Mostras em Londres relembram a ousadia de Coco Chanel e dos estilistas britânicos
Duas exposições aparentemente antagonistas são inauguradas durante a fashion week londrina para relembrar a importância da modernidade na moda.
Enxergar um vestido pretinho básico como um exemplo de design moderno pode parecer difícil sem considerar o que o modelo significou quando foi lançado, e como a moda evoluiu a partir de sua criação, em 1926, até chegar às roupas que representam a modernidade hoje.
Com abertura no museu Victoria&Albert (V&A) no último sábado (16/9), durante a fashion week de Londres, a exposição Gabrielle Chanel: Fashion Manifesto mostra de que maneira Coco Chanel revolucionou o guarda-roupa da mulher da época graças a criações como o little black dress (que, na nossa boa versão em português virou o vestido pretinho básico). O modelo simplificou a vida e liberou os movimentos da mulher, com tecidos e modelagens que, quase um século mais tarde, seguem nos vestindo no dia a dia.
Lembrar das ousadias do passado ajuda a contextualizar as produções criativas de nomes vanguardistas que vieram depois, caso dos integrantes de Rebel: 30 Years of London Fashion (Rebeldes: 30 anos de moda londrina). Inaugurada no Design Museum, também na capital inglesa, e no mesmo dia que Fashion Manifesto, a mostra traz 100 looks de estilistas que participaram do NEWGEM, programa do British Fashion Council para a promoção de novos talentos da moda, que completa 30 anos.
Em tese, o teor provocativo do vestido de cisne usado por Björk no Oscar de 2001, assinado pela estilista Marjan Pejoski e exibido na mostra dos “rebeldes” não se compara a qualquer polêmica que alguma das criações de Chanel possa ter causado com pérolas, tweeds e camélias. Pode-se dizer, no entanto, que a sociedade do início do século 20 ficou literalmente chocada em 1916, quando a estilista lançou um tailleur de um tecido molenga, considerado de baixa qualidade, usado até então para confeccionar cuecas. O jérsei, a partir dali, mudaria de status e nunca mais seria o mesmo.
A exposição da Chanel no Victoria & Albert Foto: Divulgação/Victoria & Albert
Além da peça de Bjork, há outras ousadias, cada qual a seu modo, na curadoria de Rebel, cujo patrocínio é da grife Alexander McQueen, estilista que também passou pelo NEWGEN. Designers como JW Anderson, Molly Godard, Christopher Kane e Simone Rocha emprestam peças marcantes da produção criativa de cada um. Há ainda o look de Steven Stokey Daley usado por Harry Styles no clipe de “Golden” e o macacão inflável preto de látex da marca HARRI, que causou espécie no tapete vermelho do Brit Awards deste ano, vestido pelo cantor Sam Smith.
No caso de Chanel, embora a sala dos little black dresses seja de vestidos de uma atualidade impressionante, não há nada parecido com o nível de radicalismo dos estilistas britânicos contemporâneos. As transgressões estão nos detalhes, como no uso do tweed (tecido masculino escocês) em suas criações e, em especial, no tailleur. O modelo se transformou no uniforme da mulher moderna a partir dos anos 60, alguns anos após ser lançado, em 1954, no período pós-2ª Guerra Mundial. Na exposição, há uma sala com 53 exemplares do tailleur de tweed, um deles que pertenceu a Marlene Dietrich.
A mostra sobre os 30 anos do NEWGEN no Design Museum Foto: Divulgação/Design Museum
A mostra, exibida antes na França, no museu Galliera, revela ainda itens curiosíssimos, como uma carta da Rainha Elizabeth II quando ela tinha 29 anos, escrita à mão, num papel de carta do Castelo de Windsor, em que ela agradece o amigo Frederick “Boy” Browning (então namorado de Chanel) pelo presente de aniversário. “Como sempre, você descobriu exatamente o que eu queria, e desejo lhe agradecer muito pelo perfume Chanel”, escreveu a rainha.
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Primeira retrospectiva dedicada a Coco Chanel na Inglaterra, Manifesto Fashion acaba por explicitar uma improvável conexão entre a maison francesa, que acabou se tornando um clássico da moda, e o talento transgressor da cidade que, não sem motivo, abriga a fashion week considerada a mais experimental do circuito Nova York-Londres-Milão-Paris. Como bem disse mademoiselle Chanel certa vez: “Nunca se é moderno demais”.
Gabrielle Chanel: Fashion Manifesto: até 25/02/24
Rebel: 30 Years of London Fashion: até 11/02/24
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