Sexo em tempos de TikTok

Ninguém precisa pautar a vida sexual pela última trend das redes sociais.


Ilustração: Mariana Baptista



Pensei muito em como começar esse texto sem parecer uma balzaquiana assustada com a juventude, mas o fato é: ainda fico assustada quando entro no TikTok e busco pelas narrativas que envolvem sexualidade que estão sendo construídas nesse momento por quem está ali. Sim, eu sei, existem muitas coisas legais na rede, receitas maravilhosas, dicas de viagens, moda, life hacks e tudo mais, coisas muito úteis e interessantes (outras nem tanto, como tudo na internet). Porém, me pergunto, como um lugar com tanta censura quando a pauta é sexualidade, mais até do que o próprio Instagram, consegue ter tantas vozes ditando sobre qual a próxima trend superpirotécnica que deve ser testada na cama? 

Explico: recentemente fui chamada numa entrevista para falar sobre o tal do “beijo arco-íris“, que tem bombado na tal rede. Como não tenho TikTok (até tenho conta, mas desisti depois de não me encaixar e ter todos meus vídeos derrubados por violar as normas, mesmo quando se tratava só de falar sobre flutuação de libido), tive que fazer minha pesquisa e, pra minha surpresa, me deparei com um novo ritual sexual que envolve MUITAS demandas e etapas e abre uma porta gigantesca à transmissão de ISTs. 

A trend, em si, nem é tão revelante no ponto que quero trazer, já que me parece mais com alguns fetiches bem conhecidos pela comunidade do BDSM (que, inclusive, não é conhecida por ter um público adolescente, muito pelo contrário). Minha questão é: quem está não só consumindo, mas também criando esse conteúdo? E quais são as novas expectativas de quem inicia sua vida sexual nessa década pautada, praticamente por inteiro, pelo que é trazido nas redes sociais?

Experiências pessoais são únicas e diversas, porém temos que ter o cuidado de não transformá-las numa régua para o outro, como eu tenho visto em muitos tutoriais elaborados disfarçados de compartilhamentos inocentes por aí. 

Se, para a geração Z, o TikTok é o que o Google é para muitos de nós, e o conceito de sexo está se moldando com o passar dos anos, na esperança de termos todos uma nova chance de experiências mais proveitosas, satisfatórias e leves, precisamos falar sobre os desafios que vão surgindo no meio do caminho. Claro, os parâmetros já estão melhores para quem inicia a vida sexual hoje do que foi há 10 anos. Nunca se falou tanto de sexualidade positiva, de aceitação do corpo, educação sexual etc… E que bom, finalmente! Mas é normal que tenhamos que lidar com o outro lado dessa mesma moeda. Quanto mais gente falando sobre, mais ângulos sobre. Normal e saudável. Experiências pessoais são únicas e diversas, porém temos que ter o cuidado de não transformá-las numa régua para o outro, como eu tenho visto em muitos tutoriais elaborados disfarçados de compartilhamentos inocentes por aí. 

Se a adolescência já é um período complexo por si só, imagino toda essa loucura multiplicada por mil ao passar por essa fase num novo mundo pandêmico, onde a maioria se viu tendo o celular como principal companhia. Hormônios vindo na mesma rapidez que o wi-fi nas grandes cidades, o terror dos pais. Mas como gerenciar tudo isso acontecendo ao mesmo tempo e ainda achar espaço para iniciar ou continuar a jornada com noções e aprendizados saudáveis sobre sexo?

O importante é reforçar que, independentemente da sua idade, você não “tem que” nada para se sentir bem com a sua vida sexual! Não tem que fazer a última trend do TikTok que envolve uma supertroca de fluidos nem um menáge só porque parece descolado, muito menos abrir o relacionamento porque é o tema da vez. Nada mesmo. Muitas de nós crescemos e iniciamos nossas experiências com a sombra da pornografia, que ainda assola muito, mas que tem perdido um pouco da força e até se ressignificado. Fomos ensinados que o que contava no sexo era seguir padrões físicos e comportamentais específicos, além de um roteiro fraco e carecido de informações mais profundas sobre o próprio corpo. Coisa que geração após geração trouxe uma carga de insatisfação sexual e afetiva profunda e enraizada. Mas, agora, talvez estamos diante da primeira geração que pode criar uma nova narrativa em torno desse tema. Os primeiros a normalizarem o uso do vibrador, a entenderem um pouco mais quais os efeitos colaterais dos métodos contraceptivos hormonais, a entenderem como o clitóris é e funciona (sabia que ele só foi completamente mapeado em 1998? Pois é), a repensarem as dinâmicas de relacionamento de forma mais ampla e objetiva, e por aí vai. Mas isso significa que estão isentos das mesmas velhas ciladas? Não mesmo. 

Seja dentro da internet ou fora dela, é importante filtrar o que são abordagens leves aliadas à informações reais e o que é mais uma caixa em que você precisa caber para ser o que os outros esperam. Os ensinamentos que recebemos enquanto estamos começando a entender o mundo e as mudanças do próprio corpo são decisivos para escolher os caminhos que vamos trilhar pelos próximos anos. E, se estamos na era da técnica, onde a cada segundo somos bombardeados com, literalmente, milhões de tutoriais sobre como fazer absolutamente tudo, precisamos entender que, quando o assunto é sexualidade, não existe técnica que aborde a necessidade e o tempo único de cada indivíduo. Podemos, sim, aprender a como se olhar com mais carinho, buscar mais prazer, experimentar novas vivências de uma maneira mais saudável, mas sem esquecer que essa jornada vai se dar de uma forma muito diferente de uma pessoa para outra.

Vamos juntos entender separadamente o que faz mais sentido para cada um? Sem impor e nem provar nada, apenas filtrando e internalizando a confusa e deliciosa experiência de ser?

Clariana Leal é educadora sexual e carrega como propósito a abertura honesta e inclusiva do diálogo sobre sexo, desejo e corpo. Na sua coluna Prazer sem dúvidas, ela responde mensalmente as dúvidas do público da ELLE.

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