Jup do Bairro vai do funk ao techno em “In.corpo.ração”, seu novo EP
Cantora dá continuidade ao primeiro trabalho, "Corpo sem juízo", e prepara um álbum ainda para 2024.
Depois do sucesso do seu primeiro EP, Corpo sem juízo, Jup do Bairro dá sequência ao projeto iniciado em 2020 com um segundo, In.corpo.ração, lançado no início de junho. “A partir do abraço que senti do público, dos prêmios que ganhei e tudo que alcancei com esse trabalho surgiram novas indagações”, conta a paulistana, que venceu os prêmios Multishow e APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) na categoria artista revelação há quatro anos.
Nesta nova fase, Jup amplia sua pesquisa e abraça uma variedade de gêneros, do funk ao rap, passando pelo techno. “É um disco inquieto e de exploração, que tem o funk como principal linha narrativa instrumental, especialmente o que está sendo produzido na capital paulista”, explica. “Então, há desde intervenções do mandelão (subgênero do funk) das festas periféricas, como o Baile da DZ7, até as batidas eletrônicas da Mamba Negra, Capslock (festas paulistanas), entre outras.”
Com produção do duo eletrônico Cyberkills, formado pelo paulista Rodrigo Oliveira e pelo paraibano Gabriel Diniz; In.corpo.ração traz cinco faixas, incluindo um feat com o rapper paulista Edgar e o cantor cearense Mateus Fazeno Rock em “não vou mais chorar nem me lamentar”. “Existem artistas que me fazem sentir porosa no primeiro instante em que entro contato com suas obras e com eles foi exatamente assim”, conta Jup.
“Escrevi a letra já pensando nessa junção (dos dois) e eles ficaram encantados de gravar uma faixa que fala sobre essa trajetória de altos e baixos que vivi na indústria musical nos últimos anos”, diz a cantora sobre a track, uma das mais poderosas do novo EP, ao lado de “lave sua boca (suja) quando for falar de mim”. “Essa parte de uma perspectiva de Pombagira como referência, mas acabei compondo como uma forma manifesto pessoal, direto ou indireto”.
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Bem além do algoritmo e do TikTok
Numa indústria cada vez mais pautada pelo algoritmo do que por talento, Jup não entrega os pontos. “Tem sido um momento pessimista, mas pessimismo não é derrotismo. Não me sinto derrotada”, afirma. “Digo ‘pessimista’ pelas circunstâncias que o mercado apresenta, tratando nossas existências como demandas comerciais. Agora se fala sobre corpos queer, aí isso deixa de ser interessante e passa a se falar sobre mulheres gordas, aí satura. Então, fala-se de Ozempic… E assim vão descartando todas as outras existências”, diz a cantora.
Apesar das conquistas ao longo da carreira, ainda há muitos desafios. “Continuo penando para fechar shows e conseguir boas negociações que contemplem um pagamento digno para a minha equipe e banda”, revela. “Sinto que não estamos mais criando pelo sentimento ou pela vanguarda, mas pelo algoritmo do agora, dessa música instantânea que começa pelo refrão, que precisa virar a dancinha do TikTok, e isso faz com que a gente se torne nosso maior adversário, buscando um cuidado de uma indústria que nunca vai te acalentar, de fato, te abraçar e caminhar junto”, defende.
“Por isso, iniciativas como o edital Natura Musical são fundamentais”, diz. “Sem esse apoio, não conseguiria executar o trabalho, porque a produção musical no Brasil é caríssima e os fãs nem sempre entendem o tamanho do investimento, que é babado”, desabafa. “Mas o Natura Musical traz esse frescor, principalmente por ser uma curadoria de pessoas da música, o que é essencial para que seja uma seleção mais diversa”. Ao longo de 18 anos, o edital já ofereceu recursos para mais de 600 projetos de artistas como Emicida, Russo Passapusso, Dona Onete e Linn da Quebrada.
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A mulher do fim do mundo
Das cinco faixas do EP, apenas uma não foi escrita pela cantora: “mulher do fim do mundo”, composta por Alice Coutinho e Rômulo Fróes, eternizada na voz de Elza Soares e que ganha uma versão reinventada por Jup. “Esta é a primeira vez que interpreto uma música que não compus. Então, foi uma das faixas mais difíceis, porque tem uma grande responsabilidade”.
Para a artista, a inclusão da música no EP vem como um agradecimento e celebração pessoal a Elza. “Queria muito interpretá-la, porque seu trabalho foi fundamental na minha vida”, diz. “Tenho muito carinho por A mulher do fim do mundo (2015), pois é um disco que traz uma nova roupagem a Elza, com interpretações muito apocalípticas. Quis trazer um pouco disso para o meu EP também.”
Com seu vozeirão potente e uma levada funk, Jup recria a faixa de Elza dentro da sua estética, sem perder o passado de vista. “Ela escancarou caminhos para que artistas como eu pudessem cantar. Então, sigo sua trilha, sabendo que só há um hoje porque houve um ontem e quem começou foi Elza.”
Surge uma nova estética
In.corpo.ração também marca uma nova fase imagética de Jup, desenvolvida em parceria com o diretor criativo Gabe Lima. “Os visuais exploram a dualidade e a profundidade do espiritismo, como uma janela para esse mundo maravilhosamente melancólico e cruel, onde a beleza e a desolação se entrelaçam”, explica Gabe.
Todas as faixas ganharam uma capa própria, além da que estampa o EP. “Adoro me aventurar nesses experimentos, acho que o meu encontro com a música se dá principalmente nessa vontade de construir imagens, também para que o ouvinte possa se aprofundar mais em cada música”, diz Jup.
Neste processo colaborativo, a dupla mergulhou no trabalho de diversos artistas plásticos negros, como Antonio Obá, Estêvão Silva, Allan Weber, Lynette Yiadom-Boakye, Danielle Mckinney e Kerry James Marshall.
“Sinto que não estamos mais criando pelo sentimento ou pela vanguarda, mas pelo algoritmo do agora, dessa música instantânea que começa pelo refrão, que precisa virar a dancinha do TikTok”
O que vem pela frente
In.corpo.ração é apenas o meio do caminho de um 2024 que ainda promete novidades. Depois do show de estreia do EP, que aconteceu no dia fim de junho na Casa Natura Musical, em São Paulo, Jup se organiza para lançar o capítulo final da trilogia que começou com Corpo sem juízo.
“Já estou mexendo os pauzinhos na pré-produção desse álbum, que se chamará Juízo final”. A cantora Urias, que participou do show de lançamento assim como o produtor Mu540 (Muzão), é a primeira artista confirmada para um feat no disco.
Para suas “xerosas”, apelido carinhoso que ela deu à sua base de fãs, Jup apresenta o EP como um novo passo para uma mudança de era. “Agora sinto que estou incorporada em mim, já sou uma adolescente 30+ e tenho outras urgências, não é qualquer coisa que tira meu descanso e a minha vontade de lutar”, pontua. “A música continua sendo o meu lugar e, enquanto eu tiver um streaming na minha caixinha, uma pessoa me ouvindo no Spotify, eu estarei cantando para ela, essa é a minha herança”.
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