia da LAB, com Emicida e Fióti. E quem relembra essa passagem é a nossa editora especial Vivian Whiteman:

“Essa estreia é um desfile com a direção criativa do João Pimenta, que o Emicida inventa ali, cria uma ponte entre as coisas que ele curte, de um referencial de cultura pop japonesa, de tradição um pouco japonesa também, mas sobretudo dessa cultura pop, misturada com uma ancestralidade africana, ou seja, elementos dessa ancestralidade de alguns países africanos. Tem uma pesquisa de tecido muito interessante, de padrões que eles colocam nessa passarela. E tem uma pertinência, uma importância, a presença deles ali, como uma marca que é capaz de pegar todos os discursos que estão ali sendo falados e transformar isso em prática. Então, a questão racial, a questão da inclusão, a questão da acessibilidade mesmo, no sentido de a roupa ser acessível, o desfile ser acessível. De a roupa não ter tanto essa prisão do gênero, de ter tamanhos grandes, tudo isso existe nesse desfile, nessa estreia. Então, eles trazem uma riqueza que vem do trabalho deles anterior, do trabalho que está acontecendo ali, da música, do rap, de conectar a periferia de São Paulo com o que está acontecendo de mais incrível, de mais foda no streetwear mundial. Tem uma capacidade de síntese, esse desfile, que é muito impressionante. Então, o casting 100% negro, os rappers, na passarela, Seu Jorge… Tem uma originalidade, uma verdade dentro desse desfile, da apresentação inteira, do próprio Emicida ali, presente, cantando, deles entrando no final, ali, e encontrando aquela plateia que eles mesmos construíram diferente da plateia media que a gente costumava ver de São Paulo Fashion Week, elitizada, quase toda branca. Então, assim, tem uma força muito grande. E é de fato um desfile que entrou pra história como a passagem da LAB, acho que é uma vitória inclusive. A São Paulo Fashion Week deve considerar a presença deles lá como uma vitória do evento, porque o que eles conseguiram fazer era uma coisa que faltava ao evento, uma coisa que fez com que o evento ganhasse relevância e, internamente, pra eles, pra Emicida, Fióti e toda galera que trabalha com eles, foi mais um lugar onde eles conseguiram transformar esse universo deles, que é muito rico, em uma expressão nova. E essa expressão era a roupa, a moda e um desfile. Que não é uma coisa tão fácil de fazer. Um desfile que emocionou as pessoas, coisa que ainda é mais rara.”

Já a nossa editora de moda Suyane Ynaya destacou um desfile bem recente: a coleção de primavera/verão 2020 que a designer Angela Brito, nascida em Cabo Verde, mas que há anos mora no Brasil e trabalha no Rio de Janeiro, apresentou no ano passado.

“Angela Brito hoje pratica esse ofício de designer porque ela aprendeu com a mãe dela, que fazia as próprias roupas dela, então ela colocou toda a sua inspiração e tudo o que ela sabe fazer nas passarelas dos SPFW e nessa coleção ela se inspirou no blues, trazendo um pouco dessa alfaiataria, um pouco desalinhada. Trazendo camadas irregulares e sobreposições. Tudo isso com tons neutros. Ela ainda teve a delicadeza de trazer os espectadores, as pessoas que estavam ali, pra dentro de um campo florido, onde os modelos não carregavam só essas flores nas estampas das roupas, mas carregavam na cabeça. A própria maquiagem do desfile foi feita de flores e flores de verdade. Os modelos carregavam flores na mão. Então, você sentia a delicadeza de tudo isso dentro da passarela, onde você via detalhes que se encaixavam com as roupas, que eram as flores nos ombros das modelos, encaixando também um pouco com as peças que eram pintadas à mão, de flores também. Então, eu me apaixonei muito por esse desfile, pela delicadeza que ele tem, pelo amor que é depositado dentro dele, pela história que a Angela mesmo carrega sendo essa inspiração: uma mulher que veio de fora do Brasil, mas que ainda encaixa muito da sua cultura com a nossa vivência, com o nosso calor, com esse país que é tão tropical. Então, tudo ali não fugiu do que somos. E ainda assim ela colocou muito da essência dela dentro disso. Então foi muito bonito a forma como ela trouxe essas peças, a representatividade que teve no backstage e também à frente, com os modelos, a forma como todo mundo se sentiu abraçado por aquele desfile. Ela é inspiradora, gosto muito do trabalho dela e espero ver muito mais aqui.”

