Manuela Dias fala sobre o desafio de assinar a nova versão da novela Vale tudo
Autora defende a necessidade de adaptar a novela Vale tudo para os dias de hoje e conta sobre as renúncias que a escrita exige.
Nesta semana, a nove versão da novela Vale tudo exibe uma das cenas mais antológicas da trama de Gilberto Braga e da teledramaturgia brasileira: a briga entre Raquel e Maria de Fátima, em que a mãe rasga o vestido da filha, depois que a vilã é desmascarada. Abaixo, reproduzimos o perfil de Manuela Dias, que assina o remake da trama de 1988, publicado originalmente no Volume 20 da ELLE Brasil, em maio deste ano. Para comprar seu exemplar, clique aqui.
Brasil, país do Carnaval, dos memes, dos megashows em Copacabana e das novelas. O
gênero, que nos últimos anos andava em baixa e correndo atrás da audiência disputada a
tapa com distrações virtuais, vem mobilizando velhos fãs de folhetins desde 31 de março.
Naquela noite, foi ao ar o primeiro capítulo do remake da novela Vale tudo, escrita por Gilberto Braga em 1988. Um dos maiores sucessos da televisão brasileira até hoje, o lançamento foi escolhido como parte das comemorações dos 60 anos da Rede Globo.
A responsável pela nova versão é a autora e roteirista baiana Manuela Dias, 48 anos de
idade – 30 deles na TV Globo, onde começou fazendo uma pequena participação como
atriz na série Hilda Furacão (1998). Nesse período, colaborou com programas de humor,
infantis e assinou as minisséries Ligações perigosas (2016), Justiça (2016-) e a novela Amor de mãe (2019-21), que teve suas gravações interrompidas por um ano por causa da pandemia e retornou ao ar com o coronavírus inserido na trama.

A autora Foto: Jorge Bispo
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Voltando à novela Vale tudo, a nova versão também mergulha em discussões éticas e provoca reflexões sobre os limites do que é certo e errado em uma sociedade marcada pela desigualdade. E, seguindo a premissa de sua primeira versão, propõe a mesma pergunta: vale tudo para se dar bem na vida? Ciente de que adaptar um clássico como esse carrega uma enorme responsabilidade (“O brasileiro é muito exigente”), ainda mais com o amor desenfreado do público pela obra original, a autora conta que o respeito pela versão de Gilberto Braga foi e é fundamental, mas a profanação criativa é necessária para trazer a história para o presente.
“E se eu não tivesse mudado nada? Imagina que loucura a Odete negociando com o ditador das Filipinas, o Afonso ou o Ivan batendo em mulher e a Heleninha saindo de camisa de força quando quebra o bar?”
Manuela, que tinha 11 anos quando o folhetim foi exibido pela primeira vez, enfatiza
que a lente de 1988 não incluía a diversidade, que é intrínseca à realidade brasileira, e que
hoje a sociedade cobra que a teledramaturgia espelhe. Assim, a presença de atores negros
e asiáticos no elenco do remake é um reflexo dessa mudança. “É doido, porque as pessoas
tendem a falar: ‘Ela mudou porque se acha melhor que o Gilberto Braga’. Não! Mudar
tem a ver com chegar perto. Você tem que ter coragem de avançar”, reflete. “Para mim,
a Raquel (protagonista da trama) sempre foi uma mulher preta, mas antes isso nunca foi cogitado”, diz ela. “E se eu não tivesse mudado nada? Imagina que loucura a Odete negociando com o ditador das Filipinas, o Afonso ou o Ivan batendo em mulher e a Heleninha saindo de camisa de força quando quebra o bar?”, exemplifica a autora, referindo-se à versão original. “Não é que a gente está abrindo o olho para a violência contra a mulher ou a diversidade. É a própria realidade que impõe isso.”
A visceralidade e a indignação são marcas da escrita de Manuela, que se declara uma pessoa que se incomoda com as injustiças – premissa da série Justiça, que ganhou sua segunda temporada em 2024. “Acho que a minha dramaturgia é indignada, mas amorosa. Porque o cinismo desistiu do outro. A indignação não. Ela quer que você mude.”
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A Vale tudo de 2025 inevitavelmente gerou comparações com a novela dos anos 1980.
Manuela confessa que inicialmente se irritou bastante, mas acabou cedendo à criatividade
dos internautas e hoje se diverte com memes, discussões e a disposição de gente que não
só comenta os capítulos, como movimenta diariamente seus feeds, comparando cenas da
antiga e da nova versão – tem até quem assista às duas simultaneamente pelo streaming.
“Parei de lutar com isso e abracei esse povo. Reposto tudo. Adoro!”
“Basicamente, minha vida é escrever e essas pinceladas de maternidade. No mais, nada resiste”
A consagração ao adaptar uma novela tão emblemática tem um preço. A rotina da au-
tora durante a produção da novela é intensa – são meses sem folga, com uma escala de trabalho 7×7, incluindo aí Natal, Réveillon, Carnaval e até mesmo seu aniversário. “Não
atingi o nirvana de fazer novela e ter um dia de folga. É um esquema meio ‘survivor’”,
conta ela, que abre apenas duas exceções. Uma é acordar às 4h30 para fazer meditação
transcendental, prática que mantém desde os 12 anos. A outra são os cuidados com a filha,
Helena, 9 anos, fruto do relacionamento com o cineasta Caio Sóh. “Boto ela para dormir
toda noite, acordo, arrumo para a escola, olho o dever de casa… Basicamente, minha vida
é escrever e essas pinceladas de maternidade. No mais, nada resiste.”
Sobre a pergunta inescapável – quem matou Odete Roitman? –, Manuela revela que já sabe a resposta, mas tudo pode mudar. Ela mantém o suspense e brinca até com a possibilidade de um conluio para assassinar a vilã. “Adoro matar um personagem. Em Amor de mãe, fizeram uma petição na Polícia Federal para me prender. Era o abaixo-assinado Prenda Manuela Dias, porque eu estava matando geral. Teve 5 mil e tantas assinaturas. Mas era zoeira, claro. Agora, então, vai ser uma loucura com a Odete Roitman.”
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