Camisinha: muito vista, pouco usada
Apesar de sua imagem pop, a importância da camisinha tem sido cada vez mais ignorada. Por que isso está acontecendo?
Rihanna causou furor ao exibir uma camiseta com a frase “Use a condom” (use uma camisinha) na etapa final da gravidez. Julia Fox customizou top, botas e bolsa com dezenas de preservativos. Na semana de moda de Milão, no início do ano, a Diesel criou um backdrop com nada menos do que 200 mil caixinhas de camisas-de-vênus para apresentar sua coleção de inverno 2023.
A camisinha está pop, então? Aparentemente, sim. Mas o sucesso sob os holofotes não necessariamente se reflete na cama. O uso do preservativo – para transar – só diminui, mostram as pesquisas.
De acordo com dados da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar do Ministério da Saúde, o uso da camisinha encolheu de 72,5% para 59% entre estudantes do 9º ano de 2009 a 2019. O estudo foi feito com jovens das redes pública e privada nas capitais. A análise pontua que o resultado “expressa preocupação”, já que “a tendência segue uma direção que indica maior exposição aos riscos.” Quais? Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) e gravidez não planejada.
A coordenadora do programa de estudo em sexualidade da USP, Carmita Abdo, aponta a falta de informação como uma das principais causas da mudança de comportamento.
A professora ressalta a baixa constância de campanhas de órgãos e instituições de saúde e a facilidade de disseminar fake news. “Hoje os métodos protetivos (camisinha, vacinas etc) são questionados.” Perguntado sobre a frequência das iniciativas educativas e seu impacto, o Ministério da Saúde não respondeu à ELLE até a publicação da reportagem.
Mas aqui vai um exemplo comum de falta de informação: os comprimidos da Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) previnem a infecção pelo HIV, porém nenhuma outra IST é combatida com eles. Por isso a importância da camisinha. Além disso, o IBGE levantou que as novas infecções com o vírus aumentaram. “A partir do momento em que começamos a ter mais controle da Aids pode ter ocorrido a impressão equivocada de que se está livre do vírus, pois há uma forma de lidar com ele”, explica.
Ausência de camisinha e o fetiche do risco
Quebrar uma regra, e o perigo envolvido nisso, é algo facilmente associado ao prazer sexual. A indústria pornô, a música e as mil fantasias corriqueiras estão aí para atestar. Pensando na redução do uso de camisinha, uma questão surge: a ausência do preservativo se daria também pela excitação do sexo desprotegido?
“Se as coisas ‘proibidas’ não fossem possíveis de realizar, não haveria necessidade de proibir”, explica a psicanalista Fernanda Samico, que destaca que não é possível dar um diagnóstico único. “Toda lei, ou norma, existe para frear um impulso. A camisinha é uma diretriz de saúde pública e, talvez, por isso seja tão erótico transgredir.”
Mas há consequências. O registro de ISTs no Brasil aumentou nos últimos anos. A sífilis passou de 58,1 para 78,5 casos a cada 100 mil pessoas (IBGE, 2021) e os jovens não são os únicos. Os índices mostram uma redução do uso do preservativo e o crescimento de infecções também em idosos, de acordo com dados da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia.
A faixa dos 15 aos 24 anos, porém, é a que mais deixa a camisinha no fundo da gaveta, de acordo com o IBGE. Com foco na gravidez, em 2020 foram realizados 380 mil partos em adolescentes com até 19 anos (dados do Ministério da Saúde), o que representa 14% dos nascimentos totais.
Comigo não vai rolar
“É um comportamento (comum em jovens, mas não apenas) de achar que se é protagonista do próprio filme, de que haverá uma reviravolta”, continua Fernanda Samico. “Basicamente, se compra a ideia da jornada do herói.”
Esse modelo narrativo, do mocinho que enfrenta um grande desafio antes de alcançar a glória, está presente em muitas histórias. Facilmente a jornada passa da tela e das páginas e é assimilada na vida, levando a crer que, no final, tudo se acerta.
“Há uma espécie de dificuldade de lidar com frustração atualmente. Acredita-se que um grau de felicidade, ou realização, é garantido com compras e conquistas, o que não se concretiza”, avalia o psicanalista Alexandre Patricio.
Isso facilitaria uma sensação de onipotência e imortalidade, que, em algum momento, é frustrada. “Por isso tantas crises existenciais e abusos de substâncias e sexo. ‘Eu parto para o exagero para me sentir inteiro e interessante em um ambiente que impulsiona o sentimento de vazio’.”
Montanha de camisinhas no desfile de inverno 2023 da Diesel. Reprodução: Instagram @Diesel
A mesma ideia de imortalidade é aplicada à proteção sexual: sempre se está seguro, mesmo quando não há nenhum tipo de defesa. O famoso “comigo não vai rolar”.
Tudo isso acontece em meio a muita opção de consumo. O vasto cardápio de estímulos – e até mesmo de parceiros – acessível a dois toques na tela, no entanto, não significa que a sexualidade seja uma questão bem resolvida e cuidada. “Pelo contrário. A variedade pode gerar ainda mais conflito e insegurança nos jovens, que, desamparados, muitas vezes não contam com seus pais (ou escola) para conversar”, diz Patricio.
Sempre a pandemia
Associada à falta de informação, a coordenadora do programa de estudo em sexualidade da USP aponta a influência da pandemia. Principalmente em quem fez sua iniciação sexual nesse período. “O sexo virtual, no qual não há necessidade de preservativo, se tornou uma realidade maciça.”
Com o retorno das dinâmicas presenciais, o que acontecia na segurança da solidão começou a ser compartilhado. A falta de costume inicial, agora em um mundo novamente de toque, facilitaria a ideia de que “nada vai acontecer”, explica Carmita Abdo.
“A gente observou muita mudança no comportamento: ‘Eu não me habituei e de repente eu tenho que colocar a camisinha, algo mais ‘desconfortável’ do que a outra opção’. Então, tudo se dá de uma forma mais flexível.”
A psicanalista Fernanda Samico complementa: “Se a gente pensa na imaturidade emocional, típica da adolescência, e em jovens que tiveram sua iniciação sexual apenas no digital, faz sentido que eles não queiram usar o preservativo (com quem faz questão dele) quando podem encontrar outros para transar.”
Claro, um comportamento iniciado de uma forma pode ser alterado. Ou permanecer o mesmo, principalmente se a informação correta não for acessível, e fácil. “Se isso vai virar uma prática ou vai mudar, não temos como saber”, finaliza a psicanalista.
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