Camaleão do techno, Boys Noize fala à ELLE em passagem pelo Brasil

DJ e produtor alemão vencedor do Grammy, Boys Noize assina o remix da trilha sonora de "Rivais", em parceria com Trent Reznor, do Nine Inch Nails.


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O DJ e produtor alemão, Boys Noize. Divulgação / Glen Han



Alex Ridha, a.k.a Boys Noize, é um dos artistas mais versáteis da cena eletrônica. Considerado um “oráculo subcultural”, o DJ e produtor alemão fincou os pés nas pistas aos 16 anos e fez seu nome no techno e electro no final dos anos 1990. Mas seu talento vai além.

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Alex Ridha, a.k.a Boys Noize. Divulgação / Shane Mccauley

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Com uma indicação ao Grammy de 2020 pelo single “Midnight hour” com Skrillex, e um gramofone ganho em 2021 para Lady Gaga com “Rain On Me ft. Ariana Grande”, o alemão de 41 anos tem uma lista invejável de colaborações, que vai desde produções com Frank Ocean, A$AP Rocky e Rico Nasty até parcerias com Bon Iver, Chance The Rapper, Snoop Dogg, Tommy Cash e Kelsey Lu.

Sua produção camaleônica também inclui remixes para Daft Punk, Depeche Mode, Pussy Riot, e, mais recentemente, o remix da trilha sonora do filme Rivais, filme de Luca Guadagnino, protagonizado por Zendaya. O convite veio dos autores da música original do filme, Trent Reznor e Atticus Ross, vencedores do Oscar pela trilha de A rede social (2010), e Soul (2020)”.

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Boys Noize com Skrillex (centro) e Ty Dolla Sign (esquerda), no tapete do Grammy. Divulgação / Shane Mccauley

Um dos headliners do festival Time Warp Brasil, que aconteceu no início de maio em São Paulo, Boys Noize gravou com artistas locais e conversou com a ELLE em sua passagem pela cidade sobre a colaboração com Reznor e Ross, música brasileira e mais. Confira a seguir:

Sua última passagem pelo Brasil foi em 2023, certo? O que mais gosta no país?

Sim, era fim de semana de Carnaval e foi incrível. Adoro a cultura brasileira, é tão diferente da minha. Eu sou europeu e fico impressionado com a beleza das pessoas. Em qualquer lugar, todos são muito receptivos, me sinto tão confortável aqui porque também sou uma pessoa calorosa.

O set do Time Warp teve algo pensado especialmente para SP?

Como os outros DJs antes e depois de mim eram mais sérios, quis trazer alguma leveza, incluindo artistas locais. Existem muitos discos de techno brasileiros realmente bons, mas a maioria é bootleg (músicas lançadas de maneira não-oficial). Então, coloquei alguns neste set e toquei minhas músicas novas com um pouco dos sons das raves dos anos 1990 em novas versões.

Você acabou de lançar o remix da trilha sonora de Rivais. Como rolou essa parceria?

Trent e eu temos um amigo em comum em Los Angeles, Dave Sitek (guitarrista, produtor e membro do TV on the Radio). E a primeira vez que Trent me contatou foi há uns três anos, para outro projeto que acabou não indo para frente. Aí, do nada, ele me ligou novamente explicando que haviam terminado a trilha sonora do filme, mas não queriam lançá-la daquela forma. Precisava de algo mais e, por isso, surgiu a ideia de me envolver.

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Arte para divulgação do remix de Rivais, assinado por Boys Noize. Instagram @boysnoize

Segundo as críticas, a faixa “Compress/Repress” ficou bem mais interessante do que a original. Como se sente em relação a isso?

Fico feliz em saber que as pessoas se sentem assim. Eu penso da mesma forma, senão não teria feito as mudanças que fiz. Foi muito legal porque tudo aconteceu na última hora, não tive tempo para pensar. E, às vezes, você quer tentar mais coisas, testar outras ideias, mas basicamente não tive escolha. Então, o mais interessante desse processo foi seguir o que senti primeiro e executar com confiança. E, felizmente, Trent e Atticus me apoiaram e me incentivaram até o fim.