O nosso editor de moda Luigi Torre não conseguiu escolher um desfile só, veio logo de turma. Fala Luigi!

“É que o que eu mais gosto do São Paulo Fashion Week é quando as marcas convidam a gente pra assistir os desfiles em lugares fora da Bienal, ou na verdade fora de qualquer locação onde o evento estiver sendo sediado. A Cavalera é a marca que melhor exemplifica essa exploração de locações na cidade de São Paulo. Em 2006, ela fez um desfile no museu do Ipiranga, que foi um marco pra própria grife, que evoluiu bastante no tipo de moda que ela propunha. Deixou de ser uma coisa um pouco adolescente, passou a ser um pouco mais elaborada, com mais informação de moda, construções mais complexas, enfim, foi meio que um divisor de águas na história da marca. Em 2008, a mesma marca, agora sob direção criativa do Marcelo Sommer, levou a gente pra um desfile no Rio Tietê. Literalmente no Rio. A gente andava de barco pelo meio do Rio e os modelos ficavam às margens, posando com umas roupas que já levantavam levemente uma discussão ambiental, de sustentabilidade e de como a não atenção ao meio ambiente estava gerando mutações e transformações nem sempre muito benéficas na nossa vida. Em 2009, a Cavalera também fez um desfile que também exemplifica bem o porquê de eu gostar dessas locações. Esse desfile aconteceu no minhocão e era meio que uma homenagem pra cidade de São Paulo. O que eu acho interessante nesses desfiles, não especificamente da Cavalera, a gente teve vários outros, como a Maria Bonita, numa homenagem a Lina Bo Bardi no Sesc Pompeia, a Neon em 2010, fazendo o desfile numa piscina pública. É a interação que esses eventos e apresentações geram com a cidade. Não só com a cidade em si, mas também com as pessoas que frequentam determinadas regiões ou frequentam aquele lugar onde está sendo feito aquele desfile, enfim, tem uma interação e uma discussão um pouco mais ampla do que quando a gente assiste um desfile fechado numa caixinha branca, com uma passarela e as modelos saindo da boca de cena e o fotógrafo no final. Pra quem tá assistindo, pelo menos eu gosto de pensar assim, existe uma visão um pouco mais ampla de moda: moda inserida num contexto social e um pouco mais vivo, não tão frio e fechado.”

E quem ajudou a realizar um desses desfiles que interagem com a cidade foi a dupla Flavia Pommianosky e Davi Ramos, que são colaboradores de longa data aqui da ELLE. Eles fizeram o styling do desfile-retrospectiva, que abriu a semana de moda em 2013, e foi realizado em pleno metrô de São Paulo. A Flavia conta mais detalhes dessa aventura:

“A gente começou o desfile na estação Vila-Madalena, pegamos a linha verde e fomos até a Vila Prudente. Era um desfile que a gente editou looks de várias marcas de estilistas importantes da história do evento, então, tinha Alexandre, tinha Vitorino, tinha Sommer, tinha André Lima, tinha Clos, tinha Ronaldo Fraga, João Pimenta, enfim, a gente visitou os acervos e editou grupos de entradas por marca e a emoção mais forte foi poder ver as modelos andando nas plataformas, entrando nos vagões, interagindo com o público que estava no seu dia a dia, na sua rotina, pegando metrô pra ir trabalhar, pra ir pra casa. Pessoas que muitas vezes nunca tinham assistido um desfile e a gente vê o encantamento que a moda pode trazer pra vida de uma pessoa. Foi muito icônico pra mim poder pegar essas roupas desses acervos, lembrar de tantas temporadas com coleções especiais e mostrar isso aberto a um público, dentro de um espaço coletivo, e assinar esse styling. Foi muito emocionante.”

Pois é, infelizmente não dá pra gente falar de todos os desfiles marcantes que aconteceram em todos esses anos. Ia ter que ser uma série de episódios. O Ronaldo Fraga fez muita gente chorar com o desfile que homenageou a Zuzu Angel, o Alexandre Herchcovitch fez várias apresentações memoráveis, enfim. Teve muita coisa boa. E a gente espera que venha muito mais por aí. Pra conhecer a programação completa desta edição, acesse o nosso site www.elle.com.br.