Falando em colaborações, você já trabalhou com os mais diversos artistas, do rapper Ty Dolla $ign a Lady Gaga. O seu processo criativo muda de um para outro?

É difícil dizer, porque nunca tenho um plano e, na música, isso é meio ruim e bom ao mesmo tempo. Acabo fazendo algo que não esperava e isso pode não ser tão legal ou pode ser mágico. Mas, normalmente, vou desenvolvendo e decidindo tudo no momento. Obviamente, se trabalho com artistas pop, o som já se torna mais pop porque há uma melodia ou uma letra além da minha própria música, que é principalmente instrumental. Então, a dinâmica muda conforme a colaboração, mas a minha premissa ultimamente é: tudo que produzo tem que funcionar nos meus sets também. Isso já é uma boa base.

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Boys Noize com Lady Gaga. Instagram @boysnoize

E dessas colaborações, quais foram as que você mais aprendeu ou que se destacaram de alguma forma?

Aprendi muito em todas, mas a colaboração com Chilly Gonzales (músico e produtor canadense) foi especial. Tinha acabado de lançar um remix para a Feist (parceira de Chilly) e ele me contatou para uma colaboração. Eu era fã, então fiz um remix e ele disse: “Cara, por que não fazemos um álbum juntos?”. E assim surgiu Ivory tower, de 2010. Na época, eu estava lançando coisas punk techno bem pesadas e isso foi totalmente o oposto, uma música sensual e suave com influências clássicas e jazzísticas. Fico lisonjeado quando trabalho com músicos realmente incríveis, porque aprendi tudo sozinho e alguém como Gonzales, um pianista e compositor incrível, é outra coisa. Ontem, estava no estúdio com produtores e artistas locais (de São Paulo) e eles trabalham de formas tão diferentes, com outros ritmos e instrumentos. É tão bom aprender algo novo e abrir a mente.

Temos colaborações com artistas brasileiros vindo aí?

Tenho trabalhado com alguns artistas, sim, ainda não posso dar detalhes, mas acho a música brasileira muito diversa, para cada lugar há um som. Lembro de tocar numa festa queer aqui, no ano passado, e o DJ antes de mim fez o set mais maluco que já ouvi. E conheço o funk e todas as nuances, mas ele tocou outro tipo de som, fiquei em choque. Sinceramente, acho que a cena brasileira é a melhor do mundo e os DJs são melhores também. Sinto que o mundo tem dado mais atenção a isso e acho que os artistas daqui terão mais reconhecimento internacional, principalmente na cena eletrônica.

Você mencionou uma vez que seu sonho seria colaborar com o Prince. O que fez dele um artista tão incrível?

Ele não só foi um músico extraordinário, mas sabia disso e fez tudo sozinho, também produzindo tantas outras coisas paralelamente. É uma loucura a quantidade de música que ele criou e o incrível trabalho artístico, desde a performance, a diversidade de instrumentos que tocava, a composição, tudo. É uma mistura maluca que você raramente vê. E ele também lutou contra vários problemas da indústria que existem até hoje, como a igualdade de gêneros, inclusive desistindo do seu próprio nome por isso. Ninguém mais foi capaz de fazer o que ele fez.

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Boys Noize. Divulgação / Shane Mccauley

Começo a pensar nas diferenças entre ser músico e produtor…

Acho que um produtor é mais do que alguém que faz batidas. Ele precisa liderar a sessão, conduzir as gravações, montá-las e ter a visão da linha de chegada. O músico pensa nos detalhes da composição e do som, enquanto o produtor junta tudo. E há tantas definições de produtor. Nos anos 1960, era o cara que recortava as coisas. Às vezes, você é chamado de produtor só porque dá alguns pitacos. Sou muito envolvido e gosto de participar de cada passo, desde a gravação até o arranjo, a composição e tudo mais.

Você começou a tocar aos 16 anos. Como vê a sua evolução artística e da cena eletrônica em geral?

Tem sido ótimo, honestamente. Em 1999, quando comecei, o DJ nem aparecia, o mundo não era tão digital como agora. Nunca pensei em poder viajar o mundo ou produzir discos. Naquela época, você tinha que ter uma paixão muito forte porque era caro também. Eu tinha uns três empregos para poder comprar vinil e o meu primeiro toca-discos. Não foi fácil entrar na cena, especialmente em Berlim, pois havia regras como não poder levantar a mão durante o set ou tocar techno puro. E eu nunca fui techno o suficiente. Mas isso também foi bom porque comecei a descobrir tesouros que ninguém conhecia e fazer minha própria música. Hoje já não se discute mais essas questões, então fico feliz de ver uma abertura maior, com mais diversidade e todas as cenas que estão surgindo, é bem mais legal.

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O jovem Boys Noize, aos 17. Instagram @boysnoize

Você tocou recentemente em uma festa da Saint Laurent. Qual a sua relação com a moda?

Eu gosto de moda, apesar dela não ser tão dominante na minha vida. Há uma similaridade com o meu trabalho: quando produzo uma faixa, tento criar algo que possa ser ouvido daqui a alguns anos, mas algumas ondas vão e vem, assim como na moda. Há muitos elementos clássicos na música eletrônica que nunca ficam chatos e vejo isso nas roupas também.

Quão envolvido você está no design das artes de seus álbuns?

Para mim, design é muito importante, sou apaixonado por isso e já colaborei com alguns artistas, o mais recente foi o estadunidense Eric Timothy Carlson, para o álbum Polarity (2021). Ele é um artista plástico de Minneapolis (EUA) que também fez toda a arte do Bon Iver. Como fizemos algumas músicas juntos, acabei o conhecendo pessoalmente e me apaixonei pela sua estética, então o convidei para trabalhar no disco, foi bem intenso. Foram quase três anos desenvolvendo o projeto, desde o conceito de polaridade aos contrastes sonoros das músicas. Ele basicamente criou toda uma linguagem com isso, o que é uma loucura. São tantos glifos e símbolos, é tão profundo, tão louco. A caveira disco de Oi Oi Oi (2007) é de um artista chamado Christoph Steinmeyer. Então, sempre fui atraído por isso, acho incrível quando a música está conectada com a arte, quando você escuta uma música com o vinil na sua frente e o encarte do álbum. Eu adoro.

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Arte do álbum Polarity, de 2019. Divulgação

E os videoclipes?

Não tive tanta sorte quanto no design. Lanço minhas músicas sozinho (sem gravadora), então os orçamentos são menores, aí você tem que fazer concessões. Há uma dificuldade para colocar os melhores recursos visuais e representar a música como se imagina. Além disso, todos os meus últimos vídeos foram banidos (por nudez), então não pude divulgá-los. O vídeo que fiz com Tommy Cash (rapper estoniano) foi banido no Youtube e Instagram. É uma loucura porque estão listados, mas não aparecem. E não tem o que fazer, é o tipo de coisa que você tem que aguentar. Lançar música não é tão divertido.

As redes sociais nem sempre colaboram…

Tudo tem prós e contras. Agora todos podem te ouvir nas plataformas, mas ficamos refém disso. A maioria dos artistas que conheço fica sobrecarregada e ansiosa pensando nos posts. E eu sinto o mesmo, mas também não quero perder meu tempo com isso, não quero passar a minha vida editando vídeos e pensando no meu próximo post, mas é o que é. Não estou bravo, mas hoje tudo está tão focado nisso. Me dá uma angústia.

Quais são seus planos futuros?

Sinto que já cobri um grande espectro musical em meus álbuns recentes. Então, eu realmente não sinto necessidade de fazer isso de novo. Prefiro fazer coisas mais simples: voltei a gostar de produzir faixas para os meus DJ sets. Talvez isso mude com o tempo mas, por enquanto, lançarei singles e talvez um EP menor aqui e ali.

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Boys Noize. Divulgação / Will Hypothetical

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