E tem parceria fresquinha no mercado entre uma estilista internacional e um grande varejista brasileiro. A designer belga radicada nos Estados Unidos Diane Von Furstenberg assina uma coleção pra C&A com saias, tops, macacões, calças, kaftans, acessórios e, claro, vestidos. O icônico modelo wrap dress, ou vestido-envelope, criado por Diane nos anos 1970, também faz parte da coleção e está disponível em três comprimentos: curto, mídi e longo. Estampas icônicas da grife também foram incorporadas à nova coleção, como a chainlink, aquela que traz vários elos de corrente alinhados, brincando com um efeito óptico.

Para o lançamento da coleção no Brasil, a Diane von Furstenberg participou de uma coletiva de imprensa por videoconferência. A gente aproveitou a ocasião para perguntar o que ela, sendo um ícone e inspiração para tantos novos designers, acredita que a moda deve manter de sua essência e o que deve deixar pra trás. E ela respondeu.

Então, o conselho da Diane pros novos designers e também pra que nem é tão novo, é que, principalmente nesses momentos de crise, o melhor é voltar ao seu núcleo e recuperar o básico, aquela razão de ser que toda marca tem. Agir da mesma forma que uma pessoa faz quando precisa reavaliar suas prioridades e descobrir o que realmente importa pra ela.

A coleção Diane Von Furstenberg pra C&A já está à venda online e entra nas lojas físicas a partir de amanhã, dia 3.

E Vivienne Westwood está mais ativa, ou melhor, mais ativista do que nunca. A designer britânica acaba de anunciar uma colaboração com a marca de mochilas e acessórios Eastpak. A empresa estadunidense, que se orgulha de fazer produtos que duram até 30 anos, já fez parcerias com outros nomes da moda, como Raf Simons, Jean Paul Gaultier e Vêtements.

A collab com Vivienne Westwood, no entanto, tem uma particularidade: ela é toda feita com plástico reciclado retirado dos oceanos.

A coleção tem mochilas, mala de bordo, bolsas e pochetes com estampas de criaturas marinhas. É a mesma estampa que a Vivienne usou na coleção de outono inverno de 2005. Tanto o tecido quando o forro, alças e até o logotipos aplicados nas peças são feitos com PET reciclado. E todas elas trazem a inscrição Save our Oceans bem visíveis.

Semana passada, dia 29, foi o dia nacional do livro. A redação, inclusive, aproveitou para indicar alguns títulos no site da ELLE. Depois desse episódio, corre lá pra conferir. E, hoje, a gente aproveita pra indicar mais um! Trata-se do novo livro do André Carvalhal, escritor, especialista em sustentabilidade, que usa bastante as redes sociais pra falar de assuntos importantes no design, na moda, no mundo… O nome é Como Salvar O Futuro e a gente inclusive pediu para o próprio André Carvalhal explicar um pouco desse título para vocês. Fala André!

“Quando eu era pequeno eu nutria uma esperança assim como muita gente de que o futuro seria algo legal, brilhante. No entanto a gente chegou no futuro e contrariando muitas das previsões a gente vive um dos períodos mais distópicos da história da humanidade. Foi quando eu me dei conta de que o futuro quebrou e se concertou uma série de vezes, sempre foi reconstruído, reinventado, reimaginado por diversas pessoas. E que o futuro é feito no presente. Então para que a gente possa mudar o futuro a gente precisa mudar as nossas ações hoje. Então eu senti bastante vontade de falar sobre isso, todas as tretas que estamos vivendo hoje e como que podemos nos libertar delas para de alguma forma construir um futuro que seja melhor de alguma forma para todo mundo.”

Este episódio usou trechos das músicas I’m Every Woman, de Chaka Khan, e trechos dos desfiles de 2004 de Jun Nakao, de 2016 da LAB, de 2019 de Angela Britto e de 2010, da Neon.

    E nós ficamos por aqui. Eu sou Patricia Oyama. E eu sou o Gabriel Monteiro. Siga Pivô Podcast em sua plataforma de preferência para que seja notificado toda vez que um episódio novo estiver no ar. Até semana que vem!

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